Artigo de Anabela Fino

«Efeitos colaterais?»

Primeiro foi a "Síndrome do Golfo", agora é a "Síndrome dos Balcãs". As semelhanças entre os dois fenómenos são por demais evidentes: as vítimas estiveram todos num teatro de guerra onde foram abundantemente utilizadas armas com urânio empobrecido, apresentam problemas de saúde com sintomas idênticos, e os casos mortais devem-se às mesmas deficiências e/ou insuficiências.

Dizem alguns especialistas da NATO, dos EUA e de outros países que não existe nenhuma prova científica que permita estabelecer uma ligação directa entre os dois síndromes e o contacto com urânio reciclado. Mesmo admitindo que isso fosse verdade, a questão de fundo permanece: um vasto número de soldados sujeitos a causas similares registam efeitos análogos. Porquê? Será que durante os dez anos que separam os eventos que deram origem à misteriosa doença - ao contrário do que algumas declarações oficiais pretendem fazer crer não se está perante nenhuma novidade - ninguém estranhou tanta coincidência e se interrogou sobre as suas causas?

É difícil acreditar em tamanha distracção, sobretudo quando no meio tempo entre os "ataques cirúrgicos" ao Iraque e os "ataques humanitários" ao Kosovo foram detectados mais de 90 000 casos "inexplicáveis" em soldados norte-americanos que participaram na guerra do Golfo. É igualmente difícil conceber que, por mais silenciada que tenha sido, a dramática situação em que se encontra a população iraquiana, com centenas de milhar de vítimas mortais, tivesse passado despercebida. Nem o "maligno" senhor de Bagdad tem poder para provocar tantos casos de cancro e leucemia como os que continuam a matar milhares de crianças por mês.

Também não é crível que as mais de duas dezenas de mortes, uma trintena de casos de doenças cancerígenas, e mais de mil situações anómalas de menor gravidade agora vindas a público - tal é o balanço possível da "Síndrome dos Balcãs" no que toca aos militares ao serviço da NATO -, sejam atribuídas ao acaso.

A verdade é que o acaso não tem nada a ver com esta história. Quem se preocupou e se deu ao trabalho de investigar não teve dificuldade em encontrar o fio da meada em que nos querem enredar os que agora alegam desconhecimento dos perigos ou os que se agarram como lapas à rocha da "prova científica" que dizem faltar. São desculpas de mau pagador, de quem acreditou no que quis e fechou os olhos à evidência, brincando de aprendiz de feiticeiro com a vida humana. Se isto não é crime contra a humanidade não sei o que seja. Talvez ainda lhe chamem um efeito colateral... abrangente.

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