Suspensão da vigência das disposições do Código do Trabalho e da sua regulamentação relativas à sobrevigência das convenções colectivas de trabalho
Intervenção de Francisco Lopes
 29 de Junho de 2005

 

 

 

Sr. Presidente,
Sr. as e Srs. Deputados:

O PCP traz hoje à discussão uma questão essencial do desenvolvimento do País e das características que definem o regime democráti-co: o problema dos direitos, das remunerações e das condições de vida dos trabalhadores com consagra-ção na contratação colectiva, agora ameaçada de extinção pelo Código do Trabalho, que constitui um dos mais graves retrocessos sociais da história recente de Portugal.

O Código representa um ataque sem precedentes aos direitos dos trabalhadores e encer-ra uma lógica brutal de agravamento da exploração, em clara colisão com os preceitos constitucionais.

A eliminação do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, o aumento da precariedade, o prolongamento dos contratos a prazo, o alargamento da mobilidade funcional e geográfica, a flexibilidade dos horários de trabalho e penalização do trabalho nocturno, a promoção dos despedimentos e da insegu-rança no trabalho, a restrição inconstitucional do direito à greve na fixação de serviços máximos a pretexto de serviços mínimos, a redução dos direitos e créditos de horas para a actividade sindical e das comissões de trabalhadores e a eliminação dos direitos conquistados pelos trabalhadores na contratação colectiva, com a instituição do processo coercivo da caducidade das convenções colectivas de trabalho, são algumas das principais malfeitorias que o Código do Trabalho contém.

Foi invocada a necessidade do Código para a dinamização da actividade económica, como se a activi-dade económica se desenvolvesse com menos direitos e na base da precariedade, da insegurança ou de uma ainda maior degradação das condições de vida.

Passou pouco tempo e a realidade está à vista. Desde que o Código está em vigor, a intensificação das deslocalizações e das falências e o aumento brutal do desemprego revelam bem a falta de credibilidade de tal argumentação.

O desenvolvimento do País implica a aposta num perfil produtivo mais elevado, para o que é indispen-sável uma política de melhores salários, mais direitos, estabilidade nos vínculos laborais e formação mais elevada, tudo isto oposto à lógica do Código do Trabalho.

O Código do Trabalho, com o seu carácter retrógrado, precisa de ser revogado e substi-tuído por uma legislação voltada para o futuro.

O PCP já apresentou dois projectos de lei para a revogação do Código do Trabalho e a sua substituição por uma legislação adequada e moderna, portanto, olhando para o futuro do nosso país.

Entretanto, uma das principais consequências da aplicação do Código são os bloqueios que criou à con-tratação colectiva. O número de convenções publicadas este ano, sendo superior ao do ano passado, é cerca de metade da média dos anos anteriores a 2004 e as principais convenções colectivas estão blo-queadas.

As organizações patronais estão a utilizar a caducidade da contratação colectiva prevista no Código do Trabalho como mecanismo de chantagem, dizendo aos sindicatos: ou aceitam a retirada de direitos inscri-tos na contratação ou os contractos colectivos são eliminados.

As organizações patronais, que, assim, em vários casos, boicotam as negociações, já começaram a pedir a caducidade dos contratos, para a qual estão a contribuir.

A concretização do direito à contratação colectiva exige que se restabeleça o equilíbrio da legislação laboral, destruído a favor das organizações patronais com a aprovação do Código do Trabalho.

Esse era o entendimento do actual Ministro do Trabalho, quando, na Legislatura anterior, dava voz a uma preocupação fundamental: «a de que esta proposta — o código do trabalho — desloque a favor das entidades patronais o frágil equilíbrio das relações de trabalho, nomeadamente por obrigar os sindicatos a negociar em situação de necessidade».

Era uma preocupação justa de então do Ministro do Trabalho e também é justa hoje, mas parece que, entretanto, houve mudança de opinião…

Quis, entretanto, o Governo PS protelar a revisão do Código, com a apresentação de propostas referi-das como urgentes a ser remetida não se sabe para quando e a consideração geral do Código adiada para daqui a um ano, após uma avaliação a partir de comissão constituída para o efeito, criando, assim, condi-ções para que o Código continue a fazer as suas malfeitorias.

