Ratificação do Tratado de Nice que altera o Tratado da União Europeia, os Tratados que instituem as Comunidades Europeias e alguns actos relativos a esses Tratados, assinado em Nice, em 26 de Fevereiro
Intervenção do Deputado Honório Novo
24 de Outubro de2001

 

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados

Ao contrário das ideias que se pretendem fazer passar por verdadeiras, o Tratado de Nice não vai permitir acelerar o processo de alargamento da União Europeia, nem veio criar melhores condições institucionais para facilitar os processos de decisão numa União alargada a 27 ou mais países.

Esses foram os argumentos, melhor, esses foram e são meros pretextos que se procuraram e procuram usar para ocultar a realidade. Mas a realidade, com a aprovação do Tratado de Nice, passará a ser a seguinte:

Em primeiro lugar, o processo decisório vai depender de um número ainda mais restrito de países mais ricos e populosos que em si vão concentrar, ainda mais, a capacidade determinante e quase exclusiva de impor e/ou impedir as decisões comunitárias.

Em segundo lugar, e ao contrário do que insistentemente é repetido para ver se se transforma em verdade incontroversa, o processo de tomada de decisão ficou mais complexo, será ainda mais difícil do que é actualmente, como aliás, hoje já reconhecem todos os pareceres jurídico-constitucionais conhecidos.

A revisão do Tratado concluída em Nice não foi assim feita para facilitar a vida e/ou o acesso aos países candidatos. Pelo contrário, a revisão do Tratado foi feita para assegurar, antes de concretizado esse alargamento - que aliás só depende da vontade dos candidatos e de negociações de natureza económica e social que, essas sim, interessaria conhecer melhor e mutuamente avaliar - a revisão do TUE, conforme dizia, foi feita exclusivamente para, desde já, assegurar a férrea manutenção da capacidade de influência decisória num grupo ainda mais restrito de países mais ricos e populosos.

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados

Nice não acrescentou apenas mais poder a quem já detinha o poder essencial. Nice não se limitou a remeter Portugal, e outros países pequenos e médios, para a periferia e para a subalternidade irrelevantes do processo de tomada das decisões que interessam aos países do núcleo duro que domina a União Europeia.

Nice foi mais longe nas alterações fundacionais que alienam ou podem alienar a influência nacional e a natureza intergovernamental da integração europeia.

Nice até parece ter garantido a manutenção do princípio de um Comissário por Estado membro, dando assim, aparentemente, resposta aos interesses de todos os países, para quem deveria ser essencial o facto de poderem co-participar no órgão comunitário em que recai o essencial da iniciativa legislativa. Só que tal princípio só se irá manter até que a União tenha 27 membros. A partir daí, o princípio, afinal, deixará de ser princípio, e nada garante que Portugal possa continuar então a manter o direito a indicar um membro do Colégio de Comissários.

Mas em matéria de princípios, melhor, em sede de abandono dos princípios, há mais, porventura menos mediatizados. É que, a partir de Nice, a sede dos Conselhos Europeus passa a estar situada em Bruxelas. Isto é: cada presidência da União Europeia já não vai poder organizar semestralmente as reuniões dos Conselhos Europeus no seu próprio país, todas elas vão passar a realizar-se em Bruxelas. Esta alteração, aparentemente sem grande significado, é, por mais que se desminta ou se tente disfarçar, a génese e o embrião da futura eliminação do princípio da presidência rotativa da União Europeia. Não estará longe o tempo - porventura na próxima CIG que por aí tanto é já desejada - em que a Presidência Europeia passará a ser também atribuída, em regime de exclusividade ou de dominação determinante, apenas aos países que em Nice asseguraram o reforço do seu já enorme poder comunitário.

Finalmente, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, a partir de Nice quer-se permitir que grupos minoritários de países (oito numa União Europeia alargada a 27) possam criar políticas próprias em nome da União, ainda por cima com regras definidas por esses mesmos países. Isto é: com Nice pretendem-se criar directórios de países que, agindo em nome da União, tanto podem dar corpo à componente securitária e militarista, cuja obsessão é patente nos últimos anos e particularmente nos últimos meses, como podem gizar "clubes de interesses" para onde, mesmo que queiram, não conseguirão aceder a maioria dos restantes Estados-membros. Com Nice, e ainda por cima na sequência de uma triste e algo infeliz iniciativa da Presidência Portuguesa, pretende-se institucionalizar a "Europa a várias velocidades", com Nice pretende-se destruir os princípios fundacionais da unidade e da coesão internas da União Europeia.

