Que diria Prometeu?
Artigo de Aurélio Santos
«Avante!» de 24 de Setembro de 1999
Quantas vezes não teve já a maioria da humanidade ocasião de se identificar com este herói mitológico da Grécia antiga, perpetuada por Ésquilo quando, no Século V antes de Cristo, escreveu a sua tragédia sobre Prometeu?
Prometeu pode confundir-se com uma espécie de pretérito perfeito do verbo prometer, isto é, obrigar-se a fazer algo, a cumprir uma promessa já afirmada.
Porém a lenda não imortalizou Prometeu como anunciador de promessas, mas sim por ele se ter atrevido a roubar o fogo dos céus para o dar aos homens.
A lição que nos ficou desta lenda foi a luta contra a avidez do poder absoluto, contra a arrogância e a saberba da vontade de mandar sem oposição alguma.
Prometeu é a revelação não de um deus, mas mais de um homem entre homens, que tem a coragem de defender com firmeza a causa de que a humanidade não é refém de um poder absoluto. Por isso mesmo é humana e não submissa. Por isso consegue subverter situações que lhe negam a justiça e, sobretudo, a liberdade de agir segundo os objectivos que pretende alcançar. O significado grande de Prometeu é o ter adoptado a bandeira do homem livre, aquele que não se deixa, à custa de favores, apadrinhar pelo poder.
Faz isto lembrar as próximas eleições legislativas e os esforços, ora mais directos, ora mais descaradamente manipuladores, que o PS tem engendrado para obter uma maioria absoluta, não hesitando, sequer, na tentativa de utilização a seu favor da trágica situação do povo de Timor Loro Sae. Da ameaça à promessa, o discurso do PS, embora embrulhado numa fraseologia democratizante, evidencia o fundo óbvio dos que querem dominar. E quem escolhe, quem vota os seus governantes, não deve ignorar ao que pode conduzir, quer a curto, quer a médio prazo, o verdadeiro conteúdo e alcance deste pedido do PS ao eleitorado.
Por que razão quer o PS mãos livres para mandar?
Este apelo a «deixem-nos governar – mas sozinhos»! – não cabe numa repetida e matraqueante proposta de diálogo. Quem quiser traduzi-lo em português real entenderá aqui uma vontade sôfrega, que anuncia o verdadeiro objectivo: «deixem-nos reinar, que vos prometeremos um bom reinado»!
Mas de promessas já nos deixou o PS cheios: prometeu uma governação de esquerda e o governo de Guterres fê-lo à direita; prometeu uma política em favor dos mais desfavorecidos, e favoreceu preferencialmente os já favorecidos; prometeu prioridade à educação, à saúde, à segurança social, e concedeu primazia à Banca, à Bolsa e à especulação financeira.
Durante os últimos quatro anos, o governo do PS pingou uma chuva gelada, dia a dia a apagar o fogo da esperança para a tão necessária viragem na vida política do país: prometeu. Mas não cumpriu.
O mito de Prometeu não se revê seguramente neste PS fraudulentamente dialogante. Quer - e requer – muito mais. Cabe aos eleitores manter o fogo trazido com o nascer de Abril, e reacendê-lo por um querer de Outubro.
Porque não se pode pagar a um ladrão de promessas concedendo-lhe, para mais, altos juros de mora.