Suspensão da vigência das disposições do Código do Trabalho e da sua regulamentação relativas à sobrevigência das convenções colectivas de trabalho
Intervenção de Odete Santos
29 de Junho de 2005

 

 

 

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Teresa Caeiro,

Faço-lhe um pedido de esclarecimentos muito breve: percebo que, por ser vocacionada para a área da defesa, tenha mais conhe-cimento das questões espanholas do que das portuguesas.

Por isso, relativamente à sua intervenção, pergunto-lhe se conhece o Código do Trabalho e pergunto-lho, porque V. Ex.ª disse que a contratação colectiva, tal como nascia do Código do Trabalho, era para permitir que os trabalhadores tivessem melhores condições do que aquelas contidas na lei geral. Mas eu pergunto-lhe se conhece as disposições do Código do Trabalho que tornam possível que um trabalhador individualmente assine condições mais baixas do que as da lei.

V. Ex.ª não conhece o Código do Trabalho, nem sabe o que é que o PCP propôs sobre a questão dos jovens à procura do primeiro emprego, que não deviam ser contratados a prazo, se o trabalho fosse efectivo.

V. Ex.ª sabe exactamente do que está a falar?

Eu aconselhava-a a ir ler a História do século XIX, onde encontrará muitas das ideias deste Código do Trabalho, que é a desregulamentação completa do Direito de Trabalho. Sr.ª Deputada, nós, Deputados, não temos obrigação de ser enciclopédicos, mas também, quando fala-mos, temos a obrigação de falar daquilo que aprendemos, do que conseguimos aprender e, quanto ao res-to, pôr de lado.

(...)

 

Sr. Presidente e Srs. Deputados,

Em primeiro lugar, impõe-se que se diga claramente o que é que o PCP visou com este projecto de lei: não foi discutir questões de fundo, pelo que não tinha de vir aqui tratar também do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, mas tão-só apresentar uma iniciativa legislativa que o PS não pudesse recusar. No entanto, o PS irá recusá-la, com o seu voto contra, mas sem justificação.


O Sr. Deputado Jorge Strecht não explicou por que é que uma iniciativa que apenas se destina a suspender os artigos relativos à caducidade se vai confrontar com a iniciativa do Governo sobre o fundo da questão. Também temos em preparação um projecto sobre as questões de fundo e já apresentá-mos um outro sobre a contratação colectiva, no qual tratámos ainda do princípio do tratamento mais favorá-vel ao trabalhador.

O artigo 13º da Lei n.º 99/2003 impôs a renegociação forçada das convenções colectivas de trabalho anteriores à entrada em vigor do Código do Trabalho.

As convenções estavam, de uma maneira geral, no seu período de renovação, por vontade das partes outorgantes e de acordo com a lei em vigor. E, por força da citada disposição legal, as entidades patronais foram claramente convidadas a denunciar as convenções colectivas de trabalho vigentes na data da entra-da em vigor do Código do Trabalho, desde que tivesse decorrido, pelo menos, o prazo de vigência de um ano.

Por via de uma permissão legal, a que poderemos chamar mesmo de imposição, as reno-vações automáticas deixaram de produzir efeitos.

Tudo isto, conforme abundantemente documentado no processo legislativo, em nome da desregulamen-tação do direito do trabalho.

Consumou-se, assim, uma grosseira violação do direito à negociação colectiva, que, nos termos consti-tucionais, cabe apenas e tão-só às associações sindicais.

Consumou-se, assim, uma grosseira violação da própria liberdade sindical, já que, como diz o comité de peritos da liberdade sindical da Organização Internacional do Trabalho, o direito de negociar livremente sobre as condições de trabalho é um elemento essencial dessa liberdade.

Perante o relatório, impõe-se dizer que o artigo 13.º já se encontra precludido há muito tempo, pois ape-nas se destinava a permitir a denúncia no dia 1 de Dezembro de 2003 e não posteriormente, pelo que não tinha de ser suspenso.

Tudo foi calculado cirurgicamente. O processo legislativo teve de concluir-se, então, como todos nos lembramos, de supetão, para que as convenções fossem renegociadas nos meses em que normalmente se iniciam as negociações, ou seja, nos primeiros meses do ano.

