Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP
no Jantar com Intelectuais da CDU
Lisboa, 31.01.2005

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A esfera da cultura compreende questões de enorme importância estratégica para a solução dos problemas nacionais e progresso do país.

Portugal mantém uma posição desfavorável no contexto dos países desenvolvidos, nomeadamente no quadro europeu em indicadores de desenvolvimento nos planos educativo, cultural e científico que urge ultrapassar. Estão aí para o comprovar os nossos ainda insuficientes níveis de instrução, qualificação, criação científica, artística e literária e de fruição cultural.

Contudo, nos últimos anos, sucessivos governos, pelas políticas que adoptaram, foram incapazes de tirar partido das capacidades e competências que o país tem e de atacar com determinação as nossas insuficiências. Têm sido tempos marcados por políticas de progressiva desresponsabilização do Estado nas áreas da cultura científica e artística, pelo subfinanciamento asfixiante nas áreas culturais, nas quais se incluem a da educação, pelo favorecimento de processos de mercantilização e elitização, pelo arrastamento da crise que se instalou em instituições fundamentais no plano da criação e da investigação que tiveram resultados desastrosos num país que precisa de romper com o seu relativamente baixo nível de desenvolvimento económico, social e cultural.

Não é possível sustentar e realizar um projecto de profunda transformação democrática da sociedade portuguesa, um projecto de progresso e desenvolvimento, sem o indispensável contributo dos trabalhadores intelectuais e sem uma política dirigida à melhoria das suas condições de trabalho. Pela natureza do seu trabalho, pela importância dos sectores em que o exercem, sectores que lidam com as grandes necessidades sociais e nacionais - da produção ao ensino e à educação, à saúde, à ciência, à administração da justiça e à comunicação social - pela sua capacidade de assumirem uma responsabilidade solidária quanto à eficácia social do seu trabalho, têm um papel importantíssimo, que não pode continuar a ser subestimado seja na elaboração de propostas seja na concretização de um projecto alternativo para o desenvolvimento do país.

Para a CDU, é necessário e urgente dar resposta à degradação das condições de trabalho e de vida de inúmeros profissionais intelectuais; ao gravíssimo problema do desemprego que atinge fortemente as jovens gerações de intelectuais; ao problema da precarização dos vínculos laborais, da instabilidade profissional e da degradação salarial; ao crescente fenómeno de desadequação do emprego à respectiva formação académica; ao desaproveitamento dos novos valores.

É necessário uma política que, combatendo a degradação das condições de trabalho, favoreça a elevação dos níveis de autonomia relativa do trabalho intelectual e atenue e impeça a crescente pressão do capital para a instrumentalização do seu trabalho, pondo em causa os seus direitos sociais e civilizacionais.

Para a CDU, é imperiosa a realização de uma política cultural verdadeiramente alternativa àquela que vem sendo aplicada, aumentando o apoio e financiamento adequado das actividades e instituições culturais e, sobretudo, praticando um entendimento da cultura como um instrumento de emancipação individual, social e nacional, como um factor de desenvolvimento e de transformação da vida.

Uma política cultural, entendida no seu sentido mais amplo, que garanta o acesso à educação e ao ensino com a valorização da escola pública e o alargamento da sua oferta a todos os níveis de ensino, nomeadamente ao superior, visando a elevação cultural das camadas populares e o combate ao insucesso e abandono escolar. Uma política que apoie e potencie o trabalho de investigação científica e tecnológico com mais meios e melhores condições de trabalho nas instituições científicas, hoje a braços com enormes dificuldades para realizar o trabalho que é essencial para a aptidão científica e técnica do país.

Uma política cultural que, no seu sentido mais restrito ligado às Artes dê respostas à criação e fruição artística, à salvaguarda e apropriação social do património cultural, ao apoio à criação e produção contemporânea e à efectiva profissionalização das áreas artísticas.

O nosso programa avança com o conjunto de orientações e propostas que consideramos indispensáveis ao desenvolvimento das artes e da cultura artística, nomeadamente no que diz respeito à generalização do acesso aos bens culturais; à promoção de condições que permitam o acesso à criação, no respeito pela diversidade de opções estéticas e expressões artísticas; à reformulação e expansão do ensino artístico, à reformulação das condições de exercício e estabilidade profissional para os artistas; à criação de um novo regime fiscal; à revisão do Código dos Direitos de Autor; à defesa do apoio do Estado à actividade cultural independente; à defesa da prestação do serviço público nas diferentes áreas do espectáculo e da defesa e valorização dos organismos públicos da área da cultura; ao apoio à difusão da literatura portuguesa e à afirmação do português e cultura portuguesa na sua diversidade.

Para nós, para a CDU, para o projecto político de que somos portadores para Portugal, um projecto transformador da sociedade portuguesa, que integra a dimensão cultural como uma componente inalienável na construção de uma sociedade democrática, a valorização do trabalho intelectual não corresponde a um interesse de circunstância, mas a um efectivo reconhecimento do seu papel na construção e participação na luta por um projecto nacional de democracia política, económica, social e cultural.

Vivemos uma época em que se verificam grandes avanços científicos e técnicos que não são acompanhados pelo progresso social de milhões de seres humanos. Vivemos um tempo de forte ofensiva ideológica que ao serviço dos grandes interesses e dos grandes senhores do mundo tudo faz para naturalizar a exploração e dar suporte às políticas de regressão social com que milhões de homens são confrontados em todo o mundo.

Um tempo de grande pressão social e ideológica que inculca, através de poderosos meios, a perspectiva de um único caminho, de uma única saída para os problemas - a solução que a matriz neoliberal oferece - com o seu reduzido leque de opções e escolhas que, no caso português, dá expressão a um empobrecedor rotativismo de executantes de uma mesma orientação dominante.

É preciso romper com esta construção circular e redutora da esfera política, tornando visível e afirmando um verdadeiro projecto alternativo - o projecto da CDU - um projecto de esquerda, para retomar o caminho do progresso e do aprofundamento da democracia. Um projecto de participação e de esperança nos trabalhadores e no povo português, na sua capacidade e vontade para ultrapassar a crise em que a direita e as políticas de direita mergulham o país.

A batalha eleitoral de 20 de Fevereiro é uma oportunidade para dar um passo no sentido da valorização do nosso projecto de ruptura com a política de direita.

Portugal não pode prosseguir por mais tempo o já longo caminho de crescente fragilização, subordinação e dependência.

Contamos convosco, com o vosso apoio, o vosso empenhamento e disponibilidade para levar o mais longe possível, a muitos outros homens e mulheres da cultura, a mensagem de esperança na possibilidade da mudança que o país precisa, afirmando os valores da liberdade, da justiça social, da igualdade, da soberania e independência nacionais que moldam o nosso projecto e que assume a democratização da cultura como uma componente essencial do nosso viver individual e colectivo.

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