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Evolução e situação actual da indústria transformadora portuguesa- Intervenção de Pedro Proença
Terça, 19 Junho 2007

 

Evolução e situação actual da  indústria transformadora portuguesa
Pedro Proença (CAE)

A partir da documentação constante do Tratado de Adesão à então CEE, hoje denominada UE, podemos afirmar que o governo português se encontraria, nessa data, empenhado em empreender uma política de industrialização do que os negociadores da CEE terão tomado nota. O país rural saído de um esforço de guerra colonial dez anos atrás parecia optar, enfim, por uma política industrial. De então para cá, e até agora, tal opção não é notória e damos razão aos que sustentam que, de facto o que existe é uma política anti-industrial. Enquanto que em 1986, o peso do produto industrial no PIB era de 29,5%, em 2005 esse peso já estaria abaixo dos 17%, isto é, em apenas vinte anos, o produto industrial decresceu cerca de 42 %.

Há quem teime em observar que o fenómeno da perda de peso da indústria transformadora nas economias, i.e., da produção material de bens, é um fenómeno geral nos países mais desenvolvidos, designadamente na UE, o que é um facto, devido, no essencial, ao maior protagonismo dos serviços. Porém, o ritmo a que tal perda tem tido lugar, tem sido bem maior em Portugal do que na média da EU. De facto, enquanto o peso médio da indústria transformadora da CEE era, em 1987, de cerca de 24% do VAB, em 2005 tal indicador rondava os 18% em Portugal.

Isto significa que, no espaço comunitário, o peso da indústria transformadora no PIB, decresceu em cerca de vinte anos aproximadamente 25%. Cotejando este valor com o que encontrámos para Portugal, verificamos, que a taxa de perda é quase 70% superior em Portugal do que na EU. Tomando como referência o peso da indústria transformadora no PIB à data da adesão, o nosso país era, a seguir à RFA e à Espanha, o país com a maior contribuição industrial para o PIB.

As estatísticas vêm confirmar os receios dos que se queixam da actuação dos vários governos em relação ao sector da indústria transformadora. Dados do INE para o 1º semestre de 2004 referem que 31% do emprego nacional é assegurado pelo sector da indústria, construção, energia e água. Os serviços absorvem 56,3% e a agricultura e pescas 12,7%.

Mas a questão principal, não é tanto o peso da indústria no produto - embora este indicador seja naturalmente muito importante em termos relativos, constituindo o elemento que separa os países industrializados dos outros - mas sim o tipo de indústria, em termos da sua produtividade, competitividade, criação de valor e dinamização de toda a economia.

 

O Observatório das Ciências e das Tecnologias chama a atenção que (...) os ramos de actividade económica devem ser agrupados em categorias de Intensidade Tecnológica de acordo com a classificação da OCDE de 1997. Como todas as classificações esta não será mais válida do que outras, todavia importa sublinhar que o frequente aplauso de segmentos industriais (p. ex. do sector eléctrico ou do têxtil) escondem realidades que não devemos aplaudir.

Diz a ANIMEE que "A Indústria do Equipamento Eléctrico e Electrónico em Portugal, ocupa um lugar de destaque na economia portuguesa, sendo que em 2002 o volume de negócios desta indústria ascendia a cerca de 5,6 mil milhões de Euros e representava mais de 8,5 % de todo o volume de negócios da Indústria Transformadora nacional.

O que esta informação esconde é que ao lado de uma indústria idónea de concepção e fabrico de transformadores, motores, integração de dispositivos sofisticados e de alta tecnologia, concentrada em duas ou três fábricas, cresceu a indústria da pequena montagem de componentes, tantas vezes de baixa tecnologia ou de tecnologia corrente de que são exemplo as cablagens (para automóveis ou máquinas de lavar) ou a montagens de dispositivos electrónicos que podem empregar muita gente, mas que são relocalizáveis noutro lugar do mundo onde o homem possa ser explorado a ritmo vertiginoso.

Também recentemente um jornal diário de informação genérica, que outrora tinha um suplemento de economia, (DN), quis louvar uma etiqueta "Made in Portugal" no fardamento militar italiano que é finalizado numa fábrica minhota. Não referiu que os tecidos, as linhas de cozer, os botões, são fabricadas em Itália, os moldes são desenhados em Itália e nem as agulhas de cozer saem da indústria nacional. Tal como as cablagens é de temer que a todo o momento seja deslocalizada.

