Artigo de Dubravka Vujanovic

«As bombas de urânio da NATO continuam a matar em Bratunac»

As bombas de urânio da NATO continuam a matar em Bratunac. A cada três dias morre uma pessoa. Já não há espaço nos cemitérios. A vítima mais recente tem 20 anos de idade. A aldeia está vazia, o cemitério cheio. Em breve já não haverá espaço para os mortos. Entre as famílias de refugiados que se mudaram de Hadzici para Bratunac dificilmente haverá alguma que não esteja coberta de luto.

A campina ao lado do cemitério estava quase totalmente vazia há cinco anos, quando eles chegaram. Hoje, um ao lado do outro, separados por espaços de menos de meio metro, jazigos atrás de jazigos. Sobre eles há coroas de flores, algumas com flores que ainda não murcharam. Gravadas nas cruzes os anos da morte: 1998, 1999, 2000. E no extremo da fila o jazigo de uma jovem de 20 anos. Ela morreu há poucos dias. São estes quadros horríveis que o visitante casual encontrará em Bratunac, Bósnia oriental. As primeiras histórias acerca da aldeia conduzi-lo-ão ao cemitério. Os habitantes de Bratunac vivem, ao passo que os de Hadzici já morreram. De repente, da noite para o dia, após uns poucos dias de doença, no maior sofrimento. É o cancro. Qualquer tentativa de explicar o que está a acontecer conduz-nos de volta ao ano de 1995. Cinco anos atrás Hadzici era parte de algo chamado o Sarajevo sérvio. Os seus habitantes sobreviveram ao duplo envolvimento do exército muçulmano e ao que foi provavelmente o mais intenso bombardeamento jamais visto. Só num dia, os aviões efectuaram 200 missões de voo e despejaram mais de 500 bombas sobre este município. Os residentes em Hadzici sobreviveram. Sobreviveram à guerra, mas não à paz. Primeiro, disseram, foram traídos em Dayton em Novembro de 1995. Algum responsável lançou a ideia de que a melhor coisa a fazer seria mudarem-se de Hadzici para Bratunac. Não havia escolha e o tempo era escasso. Quase na mesma noite, antes de a delegação de paz ter retornado ao país ainda em suspenso acerca da assinatura do acordo, os nativos de Hadzici empacotaram os seus bens, meteram-se em camiões e tractores com reboques e dirigiram-se para Bratunac, uma pequena vila entre Zvornik e Srebrenica. Não era um movimento habitual. Durante a noite os habitantes de Hadzici desenterraram os seus mortos e carregaram-nos em reboques. Nem um único "ouvido sérvio" foi deixado naquela parte do Sarajevo sérvio. Apesar de terem transferido uma espantosa quantidade de 156 urnas funerárias, não tiveram problemas para alojar os seus mortos. Uma zona inteira do cemitério estava vazia e eles enterraram-nos uns juntos dos outros. Ninguém podia imaginar que, apenas em dois ou três anos, a parte do cemitério deixada vazia estaria duplamente cheia.