Um protelamento grave em todos os preceitos desfavoráveis aos trabalhadores, mas particularmente ameaçador para a contratação colectiva que, por iniciativa das organizações patronais, pode ser eliminada em importantes sectores, pela aplicação da caducidade, enquanto se vão analisando as incidências do Código ao longo dos meses.

De facto, uma questão maior se coloca nos próximos meses: o assalto das organizações patronais à contratação colectiva, uma vaga de extinção administrativa de contractos colectivos de trabalho, a elimina-ção de importantes direitos de trabalhadores de diversos sectores de actividade e a diminuição considerá-vel das suas remunerações, afectando as condições de vida e de trabalho de mais de um milhão de traba-lhadores.

Foi isto que, há muito, foi programado pelo PSD e pelo CDS-PP, quando estavam no governo. Agora é o Governo PS que está a aplicar esse mecanismo de desestabilzação e destruição sem precedentes. Não apresentou qualquer solução; ao contrário tem-se associado ao PSD, ao CDS-PP e às organizações patro-nais no apoio à caducidade que criticava quando na oposição. Se nada for feito, o Governo PS assume uma grave responsabilidade.

O PSD e o CDS-PP ergueram o cadafalso com o Código do Trabalho; o Governo PS prepara-se agora para deixar cair a guilhotina, assumindo o papel de carrasco na liquidação de uma parte significativa da contratação colectiva e dos direitos que esta consagra. É ainda tempo para o evitar. A escolha é do Gover-no e da maioria que o suporta.

O PCP, com esta discussão, dá um contributo para resolver o problema.

Face à morosidade do processo de alteração ao Código do Trabalho, com o risco de caducidade efecti-va de importantes convenções, o PCP tomou a iniciativa de apresentar o projecto de lei que suspende as disposições do Código do Trabalho respeitantes à sobrevigência e caducidade das convenções colectivas de trabalho até à decisão final sobre as alterações ao mesmo.

Propõe o PCP que, até à apreciação definitiva do novo regime relativo à negociação colectiva de traba-lho, fique suspensa a vigência do artigo 13.º e do artigo 557.º do diploma anexo à Lei, ficando, durante este período, em vigor as disposições legais sobre a renovação automática dos instrumentos de regulação colectiva de trabalho anteriores ao Código.

Esta é a solução que o PCP propõe. É equilibrada, ponderada, prudente e resolve o pro-blema, evitando factos consumados.

A proposta do PCP é o mínimo aceitável, de modo a evitar que, enquanto se avalia e dis-cute, avancem as organizações patronais, pela calada dos corredores e gabinetes, eliminando os direitos de décadas, para, no dia em que a avaliação do Código esteja completa, esta já de pouco sirva em relação à contratação colectiva.

O que está em causa com a caducidade da contratação colectiva é muito. Fazer caducar a contratação colectiva é, por exemplo, retirar às operárias têxteis, muitas das quais recebem o salário mínimo nacional, o direito ao subsídio para amas e infantários para filhos até aos 6 anos; é, para mais de um milhão de traba-lhadores dos mais diversos sectores de actividade, impor a redução do pagamento de trabalho nocturno e dos subsídios de turno, e transformar o trabalho extraordinário em trabalho pago a singelo, levando a signi-ficativas reduções da sua remuneração mensal.

Numa situação sem precedentes quanto à concentração da riqueza, com os lucros dos maiores grupos económicos e financeiros a subir vertiginosamente, a exploração a intensificar-se, a pobreza a aumentar, quando tantas famílias têm que contar até ao último cêntimo o seu orçamento mensal e lhes sobra cada vez mais mês, é ainda mais inaceitável uma nova redução de rendimentos.

Fazer caducar a contratação colectiva representa um enorme salto atrás nos direitos e nas remunera-ções dos trabalhadores portugueses, uma marcha contra o progresso ditada pelas exigências da acumula-ção dos lucros, o comprometimento efectivo do direito à contratação colectiva e um real ataque à democra-cia.
A concretizar-se, é mais um passo na imposição de sacrifícios aos mesmos de sempre e mais benes-ses para os de costume. Há que evitá-lo!!

