Declaração da Comissão sobre a "crise Parmalat" e a governação das empresas
Intervenção de Sérgio Ribeiro
11 de Fevereiro de 2004

 

O escândalo financeiro da Parmalat é produto derivado da "financeirização" da economia, "finaceirização" desmesurada porque a produção e troca para satisfação das necessidades materiais das populações se afoga nos fluxos especulativos da alta finança internacional, enquanto floresce a economia informal e a criminalização da economia, onde os tráficos assumem cada vez maior relevância em detrimento do desenvolvimento económico e social.

Escândalo que é, também, exemplo dos efeitos nefastos da desregulação dos mercados e da libertina circulação de capitais.

Na Parmalat, recorreu-se a todo o instrumental: a empresas de fachada em paraísos fiscais, a benesses da regulamentação especial offshore, aos hedge funds, a facturas e documentos falsos. Assim se cobriam buracos financeiros e desvios, utilizando-se complexas estruturas envolvendo muitas filiais, para levar a efeito operações no domínio das obrigações e dos instrumentos financeiros derivados. Com apoio de bancos internacionais, encobrimento de empresas de auditoria internacionais, avaliações positivas de agências de notações de riscos.

E assim se puseram em causa milhares de postos de trabalho, nos mais de 30 países em que a Parmalat operava, e provocaram enormes problemas em milhares de produtores de leite que dela estavam dependentes.

Mas não se trata de caso isolado. Só nos últimos anos verificaram-se, a nível global, vários escândalos financeiros - Enron, Worldcom, Merck, nos EUA, Crédit Lyonnais, Vivendi, Ahold, Kirch, Marconi, Equitable Life, em Estados-membros da União Europeia -, com profundas repercussões negativas sociais e no tecido económico.

Sendo uma questão de modelo económico, é necessário maior rigor e controlo nos instrumentos financeiros derivados, substituindo mecanismos que são produto de e têm por finalidade a especulação; é necessário incrementar esforços internacionais pondo termo a paraísos fiscais e limitando operações offshore; são necessários instrumentos fiscais de monitorização dos movimentos de capitais, como introdução de taxas e tributação efectiva das mais-valias bolsistas.

Mas, sobretudo, é indispensável e urgente a revalorização efectiva da produção e do trabalho. Por muito importante que sejam os problemas dos accionistas, e são, tem de se dar prioridade à protecção do emprego e à salvaguarda dos direitos dos trabalhadores, de garantir o seu direito de informação, consulta e participação, e, neste caso particular, de se considerar, desde já, indemnizações para os produtores de leite afectados.

Sublinho o contributo negativo da UE, no que respeita à "financeirização" e concretamente no plano de acção para os serviços financeiros, ao incentivar a desregulação e a liberalização dos mercados de capitais, e a sua integração acompanhada do desmantelamento de regras prudenciais e mecanismos de controlo. Preocupa a declaração do Comissário Bolkestein de que "legislação precipitada e mal concebida poderia agravar, e não resolver, problemas de regulação ilustrados por casos de envergadura como sejam os casos Enron e Parmalat".

Por posição ideológica e a pretexto de riscos, não se podem negar evidências e a urgência de lhes fazer face.