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Projecto de Lei n.º 404/VIII
Regula a protecção dos direitos de autor dos jornalistas

 

Preâmbulo

A Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro, (Estatuto do Jornalista), estabelece no n.º 3 do seu artigo 7º, que os jornalistas têm direito à protecção dos textos, imagens, sons ou desenhos resultantes do exercício da liberdade de expressão e criação, nos termos das disposições legais aplicáveis. Consagrada assim, em princípio, a protecção dos direitos de autor dos jornalistas, a definição legal dessa protecção foi remetida, pelo artigo 21º da mesma lei, para um diploma a aprovar posteriormente, no prazo de 120 dias, precedendo audição das associações representativas dos jornalistas e das empresas de comunicação social interessadas.

Passaram muito mais de 120 dias sobre a publicação do Estatuto do Jornalista e não foram dados quaisquer passos concretos para a regulação legal dos seus direitos de autor. E entretanto, na falta de definição dessa protecção legal específica, os jornalistas são diariamente lesados com a utilização dos seus trabalhos em órgãos de comunicação diferentes daqueles para que foram produzidos e nomeadamente em suportes digitais on-line, sem que lhes seja solicitada autorização para tal e sem que recebam qualquer contrapartida por essa reutilização.

No programa eleitoral com que se apresentou às eleições de 1999 para a Assembleia da República, o PCP assumiu o compromisso de propor medidas específicas de reforço dos direitos dos jornalistas, designadamente através da regulamentação dos direitos de autor sobre a respectiva criação intelectual. Com o presente Projecto de Lei, o Grupo Parlamentar do PCP honra esse compromisso e visa contribuir para pôr termo, quanto antes, a uma situação em que os jornalistas se vêem privados da justa remuneração pelo seu trabalho de criação intelectual.

O conteúdo do presente Projecto de Lei baseia-se em larga medida na proposta apresentada publicamente pelo Sindicato dos Jornalistas em 3 de Maio de 2000, na mensagem que dirigiu a todos os Deputados à Assembleia da República a propósito da passagem do Dia da Liberdade de Imprensa.

Da parte do PCP, que considera a liberdade de imprensa um valor estruturante do regime democrático, cuja garantia pressupõe o reconhecimento dos direitos materiais e morais dos jornalistas, essa proposta mereceu o acolhimento que se traduz na apresentação da presente iniciativa legislativa. Sem prejuízo, evidentemente, da total abertura que o PCP manifesta, para, na sequência de um debate que se espera participado, acolher soluções que se possam revelar mais adequadas para a tutela dos valores em causa.

Independentemente das soluções que cada um considere mais adequadas, existe um vastíssimo consenso quanto à necessidade e urgência de regulação legal dos direitos de autor dos jornalistas. Aliás, ainda recentemente, foi o próprio Provedor de Justiça a dirigir-se à Assembleia da República, chamando a atenção para a necessidade de ser colmatada a manifesta omissão legislativa que representa a falta de concretização do disposto no n.º 3 do artigo 7º do Estatuto do Jornalista.

Daí que, visando acima de tudo contribuir para a abertura de um processo legislativo que ponha termo de uma vez por todas à falta de regulação dos direitos de autor dos jornalistas, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentam o seguinte Projecto de Lei:


Artigo 1º
(Objecto)

A presente lei regula os termos da protecção legal dos textos, imagens, sons ou desenhos resultantes do exercício da liberdade de expressão e criação dos jornalistas prevista na Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro.


Artigo 2º
(Âmbito de aplicação)

1. Os jornalistas detém direitos morais e materiais sobre as respectivas criações, incluindo textos, imagens impressas ou televisivas, sons ou desenhos, quer estas sejam produzidas para uma empresa jornalística no âmbito de um contrato de trabalho, quer sejam fornecidas no âmbito de um contrato de prestação de serviços.

2. Estão abrangidos pelo regime dos direitos morais e materiais dos jornalistas os trabalhos originais e de arquivo, na posse de empresas para as quais foram originalmente realizados ou que estas tenham obtido por efeito de aquisição de estabelecimentos ou espólios de terceiros.


