Construção, conservação e exploração da rede de estradas nacionais
Intervenção do deputado Joaquim Matias
9 de Abril de 1999

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Esta Apreciação Parlamentar suscita uma consideração prévia sobre a interpretação, a nosso ver abusiva, que o Governo faz da Lei nº 10/90 - Lei de Bases dos Transportes Terrestres.

Efectivamente e de acordo com esta lei compete à administração central a construção, conservação e exploração da rede de estradas nacionais admitindo-se, como excepção, que possam ser concessionadas a empresas constituídas expressamente para esse fim, auto-estradas que correspondam a trajectos de longa distância, e grandes obras de arte desde que não se localizem em áreas urbanas, ou sejam acesos imediatos a grandes centros urbanos, a portos ou a aeroportos.

Esquecendo desde logo que a concessão deve ser a excepção e atribuída a empresa expressamente constituída para esse fim, o Governo passou a concessionar tudo o que à partida, pelo volume de tráfego suscitasse o apetite de empresas privadas, não se coibindo de entregar à exploração privada e aplicado mesmo portagens a estradas já antes construídas com dinheiros públicos e sem alternativas para os utentes, naquilo a que foi justamente considerado como o negócio das "brisinhas". E que negócio! Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Basta pensar na tão debatida via rápida do Oeste transformada em auto-estrada (A8) com portagens e entregue à "Brisinha" respectiva, com o objectivo, dizia-se, de a prolongar até Leiria e fazer o IP6 das Caldas a Santarém de imediato. Onde estão afinal estes troços? No entanto, só a verba gasta no desfazer acessos à via rápida e fazer acessos com portagens (3 milhões 650 mil contos) teria dado para a construção de pelo menos meio-percurso até Leiria, para já não falar na verba das portagens, para as quais não há estrada alternativa. Sem alternativa também ficou o IC3 entre Setúbal e Palmela construído e a funcionar há longos anos constituindo a ligação urbana entre dois núcleos do mesmo polo de desenvolvimento económico. Por artes mágicas passou a fazer parte da A12 quase 30 anos mais nova e lá viu uma portagem. Nesta mesma A12 é curioso como possui igualmente o único último lance de auto-estrada de acesso a Lisboa ou ao Porto em que é aplicado portagem (critério que desdiz o que o senhor Ministro afirmou nesta Assembleia) e isto quando mesmo sem portagem deveria ter acesso alternativo pois a variante ao Pinhal Novo da EN252 foi ignorado pela J.A.E.. tudo isto afinal soma na portagem da Ponte Vasco da Gama, que não resolveu como hoje já é público e notório as acessibilidades na Área metropolitana de Lisboa. Bem pediu o nosso Grupo parlamentar a comparência do senhor Ministro na 4ª Comissão na altura da abertura ao tráfego destas vias, mas o senhor Ministro não esteve disponível.

Muitos mais exemplos poderiam ser dados para ilustrar o que afirmamos, mas queremos ainda referir dois factos incontornáveis:

A premissa do aumento de mobilidade, leia-se transporte rodoviário, em Portugal, não resulta exclusivamente da taxa de motorização. Reside, antes de mais, numa incorrecta política de transportes seguida nos últimos anos de prioridade ao transporte individual e abandono do transporte de massas em particular do comboio. Resulta daqui que as deslocações pendulares nas Áreas Metropolitanas e o transporte de longa distância de pessoas e mercadorias tenha que ser feito por transporte individual, pura e simplesmente, por falta de alternativa.

O objectivo de acelerar o ritmo de construção por falta de capacidade da JAE e da Brisa não foi atingido como se verificou ainda há poucos dias nesta Assembleia através da constatação da redução do investimento nas infra-estruturas das acessibilidades.

Neste contexto e tendo em conta a situação de excepção que deverá constituir a concessão de construção, manutenção e exploração de auto-estradas e grandes infra-estruturas, conforme estipula a lei de bases dos transportes terrestres, o mínimo que se exige nesta situação é que a Assembleia da República possa exercer a sua competência de fiscalização dos actos do Governo na aplicação de uma política extremamente sensível e com grandes repercussões no desenvolvimento regional e na actividade económica, através da apreciação parlamentar dos decretos-lei que atribuam concessões desta natureza, pelo que o Decreto-lei nº 399/98, sendo um cheque em branco que retiraria à Assembleia da República a possibilidade de exercer o seu papel de fiscalização da política do Governo merece a nosso ver ser revogado.