Estranho silêncio

"Primeiro começaram a morrer os mais velhos. Os seus corpos devem ter apresentado menos resistência às doenças inexplicáveis que depois também começaram a ceifar as vidas dos mais jovens. Acontece muitas vezes que subitamente um natural de Hadzici morre. Ou então vão ao médico em Belgrado e quando voltam os seus parentes contam-nos que estão a morrer de cancro. E isto não acontece com os nativos de Bratunac, só connosco", conta-nos Sretko Elez, um homem com 60 anos de Hadzici. Acreditava-se que era uma questão de destino. Então a médica chefe Slavica Jovanovic perguntou como era isto possível. Ela dirigiu uma investigação e provou que em 1998 a taxa de mortalidade excedia em muito a taxa de natalidade. Demonstrou que isso não era só uma questão de acaso, mas algo muito mais sério. A liderança política estava informada mas até àquela data ninguém havia dito uma palavra a respeito. Equipas de televisão estrangeira chegavam diariamente a Bratunac, patologistas perguntam acerca daquela anónima pequena aldeia, enquanto Baja Luka e Belgrado permanecem silenciosas. "Mesmo Zoran Stankovic, o renomado patologista da Academia Médica Militar (VMA) determinou que mais de 200 dos seus pacientes desta área morreram de cancro, provavelmente devido aos efeitos do urânio empobrecido despejado com as bombas da NATO cinco anos atrás. Mas alguém rapidamente o silenciou e tudo foi abafado de cima para baixo. Ninguém saberia o que estava a acontecer connosco nestes dias se eles próprios não houvessem encontrado o mesmo destino, se não tivessem começado a morrer. Só agora começam a perguntar-se a si próprios o que acontecerá se o mesmo que ocorreu com os sérvios de Hadzici começar a verificar-se por toda a Sérvia", diz amargamente Nedeljko Zelenovic, um repórter da Rádio Bratunac e refugiado também de Hadzici. Zelenovic perdeu o pai há poucos meses, de cancro dos pulmões. Cerca de 20 pessoas morreram em apenas seis meses. Se alguém fizer as contas, conta-nos, concluirá que um nativo de Hadzici morre a cada três ou quatro dias. E eles começam a recordar. Ratko Radic, o antigo presidente da Câmara Municipal de Hadzici, morreu há poucos meses. O diagnóstico foi cancro dos pulmões. Logo a seguir, a sua esposa Ljilja, que foi ferida durante os bombardeamentos. Morreu de leucemia. E depois Drago Vujovic, Dejan Jelicic, Mihajlo Andric... "Você vê, o nosso cemitério está cheio de tumbas recentes enquanto as pessoas do Vinca (Instituto Nuclear) afirmam que o urânio não é perigoso. Que outra espécie de evidência precisa você se as pessoas estão a morrer? Se estão a morrer todos os dias? Vá ao cemitério e veja por si própria. Isto mostra as mentiras do Vican", diz Elez amargamente. "Hoje estou saudável, amanhã, quem sabe... Talvez o meu corpo seja mais forte e a doença não consiga apanhar-me..." Estão receosos do que o futuro vos pode reservar?, perguntámos na despedida de Hadzici. "Já não temos medo de mais nada. Sobrevivemos à guerra, à fome, à expulsão... Temos de morrer de qualquer forma, mais cedo ou mais tarde..."

No lugar onde caiu a bomba ardeu um incêndio durante cinco dias

Hadzici foi bombardeada por várias razões. Uma delas era porque alegadamente Radovan Karadzic estaria ali escondido. Neste subúrbio havia várias fábricas e quartéis com espessas paredes de betão e caves que não podiam ser invadidas. Sretko Elez afirma que foi por esta razão que eles usaram urânio - porque é mais pesado do que o chumbo e mais apto a perfurar a estrutura dos edifícios. "A minha casa foi arrasada por uma bomba da NATO. Custou-nos cinco dias a desenterrá-la, para ver como era pesada. Não longe dali havia um edifício sem importância alguma, uma loja de serviços. Depois de eles a atingirem, as chamas não puderam ser extintas durante uma semana e quando foi finalmente retirada o seu fumo ainda nos sufocava. E depois de qualquer bomba, mesmo as mais pequenas, podia ser vista uma nuvem com feitio de cogumelo. É por isso que estamos a morrer hoje".

Oito mil pessoas desapareceram e o Estado permanece em silêncio

"Em Abril de 1996 cerca de 16 mil refugiados foram relocalizados em 66 municipalidades da antiga República Federativa Socialista da Yugoslávia. Segundo o recenseamento feito no fim do ano passado, há 8200 destas pessoas que nos deixaram. Se sabemos que aproximadamente 400 pessoas foram embora, sobretudo para o estrangeiro, pergunto a mim mesmo o que aconteceu a quase 8000 pessoas. E porque o Estado permanece em silêncio acerca disso", diz Nedeljko Zelenovic. E acrescenta: "Está-lhes a acontecer provavelmente algo semelhante ao que ocorre com os nativos de Hadzici porque todos eles foram deslocados dos seus lugares após o bombardeamento da NATO de Setembro de 1995". Os refugiados de Hadzici chegaram a Bratunac em grande quantidade. Havia quase 5000. Só nos centros colectivos havia cerca de 1000. Agora, diz Zelenovic, restam cerca de 600 ali. E não têm lugar para ir.

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(in "Nedeljni Telegraf", Belgrado, Nº 246, 10/Jan/2001) Tradução para o inglês de Jela Jovanovic, historiadora da arte Secretária-Geral de The Committee for National Solidarity Tolstojeva 34, Belgrade, YU <nerajov@EUnet.yu>

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