Associativismo na GNR<br />

Senhor Presidente, Senhores Deputados,O PCP submete hoje à apreciação desta Assembleia um Projecto que visa regular o direito de associação dos profissionais da Guarda Nacional Republicana, pondo termo a uma omissão legislativa que é incompreensível e que não tem nenhuma justificação plausível.Na verdade, não faz nenhum sentido que ainda não exista uma Lei da República que regule com clareza o regime de direitos e de restrições aplicáveis às associações sócio-profissionais da GNR.Não se trata de legalizar essas associações ou sequer de permitir a sua criação. Isso não é preciso, porque as associações formadas por profissionais da GNR existem há muitos anos e são legais. Constituíram-se ao abrigo da liberdade de associação que a Constituição directamente confere a todos os cidadãos sem dependência de qualquer autorização e são evidentemente legais porque não se destinam a promover a violência nem prosseguem nenhum fim contrário à lei penal.O associativismo na GNR existe há mais de uma década, através da sua associação mais representativa – a Associação dos Profissionais da Guarda – cujos dirigentes, aqui presentes, aproveito para saudar, e tem vindo ao longo destes anos a desenvolver-se e a prestigiar-se, sendo hoje uma realidade incontornável e unanimemente reconhecida.Desde há vários anos que a APG colabora com esta Assembleia em todos os processos legislativos que dizem respeito à GNR. Ainda há poucas semanas colaborou com a Comissão de Defesa Nacional, exprimindo a sua opinião, presencialmente e por escrito, acerca da reforma da Justiça Militar. Desde há vários anos que a APG é reconhecida como interlocutor válido por parte dos Ministros da Administração Interna de vários Governos. Desde há vários anos que a APG conta com a presença de representantes de quase todos os quadrantes políticos e de vários órgãos do Estado nas suas iniciativas de reflexão e na tomada de posse dos seus corpos gerentes.No entanto, a falta de legislação sobre o exercício do direito de associação socioprofissional da GNR tem vindo a permitir a mais absurda das situações. É que o associativismo da GNR, apesar de ser reconhecido por quase toda a gente, tem sido, em determinados momentos, não apenas ignorado, como severamente hostilizado e reprimido por parte de alguns comandos da GNR.Ainda há bem pouco tempo, um ex-Comandante-Geral, mandou instaurar abusivamente processos disciplinares a dirigentes da APG, por motivo de hipotéticas declarações públicas proferidas por estes na estrita qualidade de dirigentes associativos e em representação da sua associação, como se essas declarações carecessem de autorização ou de prévio assentimento do Comando quanto ao seu conteúdo. Essa atitude foi antecedida de um longo percurso de proibições da actividade associativa e de intimidações sobre dirigentes e activistas associativos que passaram pela proibição de afixação de informação associativa nos quartéis e postos e na proibição de realização de eleições para os corpos gerentes da APG no interior dos quartéis, anteriormente permitida. E chegou aos limites do absurdo quando um ex- Comandante-Geral da GNR, a poucos dias de cessar funções, ter mandado instaurar um processo-crime por insubordinação contra o Presidente da Direcção da APG por declarações proferidas precisamente nessa qualidade.Dir-se-á, com razão, que estas atitudes, que suscitaram um amplo movimento de solidariedade nacional e internacional para com os dirigentes da APG, vindo de todos os sindicatos e associações sócio-profissionais das forças de segurança e das suas federações internacionais, terminam havendo bom-senso, e esperamos que elas estejam em vias de terminar, para bem do prestigio nacional e internacional da GNR e do próprio país. Mas elas só foram possíveis devido à indefinição legal existente quanto aos direitos concretos do associativismo na Guarda.Na verdade, a realidade hoje existente no nosso país, chama bem a atenção para a situação absurda em que se encontra o associativismo na GNR. Senão vejamos: Todas as Forças de Segurança têm os seus sindicatos ou associações sócio-profissionais. A PJ, a PSP e o SEF têm os seus sindicatos; a Polícia Marítima tem a sua associação Sócio-Profissional; e mesmo os militares têm as suas associações representativas, reconhecidas expressamente na Lei Orgânica n.