Sessão de Encerramento da Campanha
- 100 mil assinaturas por melhores salários

Intervenção de Carlos Carvalhas,
Secretário-geral do PCP

27 de Outubro de 2001


No grande comício da magnífica 25ª edição da Festa do "Avante!", depois de termos caracterizado a situação política, económica e social, e de termos denunciado a ofensiva em curso no plano ideológico e a preparação do terreno para a liquidação de direitos e a limitação de salários, anunciámos da tribuna do Palco 25 de Abril, que a partir desse comício lançaríamos, a nível nacional, um abaixo-assinado dirigido ao primeiro-ministro, com o objectivo de recolher cem mil assinaturas sob o lema "Por salários mais justos, por mais qualidade de vida", o aumento global e real dos salários e das pensões e reformas e a recuperação do poder de compra perdido pelo aumento do custo de vida.

Dissemos ainda que nos íamos dirigir aos trabalhadores nos seus locais de trabalho; aos reformados, às organizações e associações unitárias; que iríamos apelar a todos os candidatos da CDU, aos intelectuais, a todos os homens, mulheres e jovens que não se conformam com a situação de baixos salários e baixas pensões e reformas. E fizemo-lo, com grande empenho e entusiasmo.

Quero daqui saudar todos aqueles e aquelas, e todas as estruturas partidárias que, ao longo destas semanas, se mobilizaram para que este abaixo-assinado não só cumprisse a meta estabelecida, como a ultrapassasse.

A resposta a esta nossa iniciativa foi a de um amplo movimento de opinião que percorreu o País, e que teve como resultado, como sabem, a adesão responsável de milhares de cidadãos, traduzindo-se no maior abaixo-assinado realizado no nosso País.

Há quem o queira desvalorizar e silenciar.

Nem têm a mínima ideia do que significa recolher em todo o País mais de cem mil assinaturas.

Mas o Governo fará mal se se colocar numa posição autista. Se não tiver em conta as justas aspirações dos cidadãos perante a acentuação das desigualdades sociais, a quebra do poder de compra, os baixos salários e reformas, que se exprimem neste expressivo e significativo abaixo-assinado.

A nossa iniciativa foi oportuna e justa.

Oportuna porque, como se vê, o Governo, em vez de querer compensar os trabalhadores da Administração Pública pelo poder de compra perdido, prepara-se para lhes amputar, pelo terceiro ano consecutivo, mais poder de compra, a pretexto das dificuldades, em grande parte resultantes da sua política. E só a nossa luta, a luta geral dos trabalhadores, os pode travar e vencer.

Justa porque, como é sabido, Portugal é o País da União Europeia com mais baixos salários e pensões e, simultaneamente, com as mais altas taxas de lucro. O País com a mais desigual distribuição do rendimento nacional. O País em que é maior o fosso entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres.

O País em que, segundo um estudo recente, as dez famílias mais ricas controlam 25% do PIB, contra 13% na Alemanha, 18% em França, 12% em Itália e 8% em Espanha.

Esta situação é inaceitável. Ela é o resultado das políticas do Bloco Central PSD e PS, o resultado das políticas ao serviço da centralização e concentração de capitais.

É necessário combater estas políticas através da luta de massas e institucional, e travar a luta por uma nova política, por uma alternativa de esquerda e por uma política de esquerda.

A melhoria dos salários reais é um factor de pressão para a melhoria da gestão, para os investimentos com maior complexidade tecnológica e, portanto, para o aumento da produtividade.

Ao contrário, os baixos salários são um factor de acomodação, um incentivo a investimentos de muito baixa complexidade tecnológica, ao desperdício, à perda de eficiência e de produtividade.

Os trabalhadores e as suas organizações de classe não pedem a Lua.

Queremos daqui saudar a CGTP e todos os trabalhadores em luta, e apelamos às diversas estruturas partidárias para que se mobilizem no sentido do apoio à grande jornada de luta convocada pela CGTP para 7 de Novembro.

I

Contra a direita e a política de direita

Não se pode aceitar que os alvos de uma política errada e injusta sejam, mais uma vez, como se pode verificar na proposta do Orçamento, os trabalhadores da Administração Pública, os reformados e, de uma forma indirecta, a generalidade dos trabalhadores e os pequenos empresários.
Um Orçamento que é feito à medida das reivindicações da direita e da alta finança, de que são exemplos marcantes o recuo na reforma fiscal na tributação das mais valias, e no controlo das operações das Holdings e da Banca nas zonas francas; a diminuição da taxa do IRC, os benefícios desprezíveis para os trabalhadores; a insuficiente dotação para as despesas com pessoal ...

