O PCP e um referendo sobre novos desenvolvimentos no processo de integração europeia
Comunicado da Comissão Política do PCP
24 de Setembro de 2003

 

A partir da conclusão dos trabalhos da chamada «Convenção» que, exorbitando manifestamente da função que lhe havia sido atribuída pelo Conselho Europeu de Laeken, elaborou um projecto dito de «Constituição europeia», algumas forças políticas e sectores de opinião têm vindo a defender, em termos por vezes genéricos e ainda imprecisos, a próxima realização de um referendo em Portugal sobre essa matéria.
Neste quadro, o PCP considera oportuno e útil divulgar o seu posicionamento sobre esta questão, sublinhando nomeadamente:

1. O PCP considera que a primeira prioridade no âmbito desta importante matéria é ainda a da intensificação do debate e esclarecimento e do movimento de crítica e de luta visando travar a perigosa e insensata escalada federalista que o projecto de novo Tratado representa, com o objectivo de pressionar o governo português para não ser cúmplice dessa escalada e não se vincular às orientações e rumos propostos e de fazer repercutir nos trabalhos da Conferência Intergovernamental (que se iniciará em Outubro e poderá decorrer até Maio de 2004) a ampla discordância e as sérias preocupações que tais orientações causam à escala europeia.
O PCP sublinha que esta primeira prioridade tem um valor intrínseco que é independente de juízos sobre a probabilidade de êxito do seu objectivo, uma vez que, além do mais, representará sempre uma importante contribuição para batalhas posteriores.

2. Entretanto, se – como infelizmente é o mais provável - se vier a verificar que a Conferência Intergovernamental aprova o essencial das graves e perigosas alterações qualitativas que estão a ser propostas para o processo de integração europeia, o PCP pronuncia-se inequivocamente pela importância e necessidade da realização em Portugal de um referendo antes da ratificação de um novo Tratado pela Assembleia da República com um calendário e com pergunta(s) que permitam, de facto, aos portugueses pronunciar-se democraticamente sobre o que efectivamente está em causa.

3. Esta orientação significa, sem margem para qualquer dúvida, que o PCP não só não dará o seu apoio a um qualquer referendo, em qualquer data e com quaisquer perguntas, como combaterá vigorosamente qualquer tentativa de realizar um simulacro de referendo, designadamente através de pergunta(s) capciosas e indutoras do resultado pretendido pelo partidos que apoiam os actuais rumos da integração europeia, como aconteceu com o referendo sobre esta matéria proposto pelo PS e pelo PSD em 1998 e que, em boa hora e com acertados fundamentos, foi então inviabilizado pelo Tribunal Constitucional (Acórdão nº 531/98).
O PCP considerará ainda essencial que, ao contrário do que fizeram o PS e o PSD em 1998, o Governo e os partidos proponentes da(s) pergunta(s) esclareçam previamente com toda a clareza quais são as consequências (ou seja, a eficácia real) dos dois resultados possíveis – vitória do «sim» ou do «não».

4. Relativamente à hipótese por alguns defendida de um eventual referendo ser realizado em simultâneo com as eleições para o Parlamento Europeu de 13 de Junho de 2004, o PCP sublinha que se trata de uma proposta absurda e de contornos antidemocráticos só sustentável por quem tudo queira confundir e amalgamar e que, felizmente, está expressamente proibida pelo nº7 do artº 115º da Constituição que dispõe acertadamente que «são excluídas a convocação e a efectivação de referendos entre a data da convocação e a da realização de eleições gerais para os órgãos de soberania, de governo próprio das regiões autónomas e do poder local, bem como de Deputados ao Parlamento Europeu».

5. O PCP adverte que a falta de memória ou de informação em relação a alguns antecedentes desta questão ( a do referendo sobre integração europeia) não ajudarão a enfrentar as previsíveis dificuldades e armadilhas que serão levantadas a uma consulta popular efectivamente democrática e útil.

Neste âmbito, o PCP considera útil recordar nomeadamente que:

- o PCP propôs anteriormente referendos primeiro sobre o Tratado de Maastricht e depois sobre a adesão à moeda única e que essas propostas foram implacavelmente rejeitadas tanto pelo PS como pelo PSD;

- só na revisão constitucional de 1997 o PS e o PSD flexibilizaram a sua anterior oposição total a qualquer referendo sobre matéria de integração europeia mas apenas no sentido de permitir referendos que versem «questões de relevante interesse nacional que devam ser objecto de convenção internacional», numa formulação friamente premeditada para dificultar a elaboração e selecção das perguntas e para evitar que o resultado de um referendo signifique automaticamente a não ratificação por Portugal de um Tratado;.

- nas revisões constitucionais de 1992, 1997 e de 2001, o PS e o PSD sempre rejeitaram as propostas sucessivamente apresentadas pelo PCP para que fosse possível realizar referendos explicitamente sobre a ratificação por Portugal de tratados relativos à integração europeia, solução que simplificaria obviamente a elaboração das perguntas e daria maior clareza ao debate e à finalidade do referendo.

6. O projecto de Tratado elaborado pela dita «Convenção» e baptizado de “Constituição Europeia”, mas que nem por isso poderá deixar de ser considerado como um projecto de mais um novo Tratado, é uma tentativa de fundir e reconfigurar todos os anteriores Tratados que suportaram a fundação e a evolução da integração comunitária europeia, de Roma a Nice e que aposta deliberadamente:

– no estabelecimento de um figurino federal para os órgãos e funcionamento institucional da União Europeia assegurando, simultaneamente, o seu claro comando pelas grandes potências;
– na consolidação do modelo neoliberal nas orientações sociais e económicas da integração comunitária, erigindo em princípios e imperativos «constitucionais» 340 artigos de políticas comuns e outras, como o estrito monetarismo do Banco Central Europeu / Pacto de Estabilidade que, aliás, apenas diz respeito aos países membros da zona euro, ou a política liberal e privatizadora dos Serviços Públicos;
– no desenvolver da União Europeia como bloco político-militar, com o aprofundamento da política externa e de segurança comum, com o lançamento das bases institucionais e conceitos estratégicos da sua militarização, em que se destaca a criação de uma Agência Europeia de Armamento, de Investigação e de Capacidades Militares.

A gravidade do que propõe o projecto do novo Tratado, o seu significado para o futuro da União Europeia e de cada um dos países membros, para o futuro de Portugal, exigem uma viva, esclarecida, séria e soberana participação do povo português.