Sr. Presidente,
Srs. Deputados
O debate sobre as questões da interrupção voluntária da gravidez (IVG) que hoje realizamos na Assembleia da República é de uma enorme importância para as mulheres portuguesas.
O que está em causa e o que se exige é a reposição do anterior quadro legal em matéria de interrupção voluntária da gravidez, pondo fim ao profundo retrocesso iniciado por PSD e CDS-PP em matéria de direitos sexuais e reprodutivos e quanto à livre opção das mulheres.
Nós assumimos o compromisso eleitoral de, no início desta Legislatura, propormos uma iniciativa legislativa para eliminar os mecanismos de coação e condicionamento sobre as mulheres no acesso à IVG.
Porém, mais do que o compromisso assumido, que hoje honramos, a apresentação do projecto de lei que revoga as alterações impostas no final da anterior legislatura, trata-se de repor a dignidade das mulheres e direitos fundamentais.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados
Foi absolutamente vergonhoso tudo o que envolveu o processo legislativo, um verdadeiro golpe legislativo, como tivemos oportunidade na altura de denunciar, que levou à alteração da lei da IVG com a introdução de mecanismos para condicionar e limitar a livre opção das mulheres e a imposição de taxas moderadoras.
Trata-se de um processo que, obviamente, não esteve e não está desligado de sectores da direita, revanchistas, que pretendiam fazer um ajuste de contas com a decisão soberana e progressista do povo português, que até hoje continuam a não aceitar essa decisão e que, por falta de coragem política, não assumem a sua verdadeira concepção em relação à IVG, mas procuram introduzir obstáculos que dificultam o acesso das mulheres aos direitos sexuais e reprodutivos, nos quais se integra o acesso à IVG, como estava anteriormente plasmado na lei.
PSD e CDS-PP tornaram obrigatório o que deve ser facultativo.
O acompanhamento psicológico e o acompanhamento por técnicos do serviço social devem continuar disponíveis para as mulheres que o solicitem e não deve ser um acompanhamento compulsivo, ignorando a vontade da mulher.
Mas não ficaram por aqui. PSD e CDS-PP permitiram que os objectores de consciência pudessem realizar consultas, sendo eles próprios elementos de coação junto das mulheres que pretendam interromper voluntariamente uma gravidez.
E ainda impuseram taxas moderadoras. Relembramos que ainda a lei que habilitava a sua cobrança não tinha sido publicada em Diário da República e já o Governo tinha anunciado o seu montante — tal era a pressa de consumar a decisão.
A posição do PCP em relação às taxas moderadoras, mais do que o seu montante, é uma questão de princípio. Nós defendemos a sua revogação, por terem um carácter limitador no acesso à saúde, para além de que a prestação de cuidados de saúde no âmbito do planeamento familiar até estava isenta de taxas moderadoras exactamente porque a saúde da mulher, em todas as suas dimensões e ao longo do seu ciclo de vida, constitui um direito universal.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados
Os partidos de direita justificaram as alterações introduzidas ao quadro legal da IVG recorrendo a falsos argumentos, para justificar o que não tem justificação.
Afirmaram a necessidade de aperfeiçoar o quadro legal, quando não havia nenhum elemento concreto que indiciasse a desadequação da lei em vigor na altura, para esconder as suas reais intenções, que em nada se interligam com a melhoria da lei, que, no essencial, está pacificada na sociedade portuguesa, mas, sim, com o objectivo de condicionar a tomada de decisão das mulheres que pretendam realizar uma IVG, em função dos condicionalismos introduzidos, incluindo os de natureza económica.
Apesar de continuarem a usar e a abusar, seja de forma directa ou indirecta, do estafado argumento de a IVG ser utilizada como método contraceptivo, a realidade desmente-o cabalmente.
Há três dados que são muito claros: primeiro, nos últimos anos verificou-se uma redução do número de IVG realizadas em Portugal; segundo, o número de IVG em Portugal é muito inferior ao dos países da Europa, e terceiro, a esmagadora maioria das mulheres que recorrem à IVG fizeram-no pela primeira vez (mais de 70%) e são também mulheres que se encontram em situação de desemprego, não têm rendimentos ou auferem de baixos rendimentos.
Outro dos argumentos, absolutamente demagógico, referia-se à natalidade. Não é a IVG que impede as famílias de terem os filhos que desejam. O que verdadeiramente impede e condiciona a decisão de as famílias terem filhos, e o número de filhos que desejam ter, está relacionado com a degradação das condições económicas e sociais, como a instabilidade no emprego, a precariedade nos contratos — com contratos ao mês à semana e até ao dia —, os baixos salários, a redução na protecção social e o insuficiente apoio à infância, resultantes das políticas de PSD e CDS-PP, que hipocritamente dificultaram o acesso à interrupção voluntária da gravidez.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados
A iniciativa que o PCP propõe na Assembleia da República põe fim às concepções retrógradas e reaccionárias sobre as mulheres e o seu papel na sociedade.
Faz parte do passado, e é lá que deve permanecer, o flagelo do aborto clandestino. Mas não esquecemos o drama de milhares de mulheres, entre elas mulheres trabalhadoras, mulheres com baixos rendimentos, que se sujeitavam à realização de interrupções da gravidez em condições indignas e humilhantes, colocando em causa a sua integridade física, o que, em muitas situações, custou a sua própria vida.
Não queremos que esta realidade volte nos nossos dias.
É justo que recordemos hoje, neste debate, a luta de milhares e milhares de mulheres no nosso País, durante décadas, pela garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, pelo direito à saúde, pelo direito à dignidade e à liberdade de optar e decidir em consciência.
É justo que recordemos a vontade inequívoca dos portugueses no referendo em 2007, que deve continuar a ser respeitado e que não pode ser desvirtuado administrativamente, como PSD e CDS-PP fizeram no final da anterior Legislatura.
Mas, mais uma vez, as mulheres e o povo português deram a resposta, alterando a correlação de forças na Assembleia da República, na sequência do resultado eleitoral, o que permite hoje estarmos já a travar um debate que visará repor os direitos e a dignidade das mulheres portuguesas.