Intervenção do
deputado João Amaral

Agenda 2000

11 de Fevereiro de 1999



Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros,

Da nossa parte, PCP, tomamos a iniciativa de requerer a realização deste debate sobre a Agenda 2000 porque se trata de uma matéria de grande importância para o futuro do País e para o seu desenvolvimento. Por isso, consideramos que a Assembleia da República devia ter sobre ela uma qualificada intervenção ao nível do Plenário que significasse o seu empenhamento e atenção. Por isso consideramos que os portugueses e portuguesas deviam encontrar neste debate parlamentar o sinal de alerta que os chamasse, a eles mesmos, a intervirem como cidadãos num processo cujas consequências a termo sobre eles recaem.

A Agenda 2000, como sublinha muito bem o relatório do Sr. Deputado José Saraiva, vale nas suas consequências pelo pacote financeiro em que se traduz. A ameaça é muito directa: as propostas da Agenda 2000, cuja justificação é o alargamento da União Europeia, traduzem-se numa forte penalização de Portugal, que receberia menos fundos e veria assim enormemente dificultado a aproximação às economias europeias mais desenvolvidas em termos reais.

Portugal, a par da Grécia o país mais pobre da União Europeia, seria o país mais penalizado. E connosco, também penalizados, seriam os outros países, chamados, da coesão.

O que representa esta situação? É preciso dizê-lo com clareza, aos nossos parceiros da União Europeia e à opinião pública europeia, como é necessário dizê-lo aos portugueses.

Estas opções da União Europeia significariam, se fossem concretizadas, que a União Europeia teria abdicado de cumprir uma das suas razões de ser, aquela que mais toca os povos e países que têm o direito de esperar da integração mais desenvolvimento, e que é o reforço da coesão económica e social.

Tudo se teria passado como um jogo armadilhado. Os países fortes da Europa, a começar pela Alemanha, rebocaram a União Europeia até ao limite da consagração dos seus interesses: o mercado único, a moeda única, o Banco Central Europeu com um comando fortemente centralizado, a fixação, mesmo fora de qualquer tratado, de fortes condicionantes nas políticas orçamentais e de endividamento público, bem como das políticas salariais e de consumo através das fortes restrições nos níveis de inflação.

Conseguindo com tudo isto o seu patamar de interesses, esses países desinteressaram-se. A União Europeia seguinte, a da coesão económica e social, já não é com eles. A plebe que se amanhe.

Esta não é a construção europeia desejável, pela qual desenvolvem esforços as forças de progresso.

Falei da armadilha e demonstra-se com facilidade: porque razão não começou a União Europeia por levar a coesão económica e social até um patamar razoável de concretização, para depois equacionar, se quisesse, a União Monetária e eventuais regras orçamentais de endividamento e preços?

Porque foi feito ao contrário? Porque se começou pelos interesses dos mais fortes?

O que está em jogo neste debate sobre a Agenda 2000 é de facto um conflito, como muito bem sublinha o relatório do Sr. Deputado José Saraiva. Um conflito entre o grupo de países e interesses para os quais a União Europeia é uma união monetária num mercado único com fortíssimo controlo orçamental e de preços e salários, e o grupo de países que vê nos fundamentos da União Europeia a possibilidade de promover entre as Nações, povos e cidadãos que a compõem uma igualdade de oportunidades, que exige, antes de mais, a aproximação das economias reais e a realização de políticas sociais de progresso, tudo num quadro de concretização da coesão económica e social.

A partir do momento em que Portugal, com a moeda única perde as políticas monetária e cambial como políticas autónomas, e que, com o Pacto de Estabilidade, fica fortemente limitado na execução de políticas orçamentais viradas para a criação rápida das infraestruturas de desenvolvimento e para a execução de políticas económicas e sociais que o promovem, a concretização pela União Europeia das políticas para a coesão económica e social adquire um sobre-valor como instrumento indispensável para o progresso do País. Esta realidade não pode ser esquecida nem escamoteada.

Para vencer este desafio, o Governo português deveria ter percebido desde a primeira hora que isso só é possível no quadro de uma forte mobilização política e social, e com o empenho determinado da opinião pública nacional. Deveria ter percebido que o êxito só era, só é possível, com uma posição negocial forte, apoiada e clara.

Mas não foi assim. O Governo preferiu os ademanes da política de bastidores, a alcova mais ou menos confidencial da família política, as pequenas e médias trocas e baldrocas, os conciliábulos com pretensos aliados de conjuntura, as inventadas conquistas de pequenos passos tornadas sempre conquistas de ida e volta, tudo numa pretensa teia sem resultados palpáveis ou garantidos.

O que mostra a realidade desta União Europeia é que o Governo português não encontrou até agora nas famílias socialista e social democrata nada mais de que umas boas palavras pela frente e umas melhores facadas pelas costas.

