Intervenção do
deputado Alexandrino Saldanha

Revisão do conceito de trabalho nocturno,
no sentido de permitir que as convenções colectivas
reduzam até sete horas a actual duração
do período de trabalho nocturno de onze horas

18 de Junho de 1999


Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

Na sucinta apreciação dos motivos desta apreciação parlamentar, referimos que o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 96/99, de 23 de Março, justifica a alteração do conceito de "trabalho nocturno", sobretudo com a necessidade de o conformar com a definição "adoptada pela Convenção n.º 171, do Organização Internacional do Trabalho,..., ratificada por Portugal, bem como pela Directiva n.º 93/104/CE, do Conselho, de 23 de Novembro".

Diz-se ainda no preâmbulo que essa "conformidade" havia sido prevista no acordo de concertação estratégica celebrado em 1996 entre o Governo, o patronato e a UGT - tal "acordo" não foi subscrito, como é sabido, pela principal organização representativa dos trabalhadores portugueses, a CGTP-IN.

Não valerá a pena voltar a caracterizar a natureza e os objectivos do dito acordo de concertação estratégica e dos seus subscritores. A sua constante invocação para fundamentar e tentar "fazer passar" legislação contra os trabalhadores é suficiente para o definir.

Quanto ao argumento da "conformidade" do conceito de trabalho nocturno com a Convenção da OIT n.º 171 e com a Directiva do Conselho n.º 93/104/CE, o mínimo que se pode dizer é que é falso e "artificioso"; com efeito, o artigo 29.º do DL n.º 409/91, de 27 de Setembro, que o DL subjudice vem alterar, é perfeitamente conforme com os dois invocados "instrumentos internacionais do trabalho".

De facto, tanto a Convenção n.º 171 da OIT, como a Directiva n.º 93/104/CE, do Conselho, definem como "período nocturno", e citamos da tradução portuguesa, "...período de, pelo menos - repito, pelo menos - sete horas..." incluindo sempre, e voltamos a citar, "...o intervalo entre a meia noite (24 horas, na Directiva) e as cinco horas".

Ora, considerando o n.º 1 do citado artigo 29.º, antes de alterado, como "nocturno o trabalho prestado no período que decorre entre as vinte horas de um dia e as sete horas do dia seguinte", não só ele está em total conformidade com a Convenção e a Directiva citadas, como a tantas vezes apregoada "uniformização no progresso" impede a regressão social que o DL 96/99 quer operar. Aliás, a Directiva n.º 93/104/CE já havia sido transposta para o ordem jurídica portuguesa pela Lei n.º 73/98, de 10 de Novembro, e a alínea c) do n.º 1, do art.º 2.º considera " 'período nocturno': qualquer período como tal definido pela lei ou por convenção colectiva".

Assim, não só não há qualquer necessidade de alterar o artigo 29.º do DL 409/71 para o "conformar" com os citados instrumentos internacionais, como o DL 96/99 pretende consagrar uma clara e inadmissível regressão social na legislação do trabalho.

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados,

O objectivo do Governo, com esta alteração, é muito simplesmente o de diminuir a protecção de que actualmente gozam os trabalhadores, consubstanciada na redacção do n.º 1 do art.º 29.º do DL 409/71, antes de alterado, da alínea a) do art.º 1.º da Convenção n.º 171 da OIT e da alínea c) do n.º 1, do art.º 2.º da Lei n.º 73/98, de 10 de Novembro, nomeadamente ao nível da remuneração por trabalho nocturno, que deixará de ser devida, pelo menos parcialmente. Isto é, o diploma sob censura visa diminuir ainda mais o custo do factor trabalho, pois algumas horas actualmente consideradas e pagas como nocturnas continuarão objectivamente a ser nocturnas, mas deixarão de ser consideradas e pagas como tal.

E não é a utilização de expressões como "modernização da organização do trabalho", ou "dinamização da contratação colectiva" que pode modificar o conteúdo retrógrado do DL n.º 96/99.

A acrescentar a tudo o que acabamos de afirmar, esta matéria é da exclusiva competência legislativa da Assembleia da República, por força da conjugação dos artºs 17.º, 56.º , n.º 1, alíneas b) e c) e 165.º, n.º 1, alínea b) da CRP, pelo que o Governo não tinha competência para legislar sobre ela. Isto, no aspecto formal, claro, pois é um tanto surrealista considerar que compete, seja a que órgão for, decretar que a noite é dia.

Perante esta situação, a cessação de vigência do DL n.º 96/99, de 23 de Março é não só uma atitude de defesa da uniformização no progresso, de manutenção dos direitos adquiridos e da Constituição da República, mas também uma questão de bom senso, que só prestigiará a Assembleia da República.

Disse.