Artigo do jornal «Avante!»

Alguns factos sobre o urânio empobrecido

 

A trágica morte do primeiro cabo Hugo Paulino, e as corajosas posições públicas da sua família trouxeram para a ribalta a utilização de urânio empobrecido (UE) pelas Forças Armadas da NATO. Desde há vários anos que a utilização de armas com UE, e as suas consequências, têm vindo a ser objecto de denúncia pública (nomeadamente no Avante! e no Militante), embora a questão tenha sido ignorada pela maioria da comunicação social.

Um papel de destaque nesta denúncia cabe, sem dúvida, ao International Action Center (IAC), uma organização norte-americana fundada por um ex-Ministro da Justiça dos EUA, Ramsey Clark. Em Setembro de 1996 realizou-se uma conferência em Nova Iorque juntando cientistas, médicos, activistas pela paz, ex-militares e outras individualidades cujo trabalho ou experiência as ligava àquilo que, na altura, era ainda uma realidade escondida ou negada: as terríveis consequências da utilização militar do urânio empobrecido. As principais comunicações dessa conferência, bem como alguns outros depoimentos foram editados em livro pelo IAC no ano seguinte, com o título "Urânio Empobrecido: Metal da Desonra". Deixamos aqui algumas informações sobre o UE, sob a forma de perguntas e respostas, sendo as "perguntas" da responsabilidade do Avante! e as "respostas" excertos do livro (com a indicação dos autores desses textos e páginas do livro onde se encontram). Para mais informações, pode ser consultado o sito da Internet do IAC, em http://www.iacenter.org.

Pergunta 1: O que é o urânio empobrecido?

Resposta: "Durante muitos anos, os Estados Unidos têm utilizado urânio empobrecido, um derivado da produção de combustível enriquecido para reactores e armas nucleares, com o fim de produzir munições, balas e invólucros protectores para tanques. Este urânio excedente, composto principalmente pelo isótopo do urânio U-238 chama-se 'empobrecido' porque contém um teor inferior ao habitual do isótopo U-235, o material físsil. Mas tem uma propriedade 'excelente' - é muito denso e capaz de penetrar veículos fortemente blindados. (...) Mas outra propriedade física, não tão desejável, é que o urânio empobrecido entra em combustão espontânea no momento do impacto, criando pequenas partículas aerosolizadas, com menos de 5 microns de diâmetro, o que é suficientemente pequeno para ser inalado. Pelo menos 70% do urânio contido nas armas é libertado sob esta forma no momento do impacto, e estas pequenas partículas podem deslocar-se a longas distâncias, transportadas pelo ar". (Dra. Helena Caldicott, médica australiana, pg.18).

"O urânio empobrecido emite cerca de 60% da radioactividade do urânio que se encontra naturalmente, e tem uma meia-vida de cerca de 4 500 milhões de anos. Como resultado de cerca de 50 anos de enriquecimento de urânio para utilização em armas e reactores nucleares, os EUA têm mais de 1 100 milhões de libras de material residual de UE. No início dos anos 70, o Governo começou a explorar formas de eliminar o UE (...). O UE tem várias características que tornam a sua utilização em munições atraente: é extremamente denso, encontra-se disponível em grandes quantidades, e é oferecido gratuitamente aos fabricantes de armas. (...) Munições de grande e pequeno calibre feitas com urânio empobrecido são altamente eficazes na penetração de blindados. Por outro lado, o Exército descobriu que a incorporação de UE na blindagem dos tanques tornava os tanques menos vulneráveis à penetração por munições convencionais." (Dan Fahey, ex-militar dos EUA, e activista na questão do Síndroma da Guerra do Golfo, pg. 26).

Pergunta 2: Desde quando é que são utilizadas armas com urânio empobrecido?

Resposta: "Durante a Guerra do Golfo, munições e armas feitas com urânio empobrecido foram utilizadas pela primeira vez em acção de combate . O Iraque o o norte do Kuwait foram um autêntico campo de ensaios para armas de urânio empobrecido. Mais de 940 mil balas de 30 milimetros recobertas com urânio e 'mais de 14 000 munições de alto calibre de UE foram consumidas durante a Operação Tempestade no Deserto/Escudo no Deserto' (citação do US Army Environmental Policy Institute - Instituto do Exército dos EUA para Política Ambiental). Estas armas foram utilizadas em todo o Iraque, sem preocupações quanto aos efeitos em termos de saúde e ambiente resultantes da sua utilização. Entre 300 e 800 toneladas de partículas e poeiras de UE foram espalhadas pelos solos e águas no Kuwait, Arábia Saudita e Iraque. Como resultado, centenas de milhar de pessoas, quer civis, quer soldados, sofreram os efeitos da exposição a estas armas radioactivas" (Ramsey Clark, ex-Ministro da Justiça dos EUA, pg. 21).

Pergunta 3: Quais são os efeitos do urânio empobrecido em seres humanos?