O PCP apela a uma grande determinação política e social nacional em torno dos objectivos e interesses de Portugal neste processo. Neste debate, o PCP informa o povo português sobre o papel insubstituível que lhe cabe neste processo, se tomar nas suas mãos a defesa de um patamar negocial que concretize uma Europa de coesão económica e social e que assim sirva o desenvolvimento de Portugal, e aproximação da economia portuguesa em termos reais à economia do conjunto dos países da União Europeia.

Quando todos os estudos apontam para que Portugal é quem mais perde com a Agenda 2000, incluindo os estudos de reputados institutos estrangeiros, quando se fala em perdas de 500 milhões no período, ou mesmo de 200 milhões/ano nas piores propostas apresentadas por um grupo de países, Portugal tem de contar antes de tudo com a determinação dos portugueses. Só com ela pode vencer este duro desafio.

É preciso antes de tudo que se ponha no devido lugar a questão do alargamento. Não para à partida questionar o alargamento aos países e povos que manifestem a vontade de integrar a União Europeia. Mas, pura e simplesmente para dizer qual é a posição de Portugal face aos efeitos do alargamento.

O alargamento para as economias fortes significa mais mercado e mais campo para investimento. Para os países de economia mais débil, nalguns pontos o alargamento traz mais concorrência e novos e complexos desafios. Por isso, o alargamento, para ser útil ao conjunto da União Europeia, exige o reforço das políticas de coesão económica e social para países que hoje já estão na União Europeia, como Portugal. Não podem ser os países que não ganham com o alargamento, os países mais débeis, a suportar o seu custo.

Mas é isso que a Alemanha e os seus parceiros de economia forte querem fazer. Querem desviar as verbas dos fundos estruturais hoje afectos aos países da coesão como Portugal para as ajudas aos países do alargamento, mantendo intocado o seu próprio esforço financeiro e o retorno que obtém da União Europeia nas políticas de que beneficiam. Os fundos estruturais desceriam (na hipótese menos má, de 39 mil milhões de euros em 1999 para 31,4 mil milhões em 2006, e na versão pior para 25,6 nesse ano de 2006.

Por isso, da nossa parte PCP, denunciamos como puro conformismo político aceitar como inevitável que o alargamento seja feito com o actual tecto de despesa de 1,27% do PIB comunitário. Isso é aceitar à partida o "comportamento de saque" dos países de economia forte, que querem tirar da UE o máximo proveito com o mínimo de custos. É aceitar à partida que as políticas de coesão económica e social possam ser sacrificadas e com elas os que cá estão. O número 1,27% é tão pouco um tabu que no Pacote Delors II, para a Europa ainda a 12, sem alargamento, chegou a ser proposto um total de 1,37%!

Portugal deve defender com clareza que o actual tecto de 1,27% seja exclusivamente para financiamento das despesas da UE com a sua composição a 15, sendo o alargamento financiado com novas verbas.

Em caso algum, Portugal pode aceitar uma redução de verbas para fundos estruturais. Estes devem manter-se a preços constantes, com os mesmos critérios de distribuição (isto é, sem relevância do critério de emprego) e com a consideração da sua aplicação tendo em atenção fundamentalmente a prosperidade das Nações e não das regiões.

O facto de a Região Lisboa e Vale do Tejo ter atingido o patamar de 75% do PIB per capita da União deve ser visto a esta luz. A Região de Lisboa e Vale do Tejo representa 42% do PIB nacional. Retirá-la do objectivo 1 e portanto do actual nível de acesso aos Fundos Estruturais seria comprometer a possibilidade de um efectivo reforço do processo de desenvolvimento do País, dado o papel liderante e determinante que Lisboa e Vale do Tejo tem nesse processo de desenvolvimento.

O Governo foi negligente nesta área, porque o problema já estava à vista, e nada foi feito atempadamente para lhe dar solução. Agora é preciso fazer toda a força, sem hesitações. E sem negócios descabidos.

Seria descabido e inaceitável por exemplo qualquer negócio em torno do Fundo de Coesão, aceitando restrições dos Fundos Estruturais e assumindo como compensação o respeito integral do Fundo de Coesão. Isto não seria um negócio, seria uma burla. Pela razão simples que Portugal, por ter PIB per capita inferior a 90% da média comunitária, tem direito ao Fundo de Coesão por força do Tratado de Maastricht, sem dependência de qualquer cumprimento do Pacto de estabilidade nem qualquer penalização por ter acedido ao euro. É um direito, um direito próprio, não é nenhum favor nem serve de compensação para nada.

Portugal deve nesta questão dos Fundos Estruturais ter o máximo cuidado com alguns truques pouco claros com que alguns pretendem frustrar os compromissos assumidos. Por exemplo, é o que se passaria com a fixação das verbas dos Fundos como autorizações de despesa, que se perderiam como receitas do país se não fossem aplicados nos destinos e prazos previstos (retirando qualquer possibilidade de reafectação ou rescalonamento, e eliminando o conceito de atribuição definitiva de fundos, substituindo-a por uma espécie de abertura de créditos, perdidos se não utilizados como a Comissão impusesse).