E, mesmo a propósito, para alguns, já nem é necessário esperar pela ratificação do Tratado; para alguns nem sequer é preciso que sejam oito países a colocar-se de acordo para criar grupos e agir em nome da União Europeia. Basta ver o que aconteceu no recente Conselho Europeu, na Bélgica, quando a Alemanha, a Inglaterra e a França decidiram pré reunir-se à margem e antes desse Conselho. Nem as encenações tipo "virgem ofendida" de alguns dos restantes países conseguiram fazer esquecer que a base, a génese para que aqueles três Estados-membros pudessem ter agido dessa forma inacreditável, radica, tão só, na aceitação do princípio da institucionalização das cooperações reforçadas decidida em Nice.

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados

A Assembleia da República prepara-se para ratificar hoje as alterações ao Tratado da União Europeia acordadas em Nice em Dezembro do ano 2000.

A Assembleia da República prepara-se hoje para ratificar Nice, de costas voltadas para os Portugueses.

O debate nacional que aqui exigimos e reclamámos em Dezembro de 2000, e cuja necessidade reafirmámos em Julho, não ocorreu.

Portugal e a esmagadora maioria dos Portugueses desconhecem o conteúdo do que hoje aqui vamos votar, desconhecem as alterações ao Tratado que o Governo aceitou em Nice, não fazem a mais pequena ideia das consequências dessas alterações, não lhes passa pela cabeça que o Governo Português - e o bloco central alargado que o apoia - tenha aceitado que o país seja remetido para a quase insignificância no seio da União Europeia, que Portugal perca poder, aliene soberania e aceite deixar de bloquear decisões que possam ferir de morte interesses essenciais para o País.

O debate e a discussão sobre as alterações ao Tratado não podem limitar-se às duas audições que a Assembleia da República promoveu, nem aos dois seminários aqui realizados com alguns juristas e outras elites mais ou menos tecnocratizadas.

Um debate nacional não é isto, não pode ser isto. A motivação e o apelo à participação e à discussão nada tem a ver com o espartilho daqueles (poucos e quase sempre os mesmos) que institucionalmente têm capacidade para intervir.

O debate, a motivação e o apelo à participação e à discussão podia e tinha que ter sido levado aos cidadãos, ao país real.

Caso houvesse vontade política, havia ainda tempo para esse debate. É que as alterações ao Tratado de Nice poderão ser ratificadas até ao final do próximo ano. Até lá, caso houvesse vontade política, era bem possível lançar esse grande debate nacional e, no seu encerramento, promover formas de apurar a vontade dos portugueses, designadamente através da realização de um referendo nacional.

Referendo que a Irlanda fez e cujos resultados negativos porventura estarão a assustar as mentes do pensamento único. Referendo que a Irlanda fez e que em Portugal também poderia vir a encerrar um verdadeiro debate, mesmo que, espantosamente, alguns ousem ter o desplante de anunciar que Nice é irreferendável. Referendo que, aliás, o bloco central reiteradamente rejeitou ainda recentemente ao inviabilizar a proposta do PCP de incluir a consulta popular a tratados em sede de revisão constitucional.

O bloco central alargado prefere a análise dos gabinetes, opta, na prática, por impedir a discussão sobre Nice, decidiu acelerar o processo de ratificação do Tratado sem que Portugal e os Portugueses dele se tenham apercebido inteiramente.

O bloco central já está noutra. Mesmo antes de ratificado o Tratado de Nice - cujo processo só estará concluído no final do próximo ano -, mesmo antes de se poderem avaliar (num período posterior) as implicações e os impactos das alterações que agora estão em ratificação , o bloco central - num completo seguidismo de orientações exteriores aos interesses de Portugal - já está a teorizar sobre o que é que deve ou não ser discutido em novas alterações institucionais e sobre a forma como dessas discussões deve ser afastado quem estiver em desacordo.

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados

O PCP recusa este processo tal como recusa o conteúdo das alterações ao tratado de Nice. O PCP denuncia a insistência nos métodos palacianos de ratificação de tratados cuja importância é decisiva para o País, tal como denuncia a aceitação das novas orientações/imposições que remetem Portugal para um papel quase decorativo no contexto comunitário.

O PCP vota contra a ratificação das alterações introduzidas em Nice ao Tratado da União Europeia convicto que elas prejudicam Portugal e os Portugueses.

Disse.