É por isso que entendemos que a classificação das indústrias por intensidade tecnológica tem a validade de verificarmos se estamos a falar de um produto bem pago e pouco ameaçado, ou de um produto que muita gente sabe fazer.

 

Qual o perfil de especialização industrial no quadro mais geral da especialização da economia? Que evolução houve neste domínio nestes últimos vinte anos marcados pela adesão à CEE? Verificamos que enquanto em 1994, a EU detinha, em sectores avançados (indústria químicas, máquinas e equipamentos e material de transporte) 55,6% do produto industrial, Portugal, no ano seguinte, tinha sensivelmente para os mesmos sectores, 28,5% do produto industrial e cerca de dez anos depois tinha para os mesmos sectores 19,1% do produto industrial.

 

Devemos assinalar que indústrias de baixo valor acrescentado, como o têxtil e o calçado, baixaram o seu peso no nosso produto industrial - baixaram no mesmo período de 25% para 21% - mas ao mesmo tempo, sectores como os das químicas também baixaram de 9,8% para 7,4% do produto industrial.

Numa outra abordagem, é interessante também verificar, que, em 2000, os três primeiros sectores da indústria transformadora (em termos do respectivo peso no VAB), eram, respectivamente, as máquinas e equipamentos, as indústrias alimentares e as indústrias químicas, enquanto em Portugal, os três primeiros sectores eram as indústrias alimentares, as indústrias de minerais não metálicos (cimenteiras, cerâmicas e vidro) e a indústria têxtil.

Podemos portanto dizer, que até a relativamente pouco tempo, no fundamental, o perfil industrial não sofreu alterações de monta, mesmo com o apoio de importantes fundos específicos sendo também de assinalar que, nos últimos cinco anos, se verifica uma ligeira melhoria da nossa produção industrial, entendida na óptica do perfil de especialização dos produtos exportados (EU e extra-EU).

Tomando por base uma hierarquização que atende ao grau de intensidade tecnológica, constata-se que entre 2001 e 2005, baixou significativamente o peso de produtos de baixa tecnologia, de 44,6% para 38,3% do total das exportações de produtos industriais e subiu ligeiramente o peso de produtos de média-alta tecnologia de 30,7% para 30,8% ou com a média para o período de 31,06% e de alta tecnologia de 11,4% para 11,7%. Em contrapartida, aumentou o peso de produtos de média-baixa tecnologia, de 13,3% para 19,2%, devido, no essencial, à exportação de produtos petrolíferos. Trata-se também aqui, de alterações muito ténues, embora todas elas indiquem uma tendência.

No que respeita à evolução da produtividade na indústria transformadora, embora se trate de uma variável que deve ser sempre analisada com precaução, seja porque é condicionada pela taxa de utilização das instalações industriais, e portanto ligada ao desempenho económico-comercial, seja porque é muito afectada pelo nível relativo dos preços, ela deve contudo, ser tida em atenção. Actualmente, a produtividade do trabalho (PIB em PPC por hora de trabalho) na indústria transformadora, é cerca de 59 % da média da EU-15.

A produtividade do trabalho na indústria transformadora, evoluiu negativamente em Portugal, entre a data de adesão às Comunidades e inícios deste século, não acompanhando a evolução média comunitária, facto ainda mais grave, se tivermos em conta a baixa posição de que partimos. Verifica-se mesmo uma descida contínua desta variável desde 2000, pelo menos até 2004 (inclusivé), o que acompanha todo o período depressivo dos últimos anos, com uma real estagnação do PIB.

Neste quadro, a indústria transformadora, foi mais uma vez a grande sacrificada. Neste quadro, é de perguntar onde tem estado o empenhamento dos governos portugueses pela execução de uma política de industrialização, conforme estava previsto no Tratado, e onde estão os resultados dos recursos comunitários destinados à concretização de tais objectivos?

Nem uns nem outros se concretizaram, e é particularmente importante pôr em destaque a responsabilidade dos sucessivos governos nacionais pela situação em que se encontra a indústria transformadora, tendo em atenção, particularmente, a situação a que podia ter chegado face aos importantes fundos de que dispusemos.