Depois de uma remodelação à direita; de uma revisão constitucional, com um grave retrocesso em matéria de direitos, liberdades e garantias, consagrando, por exemplo, a possibilidade de proibição do direito à greve por parte dos profissionais de todas as forças de segurança; depois de o Governo ter dado sinais de que iria recuar na reforma fiscal, como veio; de ameaçar de novo o levantar a questão do plafonamento na segurança social; e de continuar com o leilão de empresas públicas altamente rentáveis, alguns socialistas ainda vieram defender que a esquerda deveria apresentar uma plataforma e viabilizar o Orçamento. Argumentando com o perigo da direita, fazendo tábua rasa da política do seu Governo, fazendo-se esquecidos do que aprovaram com o voto do PCP na reforma fiscal, na Lei de Bases da Segurança Social, e dos recuos que estão fazendo e preparando; fazendo-se esquecidos ainda da opinião e propostas do PCP na revisão constitucional, e das propostas e dos projectos de lei que o PCP tem apresentado, tais conselheiros queriam que o PCP advogasse o oportunismo ou cedesse à chantagem do perigo da direita. O PCP continua e continuará a lutar contra a direita e contra a política de direita, a apresentar-se nas palavras e nos actos como um partido de crítica e de proposta. Podemos dizer com verdade, que tudo o que representou avanço e progresso, mesmo que diminuto, teve ou a iniciativa, a proposta, ou o empenho firme, a luta e o voto do PCP na Assembleia da República.

Mas, apesar da política que o PS vinha prosseguindo, apesar de serem já claras as cedências à direita, o PCP respondeu positivamente à solicitação do primeiro-ministro para que lhe fossem enviadas sugestões para a elaboração do Orçamento.

Uma delegação do nosso Partido entregou-lhe em mão nove propostas responsáveis, claras e concretas que, se tivessem tido acolhimento, configurariam um Orçamento de relançamento e dinamização da actividade económica, compensando os factores recessivos e promovendo a justiça social.

Mais uma vez, a prova dos nove foi tirada. O PS fez as opções no sentido do Bloco Central dos interesses e atendeu às reclamações da direita, de tal maneira que a generalidade da imprensa apontou o CDS/PP como o partido com quem faria todo o sentido o Orçamento ser aprovado.

Tanto o CDS/PP como o PSD, pois estes não estão em desacordo com as privatizações, com os recuos na reforma fiscal, com o aperto do cinto dos trabalhadores. As suas críticas são laterais, e centram-se no rigor nas contas, para esconderem a concordância com o essencial. Apesar de o negar, o negócio da aprovação está a correr com o PP e com o deputado Campelo, agora independente. Mas é preciso que se diga que o governo PS é que assume a responsabilidade pela escolha da orientação orçamental e, portanto, pela eventual não viabilização do Orçamento.

Nos últimos tempos, o PS voltou à carga procurando, a partir do efeito dramatização, tirar partido da situação internacional. Segundo aquele que, no dizer de outro socialista, devia ser clonado, as oposições, por razões patrióticas, dada a situação internacional e nacional, só tinham um caminho, viabilizar o Orçamento. De facto, para Jorge Coelho, o tal que devia ser clonado, todos os argumentos valem, todos os expedientes servem para que o PS conserve o poder. O poder para os jobs, as mordomias, as clientelas...

Não quer reconhecer que o PS, ao elaborar um Orçamento à direita, só pode esperar que este seja aprovado pela direita.

Não quer reconhecer que a subserviência em relação aos critérios do Pacto de Estabilidade priva o País de utilizar o instrumento orçamental para compensar, através do investimento e da despesa reprodutiva, a actual incidência económica recessiva.

Não quer reconhecer que o Governo tem uma dotação ridícula para os aumentos da função pública, e que continua com as privatizações, entregando importantes e lucrativas empresas ao grande capital nacional e estrangeiro que, cada vez mais, vai pressionando e dominando o poder político.

Não quer reconhecer que para milhares e milhares de cidadãos a estabilidade é a estabilidade do emprego, a garantia dos seus direitos, um nível de vida digno. Estabilidade não é precariedade, baixos salários, baixas pensões, amputação e liquidação de direitos.

Não quer reconhecer que os salários, e nomeadamente o salário mínimo, têm um importante papel na defesa do nível de vida e no combate às desigualdades na distribuição do Rendimento Nacional.

É vital aumentar o nível de qualificação dos trabalhadores, mas é também vital que o salário mínimo cumpra o seu papel de impulsionador de uma nova dinâmica na economia portuguesa.