Resposta: Dos 697 000 soldados dos EUA que serviram no Golfo, mais de 90 000 registaram problemas médicos . Entre os sintomas registados incluem-se disfunções respiratórias, hepáticas e renais, perdas de memória, dores de cabeça, febre, baixa tensão arterial. Há malformações congénitas entre recém-nascidos. O urânio empobrecido é um forte candidato a responsável por muitos destes problemas. Os efeitos sobre a população do Iraque são bem maiores." (Ramsey Clark, pg. 21).

"Nos últimos cinco anos pude efectuar estudos em profundidade, no Iraque. Os resultados produziram provas abundantes que mostram como o contacto com munições de UE tem as seguintes consequências, em especial para as crianças: um aumento assinalável de doenças infecciosas provocadas por gravíssimas imuno-deficiências, em grande parte da população; ocorrência frequente de herpes e zoster fortíssimas, mesmo entre crianças; síndromes do tipo da SIDA; uma síndrome até aqui desconhecida, provocada por disfunções renais e hepáticas; leucemia, anemia aplástica e neoplasias malignas; malformações congénitas provocadas por defeitos genéticos, também encontradas entre animais. Os resultados dos meus estudos revelam semelhanças com os quadros clínicos recentemente descritos pela designação 'Síndrome da Guerra do Golfo' em soldados americanos e britânicos, e nos seus filhos. As malformações congénitas provocadas por defeitos genéticos em crianças americanas e iraquianas são idênticas." (Prof. Dr. Siegwart-Horst Guenther, médico austríaco, pgs. 167-168).

"Os resultados duma pormenorizada investigação epidemiológica e clínica efectuada por Al-Ani da Escola Médica de Bagdade, relativa a pessoal militar (todos homens) expostos ao UE mostra claramente os efeitos tóxicos radiológicos e químicos do urânio. (...) Os resultados evidenciaram claramente uma alteração dos padrões de diferentes tipos de cancro, bem como um aumento geral de cancros, em particular leucemias, cancros dos pulmões, ossos, cérebro, gastro-intestinais e do fígado. (...) Um dos resultados mais importantes do estudo é a diferença entre os padrões de doenças cancerosas entre aqueles que estiveram expostos a explosões de UE e aqueles que não estiveram. (...) As percentagens de nados-mortos, anomalias congénitas e infertilidade secundária em famílias de militares expostos ao UE é, respectivamente, de 1,9, 5,2 e 5,7." (Ashraf El-Bayoumi, chefe da Unidade de Observação do Programa Alimentar Mundial da ONU, entre Março de 1997 e Maio de 1998, pg. S3-S4).

Pergunta 4: Os perigos do urânio empobrecido resultam apenas de exposições prolongadas?

Resposta: "Uma nota informativa emitida pelo Comando do Exército dos EUA para Armas, Munições e Agentes Químicos (AMCCOM) afirma:

Quando um objecto penetrante com UE atinge uma superfície alvo, grande parte da energia cinética dissipa-se na forma de calor. O calor do embate provoca a oxidação e combustão momentânea do UE. Daí resulta fumo, que contém um alto teor de partículas de UE. Estas partículas de urânio podem ser ingeridas ou inaladas, e são tóxicas.

(...) Ensaios de campo do Exército mostram que quando um veículo é atingido por um penetrador de UE, a contaminação mais intensa dá-se num raio de 5 a 7 metros do veículo. Mas partículas de UE lançadas para o ar pela força do impacto, ou pelos fogos ou explosões resultantes, podem ser transportadas pelo vento a distâncias de 25 ou mais milhas. (...) Os efeitos a longo prazo da entrada no organismo de urânio empobrecido não são totalmente conhecidos, mas o Exército admitiu que 'caso o UE entre no organismo, tem o potencial para gerar consequências médicas significativas'. Partículas de UE inaladas, de determinadas dimensões, podem albergar-se permanentemente nos pulmões. Partículas inaladas maiores podem ser expelidas dos pulmões e ser ingeridas. O UE também pode ser ingerido quando se leva as mãos à boca, ou através de abastecimento de água e alimentos. UE que seja ingerido, ou que penetre no organismo através de feridas, entrará no fluxo sanguíneo e viajará através do organismo, concentrando-se na sua maior parte no fígado, nos ossos ou nos rins. Os rins são os órgãos do corpo mais sensíveis à toxicidade do UE. Muito do UE ingerido será expulso do organismo através das fezes pouco tempo após a exposição, mas o UE que permaneça agirá como um agente tóxico químico e radiológico nos órgãos e ossos durante o resto da vida da pessoa." (Dan Fahey, pgs. 28 e 36).


(1) Armas com urânio empobrecido foram também utilizadas em larga escala pelas tropas dos EUA na guerra da Bósnia, em 1995-96, e na agressão à Jugoslávia, em 1999, como foi já reconhecido pela própria NATO. (2) Note-se que este texto é de 1996. Os números actuais são superiores.

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