º 3/2001, de 29 de Agosto. Não há, assim, justificação nenhuma, nem política, nem estatutária, para que o associativismo na GNR não tenha sido já devidamente regulado.A situação actual não serve a ninguém. É fonte de descontentamento e de conflitualidade. Ao invés, com um reconhecimento adequado do direito de associação e do papel das associações e com um clima de diálogo dentro da GNR, todos têm a ganhar. O associativismo da GNR, apesar das imensas dificuldades que têm sido criadas à sua actuação, tem-se pautado por um comportamento exemplar na defesa da instituição a que pertence. Mesmo em momentos muito difíceis na vida da GNR, todos temos podido assistir ao empenho e coragem cívica com que os dirigentes associativos se empenham em defender a imagem e o prestígio desta Força de Segurança aos olhos dos demais cidadãos.Aliás, a experiência de quase todos os países europeus mostra as virtualidades do exercício do direito de associação nas Forças de Segurança como factor de resolução de problemas que afectam o pessoal, bem como na promoção cívica e profissional dos seus agentes.E os próprios cidadãos só têm a ganhar na sua relação com a GNR. Um cidadão que presta serviço numa Força de Segurança e que tem por missão defender os direitos dos cidadãos, estará em muito melhores condições para o fazer quando sentir que os seus próprios direitos de cidadania são respeitados. Uma polícia reprimida, projecta repressão. Uma polícia democrática é um veículo de defesa e aprofundamento da democracia.O que o PCP propõe explica-se facilmente. Não é a autorização legal para a criação de um sindicato. Outras forças de segurança têm os seus sindicatos e muito bem. Porém, não é isso que o PCP propõe para a GNR, tendo em conta a sua tradição e o seu actual estatuto, que não está em causa neste debate.É sabido que o PCP discorda do estatuto militar dos profissionais da GNR e da excessiva disparidade de regimes estatutários que existe entre forças de segurança com missões similares e dependentes da mesma tutela. Entendemos que as características militares e a formação militar não são o que melhor servem a uma força de segurança que tem missões essencialmente de natureza civil, ligadas à prevenção, à investigação e à repressão da criminalidade.Mas não é isso que está aqui hoje em discussão. O associativismo na GNR pode e deve ser regulado mesmo mantendo inalterado o actual estatuto desta força de segurança e de todos os que a integram.O que o PCP propõe, é um estatuto de associativismo sócio-profissional análogo ao que existiu na PSP ao abrigo da Lei n.º 6/90, de 20 de Fevereiro.Assim, propõe-se que as associações profissionais constituídas pelo pessoal da GNR tenham direito a representar, interna e externamente, os respectivos filiados na defesa dos seus interesses estatutários, sociais e deontológicos; a tomar parte na definição do estatuto profissional e nas condições de exercício da actividade policial; a exprimir opinião, junto das entidades competentes, sobre os assuntos que afectem o moral e o bem-estar do pessoal; a formular propostas sobre o funcionamento dos serviços às autoridades hierarquicamente competentes; a integrar comissões de estudo e grupos de trabalho para proceder à análise de assuntos de relevante interesse para a instituição; e a emitir pareceres sobre quaisquer assuntos de serviço, quando consultadas.E propõe-se também que sobre essas associações e os seus dirigentes impendam algumas restrições de direitos: Que não possam fazer declarações que afectem a subordinação da Guarda à legalidade democrática, a sua isenção política e partidária, a coesão e o prestígio da instituição perante os órgãos de governo ou que violem o princípio da disciplina e da hierarquia de comando; que não possam fazer declarações sobre matérias de que tomem conhecimento no exercício das suas funções e constituam segredo de Estado ou de justiça ou respeitem a assuntos relativos ao dispositivo ou actividade operacional da Guarda classificados de reservado ou