Artigo 3º
(Direitos morais)

Os direitos morais sobre os trabalhos jornalísticos implicam:

a) A autorização prévia de qualquer utilização das criações fora da publicação para que foram produzidas, no caso da existência de um contrato de trabalho;
b) a definição, no acto de celebração do contrato de prestação de serviços, das utilizações previstas do trabalho a fornecer, quer quanto ao seu número, quer quanto à natureza das publicações ou suportes;
c) a integridade da obra, não podendo esta ser alterada sem a autorização expressa do seu autor;
d) a assinatura da obra;
e) a faculdade de o jornalista impedir que um trabalho seu arquivado e entretanto desactualizado seja divulgado dentro ou fora do órgão de informação para o qual foi elaborado, sempre que a sua divulgação diferida ou em contexto diferente possa induzir uma interpretação diversa da intenção inicial do seu autor e com risco para a sua honra e reputação profissional.
f) A possibilidade de o jornalista se opor a que um texto jornalístico possa ser utilizado num suporte que não tenha a natureza de órgão de comunicação social nos termos legais.


Artigo 4º
(Direitos materiais)

A vertente material do direito de autor dos jornalistas implica:

a) O direito a uma retribuição adicional pela reutilização das obras fora do órgão a que originalmente foram destinadas;
b) o direito de poder não prescindir de uma retribuição mesmo no caso de cedência gratuita.


Artigo 5º
(Cedência de trabalhos jornalísticos)

1. A autorização para a cedência, a qualquer título, de textos, imagens impressas ou televisivas, sons ou desenhos de jornalistas deve ser dada caso a caso, devendo ser reduzida a escrito, de forma descritiva, fixando-se expressamente as condições de tal cedência, gratuitas ou onerosas, e as condições de utilização do material a ceder.

2. No caso de cedência, a qualquer título, de trabalhos jornalísticos destinados a empresas jornalísticas terceiras, o jornalista tem direito a uma retribuição adicional equivalente a 50% do preço da venda, nunca inferior à retribuição de dois dias de trabalho.

3. No caso de cedência, a qualquer título, de trabalhos jornalísticos destinados a empresas participadas por aquela a cujo quadro redactorial o autor pertence, ou que integrem o mesmo grupo económico, o jornalista tem direito a uma retribuição a estabelecer em sede de contrato de trabalho que não deve ser inferior a um dia do seu salário ou a 25% do valor dado ao trabalho original quando o jornalista é independente ou remunerado pelas peças que produz.

4. As retribuições devidas pela cedência de trabalhos jornalísticos serão pagas simultaneamente com o primeiro vencimento mensal processado após a concretização da cedência, quando se trate de obras realizadas no âmbito de um contrato de trabalho, ou no prazo de um mês sobre a cedência no caso das remunerações de trabalho independente.

5. Carecem da celebração de novo acordo as cedências de trabalhos jornalísticos que ultrapassem o número de utilizações previstas e as que se destinem a órgãos de informação de natureza diversa dos constantes no contrato original de prestação de serviços.


Artigo 6º
(Edições electrónicas ou digitais)

1. A divulgação, em edições electrónicas ou digitais, de trabalhos jornalísticos realizados originalmente para suporte impresso, radiofónico ou televisivo, carece de autorização expressa dos respectivos autores, a qual pode revestir carácter genérico, desde que as referidas edições sejam relativas exclusivamente aos órgãos para os quais os respectivos criadores trabalhem ou com os quais hajam celebrado contratos de prestação de serviços, conferindo direito a uma retribuição adicional mensal equivalente a 15% do seu vencimento base.

2. A edição de trabalhos jornalísticos em portais ou outros espaços electrónicos ou digitais suportados em múltiplos canais e origens, mesmo que detidos pelo grupo económico em que se integra a empresa para a qual trabalha o jornalista, carece da autorização expressa deste e confere o direito a uma retribuição adicional suplementar equivalente a 25% do seu vencimento base.

3. A cedência, a órgãos de informação impressos, radiofónicos ou televisivos, de trabalhos jornalísticos editados originalmente em suportes electrónicos ou digitais carece de autorização dos respectivos criadores e confere a estes direito a uma retribuição adicional nos termos das demais cedências.

4. Em caso algum pode ser autorizada a cedência de textos, imagens impressas ou televisivas, sons ou desenhos para serem utilizados em produções publicitárias ou promocionais, incluindo de autopromoção.


Artigo 7º
(Reprodução)

1. É proibida a reprodução em qualquer suporte, incluindo fotocópia, gravação áudio ou vídeo e memória digital, excepto para uso pessoal restrito, de trabalhos jornalísticos, qualquer que seja o seu suporte editorial, sem a autorização expressa das empresas para as quais hajam sido realizados.

2. A autorização, pelas empresas jornalísticas, da reprodução de trabalhos jornalísticos, constitui uma cedência de materiais que implica a remuneração dos direitos patrimoniais dos jornalistas e a protecção dos direitos morais sobre as suas criações.