 

Relativamente aos fundos estruturais aplicados na indústria durante os vinte anos de adesão, na vigência dos três programas (PEDIP I; PEDIP II; POE/PRIME), independentemente das especificidades de cada um, convém e é possível fazer as seguintes apreciações gerais:

  • Foram elevadíssimas as verbas aportadas à indústria durante tal período.
  • Numa 1ª fase (PEDIP I), tais verbas foram aplicadas dominantemente em investimentos materiais - equipamentos, máquinas, etc. e infra-estruturas tecnológicas.
  • Numa 2ª fase (PEDIP II, POE e PRIME) os investimentos já foram repartidos com mais equilíbrio entre factores tangíveis e factores intangíveis - melhorias na organização e gestão das empresas, melhoria da qualidade dos produtos, aperfeiçoamento das redes de comercialização e "marketing", etc.
  • Ajudaram a atrair investimento directo estrangeiro, dominantemente comunitário, mas não só, que veio e continua a captar enormes parcelas de tais fundos - vejam-se os casos da industria automóvel, electrónica, têxtil e outras - e que, em muitas situações, entretanto já saiu de Portugal.
  • Uma parte relevante destes fundos, regressa aos países de origem, sob a forma de pagamento de equipamentos e outros bens ai adquiridos, no quadro da aplicação empresarial dos fundos.
  • Os fundos privilegiaram sobretudo as médias e as grandes empresas (que só constituem cerca de 5 % do tecido empresarial industrial) em desfavor das micro e pequenas, independentemente do maior número de projectos avançados por estas ultimas em valor absoluto; por exemplo, no caso do Sistema de Incentivos a Modernização Empresarial (SIME) que teve grande aplicado na indústria, só 40% dos projectos foi destinada a micro e a pequenas empresas, o que correspondeu a 19,6 % dos incentivos, enquanto que este grupo de empresas representava cerca de 95 % do total das empresas; de ter em atenção que na industria transformadora a situação e semelhante.
  • Os fundos estruturais aplicados na esfera industrial - no Estado, nas associações e institutos e nas empresas - introduziram nalguns poucos milhares de empresas, reais e significativas melhorias no seu desempenho, em termos de produtividade e competitividade potenciais, que não desempenho real na e da economia. E isto, porque no fundamental
  • As empresas abrangidas, logo à partida as mais capazes e saudáveis, constituíam e constituem ainda como que ilhas - nalguns casos e nalguns sectores poderão ser contudo já grandes ilhas - no quadro empresarial nacional
  • Em períodos diferentes, devido a circunstâncias diversas ao longo destes vinte anos, as politicas macroeconómicas recessivas, sejam de matriz comunitária, sejam de matriz nacional, sejam enfim da potenciação destas duas - criação de condições de pre-adesão e adesão ao Euro, o PEC, - atenuaram fortemente e nalguns anularam mesmo os aspectos positivos de tais investimentos.

 

Como é bem sabido, o Estado português detinha, sob a sua tutela directa, devido à posse dos activos, um conjunto muito importante de empresas públicas e participadas da esfera industrial, conjunto importante, quer pelo carácter estratégico de muitos dos seus produtos e produções - siderurgia integrada, grande indústria naval, refinação de petróleo, químicas e petroquímicas de base, produção de bens de equipamentos pesados, designadamente para os transportes e a produção de energia mas não só, indústria aeronáutica, indústrias de explosivos industriais e de material de guerra, para só referirmos os principais - seja pela elevada rendibilidade das empresas que lhe serviam de base - caso das cimenteiras, cervejeiras e dos tabacos.

Tais empresas, para além do peso muito significativo que detinham no produto industrial, no emprego e na FBCF, foram importantes escolas de gestão, de engenharia, de formação de técnicos e de pessoal operário durante gerações, possuíam muitas delas centros de pesquisa aplicada, utilizavam tecnologias avançadas, e desenvolviam actividades de elevado valor acrescentado, dado, o carácter capital intensivo das suas actividades e, simultaneamente, a elevada qualificação dos seus trabalhadores, contribuindo desta forma, para valorizar o perfil de especialização da nossa indústria, face ao carácter atrasado da grande maioria das outras actividades industriais detidas fundamentalmente na esfera privada.

A privatização do sector público, no que concerne às empresas públicas, começou em 1989, exactamente por uma empresa industrial - a UNICER - embora a parte dominante das privatizações de empresas públicas industriais, tenha tido lugar entre 1992 e 2000, havendo contudo ainda alguns rabos, que estão presentemente a ser esfolados, como são os casos da PORTUCEL e da GALP.

As privatizações apresentam uma dinâmica própria no processo de reconstituição monopolista português, constituindo um objectivo estratégico antigo da direita e do grande capital, sempre com a prestimosa ajuda do PS, processo que teve o seu ponto alto com a 2ª revisão constitucional em 1989.

Neste domínio, o das privatizações, houve um casamento perfeito entre os interesses da grande burguesia nacional, qualquer que fosse o suporte partidário utilizado, e as orientações estratégicas do grande capital europeu, escondido por detrás do biombo das instituições europeias.