Outro truque é a fixação de uma cláusula de reserva, de "x" por cento, verbas que ficariam cativas para reutilização pela Comissão caso isso fosse necessário. Mesmo dando como certo que essa reutilização seria feita no próprio país e não noutros, isso pode dar à Comissão uma margem de ingerência injustificada, e que compromete opções nacionais próprias mais adequadas.

Outro truque consiste nos atrasos de pagamento por forma a conseguir na prática níveis de despesa mais baixos. Isso foi feito nestes últimos anos, com as despesas autorizadas a não ultrapassarem o 1,13% do PIB, dando assim uma espécie de "razão prática" para justificar a futura afectação da diferença, 0,14%, às verbas de pré-adesão do alargamento. Falsa razão prática, porque as despesas têm de ser feitas mais tarde, mas o truque, apesar de necessariamente denunciado (muitas vezes o Deputado Europeu do PCP Joaquim Miranda o referiu) foi encarado negligentemente pelo Governo.

Quanto aos recursos próprios da União Europeia, Portugal não pode aceitar que a sua reforma seja feita por forma a dar exclusiva satisfação à Alemanha e a alguns outros países de economia forte, mantendo-se em caminhos pantanosos como do "justo retorno", quando esquece nas contas todo o retorno económico que esses países obtêm do mercado único e da união monetária funcionando nos moldes que impuseram.

Propostas como a de renacionalização dos custos da PAC são totalmente inadmissíveis para países cujas produções são as menos apropriadas, como é o caso da agricultura portuguesa.

O financiamento da União Europeia, para ser justo e adequado, deve basear-se fundamentalmente na riqueza de cada país, no seu PNB portanto, e deve ter uma fórmula progressiva que atenda à situação dos mais pobres e faça ressaltar as possibilidades dos mais ricos. É absolutamente inaceitável que hoje, Portugal, que representa 1,2% do PNB da Comunidade, contribua com 1,4% das receitas da Comunidade.

Quanto à PAC, Portugal deve bater-se por uma reformulação do seu actual modelo, em termos e condições que desenvolveremos na intervenção do meu camarada Lino de Carvalho, estabelecendo numa linha de defesa da agricultura portuguesa, visando três objectivos: salvaguardar a sua especificidade no quadro do reconhecimento da diversidades das agriculturas europeias, defender o direito a produzir e à segurança alimentar, e assegurar a modernização e o aumento das produtividades.

Este conjunto pontos referenciais de negociação (e que consubstanciaremos em projecto de resolução) deve ser assumido pelo país como uma plataforma para defesa dos interesses de um Portugal mais desenvolvido e socialmente justo numa Europa melhor, com mais coesão económica e social.

Estes pontos referenciais de negociação devem ser defendidos pelo Governo, como devem ser aprovados pela Assembleia, como devem ser assumidos pela sociedade no seu conjunto, pelas organizações de trabalhadores, organizações económicas, autarquias.

Toda a gente percebe que hoje partidariamente é mais interessante fazer uns números com os candidatos ao Parlamento Europeu, mas o que está em jogo para o país neste exacto momento não é isso.

O PCP propõe também à Assembleia que a Subcomissão para a Coesão Económica e Social da Comissão de Assuntos Europeus, Subcomissão que preparou este debate, tenha um papel mais activo no conhecimento e acompanhamento do processo negocial, um acompanhamento mais permanente e por isso também mais fundamentado e influente.

Não há pruridos que justifiquem que num momento tão crucial de negociação não se criem as condições para um acompanhamento mais completo da situação por parte da Assembleia da República, com a sua composição pluripartidária.

O Governo afirmou que aceitava o empenhamento alemão na aprovação da Agenda 2000 já em Março. Mas é preciso dizer que o empenhamento nacional fundamental não é o prazo, é o conteúdo.

O Ministro Jaime Gama já afirmou que o alargamento não pode ser feito somente à custa dos mais pobres. Bem dito quanto à referência aos mais pobres, mas elimine o Sr. Ministro daí o "somente", porque isso é admitir o que não deve ser admitido. O alargamento, pura e simplesmente, não pode ser feito nunca para benefício das economias fortes à custa das economias débeis e dos países pobres.

Da nossa parte, PCP, não nos temos poupado a esforços no sentido de encontrar soluções justas para o nosso país, e quero aqui ressaltar e saudar o papel dos três Deputados do PCP no Parlamento Europeu, Joaquim Miranda, Sérgio Ribeiro e Honório Novo, pelo trabalho que têm feito no Parlamento Europeu, mas também pelo intensíssimo trabalho que têm desenvolvido pelo país, em defesa da produção nacional, de soluções adequadas, e também de alerta para perigos como são os desta Agenda 2000.

Esta é a contribuição que aqui estamos a dar hoje, por imperativo de defesa dos interesses do nosso País e do nosso Povo, numa Europa de Coesão que seja para Portugal uma oportunidade de progresso e desenvolvimento.

Se assim não for, há um recurso adequado e possível, dado que estão em questão interesses vitais do país e da própria construção europeia.

É, Senhor Presidente e Senhores Deputados, o recurso ao veto.

Disse.