superior, salvo, quanto a estes, autorização da entidade hierarquicamente competente; que não possam convocar reuniões ou manifestações de carácter político, partidário ou sindical ou nelas participar, excepto, neste caso, se trajarem civilmente e, tratando-se de acto público, não integrem a mesa, usem da palavra ou exibam qualquer tipo de mensagem; não possam exercer o direito de reunião, salvo por convocação das respectivas associações profissionais e para tratamento de assuntos no âmbito das suas atribuições e competências; não possam estar filiados em quaisquer associações nacionais de natureza sindical; não possam apresentar, sobre assuntos respeitantes à GNR, antes de esgotada a via hierárquica, petições colectivas dirigidas a órgãos de protecção dos direitos fundamentais, sem prejuízo do direito individual de queixa ao Provedor de Justiça, independentemente dos demais meios graciosos e contenciosos previstos na lei, nem divulgar quaisquer petições sobre matéria em que tenha recaído a classificação de grau reservado ou superior, nos termos da lei; e finalmente, não possam exercer o direito à greve ou quaisquer opções substitutivas susceptíveis de prejudicarem o exercício normal e eficaz das missões de polícia.Parece-nos que este será um regime equilibrado e perfeitamente adequado ao actual estatuto da GNR, susceptível, não de minar, mas de aumentar a coesão dessa importante força de segurança.É preciso deixar muito claro que este não é um projecto contra a GNR. É um projecto pela GNR, apresentado por uma força política que sabe reconhecer o importantíssimo papel que é desempenhado pela maior força de segurança existente no nosso país e que considera que é importante acima de tudo reconhecer e dignificar o estatuto de milhares de homens e mulheres que em condições muito difíceis e penosas dão o melhor do seu esforço em defesa da legalidade democrática e da segurança dos cidadãos.A GNR e o seu pessoal têm de ser dignificados e é preciso dizer com frontalidade que o não têm sido suficientemente. As condições em que os profissionais da GNR são obrigados a trabalhar na maior parte do território nacional não são minimamente compatíveis com as responsabilidades que sobre eles impendem.No passado fim-de-semana, de visita a uma localidade do distrito de Lisboa, verifiquei que o posto da GNR aí existente contava apenas com a presença de um elemento. E não creio, infelizmente, que seja caso único.O Relatório de Segurança Interna relativo a 2002, que dá conta de um preocupante aumento de 4,9 % da criminalidade, refere igualmente uma sensível diminuição em diversas áreas da actividade operacional da GNR.É verdade que o discurso político e mediático sobre a criminalidade está hoje muito longe da estridência com que o Dr. Paulo Portas abria os telejornais durante a campanha eleitoral ou do discurso catastrofista que fazia então o Dr. Durão Barroso. Em matéria de segurança interna, as oposições têm hoje um discurso responsável que contrasta com o discurso inflamado, alarmista, a roçar a xenofobia, em que a actual maioria se especializou quando era oposição e pretendia conquistar o poder a golpes de populismo.Só que os problemas da criminalidade e da delinquência não são hoje menos graves do que eram no passado recente. Bem pelo contrário. O relatório de segurança interna reconhece que os problemas se agravam e as promessas da actual maioria quanto ao aumento da capacidade das forças de segurança e quanto à melhoria das condições sociais e profissionais dos seus agentes ficaram integralmente no tinteiro.No seu programa eleitoral para as últimas eleições legislativas, o Presidente do PSD afirmava querer para Portugal “forças policiais fortes, bem equipadas e prestigiadas”. E concretizava o dito Programa, entre muitas promessas que o tempo disponível não permite citar, a introdução de “mecanismos de motivação dos agentes das forças de segurança, designadamente através do prémio ao mérito”, a “existência de um subsídio de risco de que beneficiem os agentes das forças de segurança que exercem funções de especial perigosidade”, a “modernização das forças de segurança, dotando-as dos meios tecnológicos do século XXI, por