A privatização das empresas públicas e participadas (estas últimas dominantemente através da IPE, entretanto também criminosamente extinto) da área industrial, constitui um ataque ao nosso desenvolvimento e à nossa capacidade económica, mau grado os falsos objectivos apresentados na Lei-quadro das Privatizações, como sejam o de "Modernizar as unidades económicas e aumentar a sua competitividade e contribuir para as estratégias de reestruturação sectorial ou empresarial" bem como de "reforçar a capacidade empresarial nacional".

Embora algumas ex-empresas públicas continuem pujantes e com um papel importante na economia industrial - casos da Cimpor, Tabaqueira, Unicer e Centralcer, Portucel nas suas diversas repartições - a grande maioria foi desmembrada, teve a sua actividade reduzida ou profundamente reduzida ou foi mesmo pura e simplesmente extinta. Estão no primeiro caso a QUIMIGAL e empresas associadas, a LISNAVE, a SN, a Sociedade Portuguesa de Explosivos.

Estão no segundo caso, a quase totalidade das empresas produtoras de bens de equipamento pesados e de material de transporte - Sorefame/Bombardier, Mague, Cometna, Construções Técnicas, Fundição de Oeiras entre outras.

O desaparecimento ou o afrouxamento produtivo destas empresas e doutras que não referimos, foi devastador para a base industrial nacional. Redução da capacidade nacional, redução do VAB, empobrecimento do perfil industrial.

 

A questão da produção nacional, com vista à satisfação das necessidades dos cidadãos, das empresas e do Estado é uma questão vital. Durante os vinte anos da permanência de Portugal no espaço comunitário, a produção nacional cada vez menos responde às necessidades nacionais, vindo-se a agravar, como já observámos, os diferentes défices. Se exceptuarmos o défice energético, com outras origens e estrutura, a grande maioria das dificuldades tem a ver com a insuficiência de produtos industriais, designadamente produtos industriais transaccionáveis com grande importância no quadro do comércio externo.

Relativamente ao espaço comunitário, enquanto o grau de cobertura das importações pelas exportações era, em 1985, superavitário, com o valor de 103%, em 2002 esse grau de cobertura era somente de 65%, o que é bem o retrato do aumento da nossa dependência face ao exterior.

O saldo da balança comercial entre Portugal e a EU-15, o qual reflecte dominantemente a troca de produtos industriais - dado que os produtos energéticos são muito pouco relevantes a nível da EU, e os produtos agrícolas, embora tenham algum significado, só atingem cerca de 5% das entradas da EU - passou de um saldo positivo de 0,1 mil milhões de euros em 1985, para um saldo negativo de 10,5 mil milhões de euros em 2002.

Actualmente a situação agravou-se, tendo sido o défice em 2005, a preços correntes, de 15,8 milhões de euros e até Agosto de 2006, de 8,4 mil milhões de euros, também a preços correntes, sendo cerca de 75% destes valores correspondentes a produtos industriais. Em termos mais gerais, é de lembrar que o défice comercial total, já atinge 12,6% do PIB.

Efectivamente, em vez de Portugal ter entrado no anunciado e paradisíaco mercado de 340 milhões de habitantes, foi a CEE que entrou em Portugal, como claramente o demonstram os números apresentados. Simultaneamente, o afunilamento das nossas relações comerciais com a EU é patente e profundo.

Enquanto, relativamente às importações da CEE, estas significavam em 1986, 62,3% do total das nossas importações, em 2002 já tinham atingido o valor de 76,9%, tendo, de alguma maneira, estabilizado a partir daí até aos dias de hoje, embora naturalmente com ligeiras oscilações.

Ao mesmo tempo, as exportações só subiram de 75,5% para 79,6% no mesmo período, e tal como as entradas, têm estado estabilizadas nos últimos 3 ou 4 anos.

Neste domínio, a situação da Espanha atinge valores muito elevados, particularmente no que concerne às importações/entradas, as quais, neste momento, se aproximam de 40% do total das entradas provenientes da EU.

 

Julgamos evidenciada a necessidade económica de Portugal reinstalar muita da grande indústria transformadora perdida, ou aliás sistematicamente destruída, o que não vai ser fácil, quer pela perda de "know-how", pela fraca quantidade de técnicos dos diversos escalões, e porque não pode ser a construção civil a recorrente bóia de salvação da animação da economia com os seus estádios de futebol, auto-estradas e aeroportos.