3. Para efeitos do n.º 1, as entidades ou empresas beneficiárias das autorizações de reprodução ficam obrigadas a entregar ao Sindicato dos Jornalistas e às associações empresariais do sector da comunicação social exemplares das cópias realizadas.

4. Para efeitos do n.º 2, o membro do Governo com a tutela da Comunicação Social, ouvidos o Sindicato dos Jornalistas e as associações empresariais do sector, fixará por portaria a tabela de compensações a pagar pelas entidades beneficiárias das autorizações às empresas que as concedam.

5. Os autores dos trabalhos jornalísticos reproduzidos têm direito à retribuição sobre as compensações referidas no número anterior, calculada nos termos previstos no n.º 2 do Artigo 5º.


Artigo 8º
(Acesso a arquivos e bancos de dados)

Quando as empresas permitam o acesso do público aos seus arquivos ou bancos de dados, em suportes de papel, audio, video, digital ou outros, devem advertir expressamente para o carácter protegido dos materiais.


Artigo 9º
(Imagens, desenhos e sons de arquivo)

As empresas jornalísticas constituem-se fiéis depositárias das imagens impressas ou televisivas, dos desenhos e dos sons, podendo reutilizá-las no órgão para que foram criadas mediante a indicação da sua autoria, carecendo de autorização do autor ou dos seus herdeiros e conferindo direito a retribuição nos termos da presente lei a reutilização fora do órgão para que foram criadas.


Artigo 10º
(Direito à reutilização)

1. O direito de autor sobre as respectivas criações confere aos jornalistas o direito a reutilizá-los fora do órgão de informação para o qual foram produzidas, designadamente sob a forma de livro ou antologia audio, vídeo ou suporte digital, bem como em exposições ou outros eventos.

2. Para efeitos do número anterior, os autores de imagens impressas ou televisivas, desenhos ou sons têm direito a obter gratuitamente das empresas cópias de qualidade profissional.


Artigo 11º
(Irrenunciabilidade)

São nulas quaisquer disposições contratuais mediante as quais os jornalistas renunciem expressa ou implicitamente aos direitos materiais ou morais que lhes são conferidos pela presente lei, sem prejuízo no disposto no artigo 4º.


Artigo 12º
(Contra-ordenações)

1. Constitui contra-ordenação, punível com coima:

a) De 100 000$00 a 500 000$00 por cada texto, imagem fixa, conjunto contínuo de imagens televisivas ou registo magnético contínuo, a cedência ou reutilização foram do órgão para que foram criadas sem a autorização do autor;
b) de 150 000$00 a 600 000$00 por cada texto, imagem fixa, conjunto contínuo de imagens televisivas ou registo magnético contínuo, a transcrição para edição electrónica ou digital sem a autorização do autor;
c) de 50 000$00 a 300 000$00 por cada texto, imagem fixa, conjunto contínuo de imagens televisivas ou registo magnético contínuo reutilizado ou reproduzido em violação do disposto nos números 2 e 3 do Artigo 5º;
d) de valor equivalente ao triplo das retribuições adicionais previstas nos números 1 e 2 do Artigo 6º, a infracção ao disposto nestes;
e) de 750 000$00 a 5 000 000$00, a infracção ao disposto no número 4 do Artigo 6º;
f) de 200 000$00 a 700 000$00, a infracção ao disposto nos números 1, 3 e 4 do Artigo 7º;
g) de 500 a 2 000 000$00, a recusa infundada de cedência de cópias nos termos e para os efeitos do Artigo 10º.

2. A instrução dos processos das contra-ordenações e a aplicação das coimas previstas na presente lei é da competência da Alta Autoridade para a Comunicação Social.

3. O produto das coimas reverte em 60% para o Estado e em 40% para um fundo especial afecto à segurança social dos jornalistas, em termos a regulamentar pelo Governo.


Artigo 13º
(Reparações)

1. Os jornalistas têm direito a reparações em valor equivalente ao triplo das retribuições adicionais que lhe seriam devidas nos termos da presente lei, no caso de reutilização não autorizada ou não paga dentro dos prazos previstos no n.º 3 do Artigo 5º.

2. Em caso de reutilização de trabalho jornalístico não obstante a expressa recusa de autorização, os jornalistas têm direito a ser indemnizados em valor equivalente a cinco vezes o valor da retribuição adicional calculada nos termos da presente lei.

3. A apreciação dos pedidos de reparação é da competência dos tribunais cíveis da área da residência do jornalista.


Assembleia da República, em 21 de Março de 2001