Nós vamos bater-nos, na Assembleia da República e fora dela, por melhores salários e reformas, e continuaremos a nossa luta contra o emprego precário e clandestino, pela defesa dos direitos e a garantia da aplicação da legislação do trabalho, pela promoção da igualdade no trabalho, pela efectivação na vida dos direitos da maternidade e paternidade contra as discriminações salariais, pela regulamentação do trabalho por turnos, pela defesa da negociação colectiva, e pela prevenção da sinistralidade laboral, que é uma autêntica vergonha nacional.

Vamos também bater-nos para que a regulamentação da Lei de Bases da Segurança Social não perverta os princípios e a metodologia que nela estão consagrados.

Este Governo não é garantia. A gula das seguradoras privadas tem vindo a ser difundida pelos seus mercenários da escrita. Voltaram de novo a falar no espantalho da falência da segurança social e nas virtudes do plafonamento, na necessidade de lhes ser entregue a gestão do futuro Fundo de Reserva, constituído com as contribuições dos trabalhadores.

A gula do grande capital é incomensurável. Eles querem fazer negócio com a saúde dos portugueses, com as reservas dos trabalhadores e a segurança social e, por sua vez, a banca, coitadinha, até quer introduzir uma taxa pela utilização do Multibanco, com o Governo, como sempre, a meter o rabo entre as pernas e a lavar as mãos como Pilatos. À arrogância dos banqueiros e às tibiezas do Governo, responderemos com a luta, a mobilização dos trabalhadores e a mobilização dos cidadãos. Como sabem, apresentámos na Assembleia da República um projecto de lei que visa impedir que esta medida vá para a frente. Terá a nossa firme oposição. É caso para utilizar a expressão popular: "Vão roubar para a estrada"...

 

II

Por um bom resultado autárquico

A luta por melhores condições de vida dos trabalhadores e do povo está também directamente ligada à luta por um bom resultado da CDU nas autarquias.

A CDU, com um projecto autárquico singular, dá garantias reais de trabalhar pelo bem estar das populações, pela defesa das suas justas reivindicações e aspirações, por não ter um comportamento de desculpabilização do Governo e de subserviência em relação a este, como têm a generalidade das autarquias socialistas.

Aqueles que nos conhecem mais de perto, que conhecem o nosso trabalho, reconhecem o mérito do nosso projecto e da nossa intervenção.

Nestas eleições é também de grande importância que o voto dos trabalhadores, dos reformados, que o voto do povo reforce as posições da CDU nas autarquias. O combate à abstenção e a tomada de consciência da importância destas eleições, é uma tarefa que deve ser de todos, e não apenas dos candidatos ou das forças integrantes da CDU.

A batalha que temos pela frente não é uma batalha fácil. As malfeitorias do Governo estão hoje mais diluídas no casulo dos acontecimentos internacionais e, para o PS, todos os meios lhe servem para obter vantagens: é a utilização do aparelho do Estado e dos sacos azuis; do rendimento mínimo; dos governos civis na pressão e "compra" de votos; são as ofertas de emprego e as ameaças directas ou veladas; são as alianças com o PP, claras ou encapotadas; é a não concorrência em municípios escondendo-se com o PP em listas de cidadãos eleitores, numa aliança sem princípios, como é o vergonhoso caso de Montemor, para tentar derrubar a CDU; são as inspecções a Câmaras CDU, como é o caso de Loures, para ver se ainda podem lançar na opinião pública alguma confusão; é a tentativa de utilizarem grandes meios de comunicação onde têm influência para tentarem denegrir a imagem de candidatos, como aconteceu agora em Sines.

É um fartote em que o PS não só imita como ultrapassa também neste campo os piores comportamentos do cavaquismo.

Mas, apesar de tudo, estamos confiantes no trabalho realizado, no nosso projecto, na intervenção que temos tido com as populações, na compreensão por parte dos cidadãos mais conscientes de que o reforço da CDU nas autarquias é também de grande importância para a alteração da correlação de forças mais favorável às camadas populares.

Muitos daqueles que nos batem à porta nas horas das aflições, é nessa altura que se dão conta que esta é a força que efectivamente os defende, constatando também que se lhe tivessem dado mais força na hora das eleições, a CDU também estaria com muito mais força para, na hora das aflições, defender os seus interesses e aspirações.

Num quadro sombrio no plano nacional e internacional, não é coisa pequena os trabalhadores e o povo poderem contar nas autarquias com homens, mulheres e jovens, que não viram as costas às dificuldades, que os acompanham e defendem nas pequenas e grandes lutas. Os trabalhadores podem e devem dar, pelo seu voto, uma contribuição positiva para que a CDU se reforce, que é o mesmo que dizer que se reforce a sua voz, a sua força e as suas aspirações.