Este procedimento viola claramente convenções da OIT. O comité de peritos, que referi várias vezes, tem sido chamado a pronunciar-se sobre questões deste género — e a Europa não está livre disso, pois sabemos como está o direito do trabalho na Europa nos finais do século XX e princípios do século XXI, em que a própria Noruega já foi condenada —, tendo concluído, em diversos casos, que renegociações força-das violam as Convenções n. os 87 e 98 da OIT, ratificadas, aliás, por Portugal.

Tanto assim é que, por exemplo, numa queixa apresentada contra o Canadá com base em restrições legislativas à negociação colectiva, o comité da liberdade sindical assinalou que o recurso a restrições legislativas da contratação colectiva tem um efeito nefasto e destabilizador sobre as relações de trabalho e pode minar a confiança nos sindicatos.

De facto, quer o artigo 13.º citado quer disposições do Código do Trabalho, como o já tristemente céle-bre regime da sobrevigência, não tiveram outro objectivo senão o de atacar os direitos individuais dos traba-lhadores e, simultaneamente, os direitos colectivos.

Nunca foi objectivo das normas do Código o de promover a contratação colectiva.

De resto, é ainda a própria OIT que, repudiando as intromissões abusivas das autorida-des públicas na contratação colectiva — justificada pelas próprias autoridades em nome da promoção da contratação colectiva, como dizia o ex-ministro Bagão Félix —, nos diz, com alguma ironia: «Nenhuma dis-posição do artigo 4.º da Convenção n.º 98…» (o artigo que fala da promoção da contratação colectiva) «… impõe a qualquer governo a obrigação de recorrer a medidas de pressão para obrigar as partes a negociar, medidas que teriam claramente por efeito a transformação das características de tais negociações.»

O anterior governo, que tantas vezes invocou a autonomia das partes no contrato de trabalho para pôr fim ao princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador — que foi o que aconteceu, bastando, para tal, ler o acórdão do Tribunal Constitucional na apreciação da fiscalização preventiva da constitucionalidade, onde há juízes que o afirmam —, mandou a autonomia «às urtigas» quando se tratou da negociação colec-tiva, visto que estabeleceu os mecanismos necessários para forçar as associações sindicais a aceitar bru-tais diminuições de direitos, sob a ameaça da caducidade das convenções colectivas de trabalho.

Este mecanismo — o da caducidade — ofende, assim, o direito à negociação colectiva e o princípio da liberdade sindical.

Não direi, porque não é verdade, que as propostas que o Grupo Parlamentar do PS apresentou em sede de especialidade (que tenho comigo) impediam a caducidade, pois implicitamente admitiam-na! Esta é uma pressão inadmissível imposta pelo poder político, que, desta forma, visa uma paz social podre, visto que a caducidade põe também em risco o legítimo exercício do direito de greve — basta ver o caso da Noruega, onde a arbitragem obrigatória foi usada para cortar greves em curso.

Assim, a caducidade das convenções colectivas deverá desaparecer da terminologia jurídica da legisla-ção do trabalho, pois só assim será verdadeiramente garantido o direito à contratação colectiva e a liberda-de sindical.

A arbitragem obrigatória, que segundo a OIT levanta problemas na aplicação da Convenção n.º 98, não é solução para resolver os problemas suscitados pela caducidade — nunca nos termos previstos no actual Código nem naquilo que se conhece das propostas do Governo —, porque a ameaça de caducidade, que o Governo quer agora manter explicitamente, forçará tal solução. Assim, porque não se retira a caducidade, a própria arbitragem obrigatória surge como medida restritiva da liberdade sindical e do direito à negociação colectiva.

É por isso que, apesar de algumas cautelas colocadas na redacção da proposta de arbitragem obrigató-ria apresentada aos parceiros sociais, como se mantém a caducidade, também o que é proposto não foge à violação das convenções da OIT. A arbitragem obrigatória põe também em causa, de resto, como já disse, o exercício legítimo do direito à greve.

Perante tudo isto, perante a ameaça de caducidade de convenções colectivas, constatando-se o atraso no debate sobre as questões de fundo, a suspensão proposta pelo PCP tornaria possível pôr cobro, de imediato, à possibilidade de uma ainda maior degradação das condições de trabalho.

O relógio do tempo ajustar-se-ia depois, que não pode caber na humanidade o retorno de um Código a normas que os trabalhadores foram derrotando.