 

 

 

 

O Sr. Francisco Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pais Antunes, depois de ter andado meses e meses a defender o Código do Trabalho, a dizer que ele traduziria a prosperidade, o desenvolvi-mento económico, o emprego, estranho que aqui nada tenha referido sobre essa matéria. Mas compreen-do-o, porque o que verificamos, um ano e pouco após a aplicação do Código, é o contrário de tudo o que foi dito em relação às consequências do Código do Trabalho: são mais falências, são mais deslocalizações, é mais desemprego, que hoje atinge mais de 540 000 trabalhadores.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — É verdade!

O Orador: — Pode dizer-se que isso não é tudo efeito do Código. Não será. Mas também é verdade que o Código nada contribuiu para resolver esses problemas. É preciso que isso seja aqui afirmado…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Orador: — … e seria útil que o Sr. Deputado prestasse esclarecimentos quer à Assembleia da Repú-blica quer ao País.

Vozes do PCP : — Muito bem!

O Orador: — Por outro lado, em relação à legislação do trabalho, fala-se em modernidade, mas este Código inspira-se no século XIX; inspira-se no passado; inspira-se nos 48 anos de má memória, que tive-ram, nesta matéria, muitas traduções para os interesses dos trabalhadores.

E, na verdade, o que se passa em relação à contratação colectiva? O Sr. Deputado avançou números e eu até posso adiantar outros mais recentes, que se traduzem em 99 convenções e que abrangem 640 000 trabalhadores durante este ano. Ora, isso significa cerca de menos de metade da média anterior a 2004, significa que apenas um contrato, o da construção civil, abrange mais de 340 000 trabalhadores, que o essencial dos contratos mais importantes está ainda bloqueado e que há a ameaça real do cutelo da cadu-cidade.

Pergunto: será liberdade de negociação, será liberdade de contratação colectiva, aquilo que o Código prevê, quando diz aos sindicatos e aos trabalhadores que têm de escolher, que ou aceitam as propostas das organizações patronais, que limitam e limpam os seus direitos, que reduzem apreciavelmente as suas remunerações, ou, então, ficam sem contrato colectivo de trabalho?!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Orador: — Diga-me: isto é negociação colectiva? Isto é liberdade de negociação? Isto é liberdade de contratação colectiva?

Vozes do PCP : — Muito bem!

O Orador: — Isto é o espírito constitucional? Ou, pelo contrário, é o diktat das organizações patronais?!

Não me venha falar em liberdade, em igualdade de oportunidades, em equiparar as organizações patro-nais e os trabalhadores. A realidade mostra o contrário e é preciso que assumam as responsabilidades venções colectivas essenciais, que abrangem mais de 1 milhão de trabalhadores. É importante que não se crie a caducidade da contratação, que não se limpem os direitos dos trabalhadores, que não se promova uma redução das suas remunerações!

Já aqui referi que é inaceitável que trabalhadores que ganham o salário mínimo nacional, com a aplica-ção da caducidade, possam ver as suas remunerações diminuir em 30%. Isto significa que os critérios rela-tivos ao pagamento de subsídio de turno, de trabalho nocturno e a muitos outros aspectos virão por aí abai-xo. Isto é fazer com que paguem aqueles que têm muitas dificuldades. Isto é contra a justiça social. Isto é inaceitável no Portugal de hoje!

Se fala do futuro, então, precisa de ter em conta que o futuro, para os trabalhadores portugueses, não pode ser o regresso a padrões de vida do passado. O futuro, para os trabalhadores portugueses, tem de ser a melhoria das suas condições de vida e dos seus direitos. Mais: isto é condição de desenvolvimento do País, porque também não há desenvolvimento sem estabilidade dos vínculos de trabalho, sem mais possi-bilidades de formação, sem salários dignos.

Então, não nos venham dizer, como se disse em alguns casos, que é preciso certos níveis de remune-ração para certos cargos, para certas profissões.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: — Vou terminar, Sr. Presidente.

Será que isso não é válido para todos os trabalhadores?!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Quer-se, no início do século XXI, regressar a níveis salariais e de direitos do passado?! É isto que está aqui em causa e é isto que não pode ser aceite!

Aplausos do PCP .