E queremos daqui informar que a CDU apresenta listas a todos os órgãos municipais do Continente, da Madeira, e a 17 dos 19 municípios dos Açores, e a mais de duas mil freguesias de todo o País, o que, só por si, confirma a CDU como uma grande força autárquica, capaz de dar voz e corpo às reivindicações populares e prosseguindo uma obra reconhecida em importantes autarquias.

III

Nem terrorismo, nem guerra

A evolução da situação nacional também não é indiferente à evolução da situação internacional.

Sete semanas após os brutais atentados nos Estados Unidos da América, a situação humanitária internacional não melhorou. Agravou-se. A "cruzada" militar no Afeganistão continua a acrescentar às vítimas inocentes de Nova Iorque e Washington, novas vítimas inocentes em consequência dos bombardeamentos e do êxodo que estes provocam, criando uma tragédia humanitária junto à fronteira com o Paquistão.

O bombardeamento de um país pobre e atrasado, como é o Afeganistão, com os chamados danos colaterais, que é a forma eufemística de prenunciar a morte de inocentes, só vai reforçar os factores de desespero, de violência e de terrorismo.

(…)

Por isso, juntaremos a nossa voz aos milhares de manifestantes que, por todo o mundo, e também em Nova Iorque, têm gritado: "Nem guerra, nem terrorismo"; "O nosso grito de dor não é um grito de guerra". E também por isso, daqui apelamos aos trabalhadores para que participem na concentração no Largo de Camões, na próxima terça-feira, dia 30, às 18h30, seguida de um desfile até à Praça da Figueira, contra a guerra, o terrorismo, a xenofobia e o racismo, pela paz e pelos direitos democráticos. É necessário resolver o problema nacional palestino e pôr fim à lógica de guerra, ao cortejo de mortes, privações e sofrimentos, e reconduzir para o âmbito da ONU a resposta ao problema do terrorismo.

Neste quadro, é ainda de sublinhar a posição da União Europeia, que se afirma cada vez mais como um directório de grandes potências, como o exemplifica a última Cimeira que foi precedida de uma reunião dos três grandes para acertarem posições, ou a decisão de abrirem os mercados da União Europeia aos têxteis paquistaneses, com a espantosa afirmação do ministro da Economia de que "o Governo foi apanhado de surpresa por esta abertura antecipada decidida pela Comissão Europeia", e que "só agora vai ser feita uma avaliação rigorosa do eventual impacto em Portugal". É caso para perguntar se o papel do Governo na União Europeia é o do verbo de encher...

Uma União Europeia que se afirma cada vez mais como uma posição seguidista em relação aos EUA, com a Inglaterra completamente alinhada.

Uma União Europeia com uma maioria de países governados por partidos social democratas, em que as principais decisões são, no essencial, pautadas pelos dogmas do fundamentalismo neoliberal ...

Construir futuro com os trabalhadores

Não haverá futuro com progresso e estabilidade social se as jovens gerações de trabalhadores continuarem a viver com a multiplicidade de vínculos precários que os tornam descartáveis em qualquer época da sua vida.

Não construiremos futuro se continuarmos, entre os países da União Europeia, no fim da tabela do salário mínimo, e das pensões e reformas e, simultaneamente, na primeira fila das taxas de lucro.

Não construiremos futuro se o máximo lucro se continuar a sobrepor ao direito à segurança, à higiene, à saúde e à própria vida nos locais de trabalho.

Não construiremos futuro se se mantiver uma justiça lenta, paralisada anos e anos para reparar as dívidas aos trabalhadores por trabalho prestado, enquanto os que levam as empresas à falência continuam a viver no luxo com as suas intocáveis fortunas.

Não construiremos futuro se continuarmos a liquidar o aparelho produtivo nacional e a entregar importantes empresas à gula do grande capital nacional e internacional.

As mulheres e os jovens têm sido altamente penalizados pela precariedade do trabalho, pelos baixos salários.

A luta é o caminho. Há quem queira que os trabalhadores interiorizem o clima de crise, e que sejam os pagadores dos desmandos políticos deste Governo.

Não contem com o PCP para esses planos.

Continuaremos a luta convosco, pela justiça social, pelo futuro do nosso País.

Reafirmamos aqui que a luta consequente a nível nacional, e a convergência ou complementaridade das lutas a nível regional e internacional, pela transformação social, pela "globalização" da solidariedade, da cooperação e da paz, é cada vez mais necessária, bem como a luta em espaços mais vastos, como a União Europeia, por objectivos específicos, ainda que limitados, como sejam a luta contra a precariedade e pelo trabalho com direitos, e por uma justa distribuição dos rendimentos nacionais, a luta pelas 35 horas sem redução de salário nem perda de regalias, a luta pela implementação da Taxa Tobin, a luta contra as deslocalizações de empresas em busca de baixos salários e desregulamentações...

(…)