Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP (Extracto)
na apresentação do cabeça de lista da CDU pelo círculo eleitoral de Setúbal
Setúbal, 22 de Dezembro de 2004


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A questão crucial ou se quisermos a novidade deste acto eleitoral estará em saber quem é o Partido mais votado? Pensamos que não!

A direita vai sofrer uma derrota eleitoral correspondente ao seu descrédito e isolamento social e em consequência da sua desastrosa política que tanto compromete o PSD como o CDS/PP. Não são precisas sondagens tendo em conta o que sentem e pensam centenas de milhares de desempregados, os trabalhadores prejudicados nos seus salários e nos seus direitos, os estudantes e suas famílias atingidas pelo aumento das propinas e falta de saúde dos portugueses, os professores não colocados, os homens e mulheres dos saberes e conhecimentos inquietos quanto ao reconhecimento e apoio à sua criatividade e capacidade, os micro-pequenos e médios empresários, agricultores e pescadores que por decisões da União Europeia ou pela ganância do grande capital financeiro vêem o futuro comprometido, os utentes da saúde, dos transportes, das auto-estradas confrontados com a privatização, degradação e encarecimento dos serviços públicos, as centenas de milhares de pobre lembrados nesta quadra e esquecidos no tempo que sobra do resto do ano, os democratas e patriotas inquietos com a guerra e a soberania nacional.

Mas há um estranho silêncio, uma tranquilidade inquietante por parte daqueles, daquelas cem famílias que juntas dispõem de mais de 20 mil milhões de euros de fortuna pessoal, digo bem, 20 mil milhões de euros, a maior parte amassada nas privatizações, nas operações especulativas e imobiliárias, nos privilégios e benefícios fiscais entregues de bandeja pelos sucessivos governos das últimas duas décadas, governo que mudam, se matizam no discurso, na forma e em tal ou tal política social mas mantêm sempre a contradição insanável de não tocar nos poderosos enquanto exigem sacrifícios à maioria dos portugueses cada vez mais sacrificados. Afinal os mesmo que exigem que o PCP mude, abdicando do seu projecto, das suas causas e propostas, que o PCP se conforme e aceite esta realidade como algo de irreversível, os mesmos, e em particular, os que se proclamam de esquerda, que exigem do PCP, antes dos votos contados, que diga gora que está disposto a viabilizar qualquer Governo, qualquer orçamento retificativo, qualquer política económica e ambiental, qualquer política ou directiva comunitária, independentemente das consequências para os trabalhadores, o povo e o país.

Quanto verificamos, particularmente por parte do PS, sempre que deixa de estar coberto pelo manto diáfano da modernidade, da justa crítica à desgraçada governação da direita e revela quais os objectivos programáticos, sempre que surge um dirigente, um ex-ministro a falar de economia, do que se pretende na saúde, da Administração Pública, dos serviços públicos, faltando falar sobre o pacote laboral, as propinas, a segurança social, nós que nos vamos apresentar nesta campanha eleitoral pela positiva, com propostas para resolver os problemas, nós que estamos dispostos a examinar soluções políticas e governativas depois das eleições, queremos deixar claro que aquilo que se impõe é virar a página, encetar outro rumo na política nacional diferente da que vem sendo seguida nos últimos 28 anos.

A propósito, o candidato primeiro do BE aqui pelo distrito, julgo que mandatado pelo seu Partido, afirmou que iriam viabilizar o Orçamento retificativo dum governo do PS e, num complemento de má fé e de amnésia, que se recusarão a votar a favor de qualquer moção de rejeição que seja apresentada pelo PSD, CDS/PP ou PCP ao programa do governo PS, jurando a pés juntos que não vai atacar o PS ou pedir-lhes para entrar no governo.

Vejam lá como as coisas são!

Que o Bloco se disponibilize a votar a favor duma coisa que não existe e independentemente do seu conteúdo e das soluções orçamentais, enfim, cada qual é como cada um. Já é má fé tentar colocar o PCP a par do PSD e do CDS/PP na questão de moções de rejeição dum programa de um provável governo do PS. Mas apetece envergonhar o candidato do Bloco, lembrando que foi o Bloco de Esquerda que em Novembro de 1999 avançou com uma moção de rejeição do programa do Governo PS, defendida apaixonadamente pelo referido candidato num artigo no Público em 10 de Novembro de 1999.

Quando muito o que o Bloco de Esquerda deveria fazer era um acto de contrição, se quer descansar o PS e pôr-se a jeito, independentemente das políticas que o PS quer realizar.

Por nós essas contas, declarações e ajeitamentos são no mínimo precipitadas.

Mas também para descansar o Bloco e o PS reafirmamos que o nosso primeiro objectivo eleitoral é derrotar a direita, deixá-la em minoria, para evitar o prosseguimento e a acentuação da sua dolorosa e desatrosa política, pôr termo à ofensiva que resultou em mais desemprego, em mais privatizações, em menos direitos sociais e piores sálarios, em mais povreza e mais atraso do país.

Quem fará as contas certas será o povo português nas eleições de 20 de Fevereiro.

Pelo voto! Direito que, sendo um exercício de cidadania, não deveria ser reduzido a uma credencial para eleger deputados. Ele deve comportar aspirações e exigências de justiça social, de progresso e desenvolvimento económico, de julgamento de políticas realizadas, de identificação com quem nas horas boas e nas horas más esteve na luta contra o pacote laboral, o encerramento, a deslocalização e os despedimentos nesta e naquela empresa, em defesa dos interesses dos trabalhadores da Administração Pública, levantou a voz e denunciou na Assembleia da República os efeitos devastadores das privatizações e da degradação dos serviços de saúde, dos transportes, do ensino público, que lutou pelos interesses concretos de micro-pequenos e médios empresários, que ao contrário do PS e do Bloco (este agora arrependido) não usou a panaceia do referendo para a despenalização do aborto e sempre considerou que a Assembleia da República tinha poderes e condições para alterar a lei, de identificação com o PCP e a CDU, única força que de forma clara considera que enquanto não se tocar nos privilégios do grande capital, enquanto não se puser fim às privatizações e não se fizer uma mais justa repartição da riqueza nacional, não haverá mais justiça social, nem desenvolvimento económico.

Ao contrário dos que reclamam o voto útil para formar governo que governe sossegadamente, mesmo que governe ao arrepio do trabalhador, da cidadão e do cidadão votantes, dos seus anseios, o PCP e a CDU vão para esta batalha apelando ao voto com utilidade na política a realizar, nos deputados que depois de eleitos estão em condições de prestar contas, honrar compromissos com todos aqueles que em nós confiaram.

Mais votos e mais deputados da CDU são o factor novo e de mudança, que pesará sempre à esquerda, mas que pesará mais para uma verdadeira política alternativa e uma alternativa política.

A nossa luta continuará para além de 20 de Fevereiro. Mas agora há que travar esta batalha com confiança, com a ideia de que a retoma da esperança é possível.

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