forma a que não andem a reboque da sofisticação crescente da criminalidade, mas sim que se antecipem para prevenir, promovendo a aprovação de uma Lei de Meios e de Programação Plurianual do Reequipamento das Forças de Segurança”.Pois bem: Ao contrário destas promessas, ao que assistimos é ao descontentamento dos cidadãos para com a actuação das polícias e ao descontentamento dos polícias perante a sistemática falta de resposta do Governo às suas reivindicações, que passam pelo necessário reforço dos meios e equipamento indispensáveis a uma eficaz acção policial.A criminalidade aumenta, e as forças de segurança queixam-se, com razão, de instalações insuficientes e degradadas, de falta de efectivos onde eles faltam e de excesso de efectivos onde eles estão a mais, isto é, em funções não policiais, de equipamentos obsoletos, de falta de meios operacionais, do incumprimento de promessas de natureza sócio-profissional, como o célebre subsídio de risco tão solenemente prometido e tão despudoradamente incumprido.Acresce que na GNR, a notória inadequação da afectação de recursos humanos às suas missões prioritárias, vem sendo compensada por um regime desumano de prestação de serviço imposto aos seus profissionais sob a coacção de um regime disciplinar profundamente militarista, desajustado dos nossos tempos e lesivo de direitos fundamentais. Não é aceitável que os elementos da GNR não tenham um horário normal de trabalho e sejam obrigados a permanecer em serviço durante largas dezenas de horas semanais.É óbvio que o agente de uma força de segurança tem de se encontrar permanentemente disponível para o serviço, sempre que necessário. Isso também acontece na PSP, o que não impede os elementos desta Força de Segurança de ter um horário normal de trabalho definido por portaria ministerial. Não há razão nenhuma para que não seja assim na GNR. Só que nesta, na falta de um horário, prevalece a arbitrariedade e a imposição de cargas horárias consecutivas profundamente desumanas, lesivas para a motivação dos agentes, desorganizadoras da sua vida social e familiar e negativas, afinal, para todos os que contactam com a GNR.O PCP não se conforma com a injustiça desta situação e por isso mesmo apresentou um Projecto de Lei visando consagrar um regime de horário de trabalho na GNR. Pretendíamos mesmo discutir hoje esse projecto, se a maioria desse consenso para isso, o que não aconteceu. Mas não desistiremos de suscitar esse debate logo que tenhamos nova oportunidade para o fazer.Dignificar a GNR é, mais do que nunca necessário. Esta instituição passa por momentos reconhecidamente difíceis, que exigem muito de todos os que nela prestam serviço. A criminalidade tende a aumentar. Os níveis de sinistralidade rodoviária são assustadores e lançam um desafio de enormes proporções à capacidade de fiscalização da GNR e particularmente da sua Brigada de Trânsito. Também a capacidade operacional da Brigada Fiscal é permanentemente posta à prova.Perante isto, o Governo repete o discurso da crise para não cumprir as promessas que fez, para não satisfazer as justas exigências dos profissionais das Forças de Segurança e para manifestar a sua incapacidade perante a justa inquietação dos cidadãos.Não há dinheiro para o subsídio de risco. Não há dinheiro para instalações, viaturas e equipamentos destinados a melhorar as condições de segurança dos cidadãos em Portugal, mas já há oito milhões de euros para expor um contingente da GNR no Iraque, a fazer o trabalho de que os invasores norte-americanos se pretendem livrar, sujeito ao mais que previsível repúdio do povo desse país e em condições de extrema perigosidade. Não é para isso que queremos a GNR.Queremos uma GNR para defender a nossa segurança e tranquilidade. Não queremos uma GNR para servir às ordens da hegemonia imperial norte-americana.Senhor Presidente, Senhores Deputados,Regressando ao problema inicial que hoje aqui nos traz, deixamos um apelo a todos os grupos parlamentares: Vamos pacificar a questão do associativismo profissional da GNR, acabando com uma indefinição legal que não se compreende. Todos ganharemos com isso.

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