Programa Nacional de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais
Intervenção de Francisco Lopes na sessão de apresentação
19 de Novembro de 1998

 

A droga é um dos grandes flagelos deste final de século, um problema que atinge fortemente a sociedade portuguesa.

A prevenção da toxicodependência implica um vasto e integrado conjunto de medidas, que passam pela prevenção, o tratamento, a reinserção social, a redução de riscos, mas passam também por um decidido combate ao tráfico de droga e ao branqueamento de capitais que a ele está ligado.

O negócio da droga, as somas enormes que movimenta, o poder que daí resulta, são elementos que estimulam a toxicodependência.

Podemos mesmo dizer que enquanto o tráfico de droga prosperar, enquanto as organizações criminosas reforçarem o seu poder, enquanto milhões e milhões de contos forem branqueados diariamente indo rechear os cofres de insuspeitas empresas e instituições financeiras, não haverá progressos significativos neste combate.

O branqueamento de capitais tem no tráfico de droga uma das suas principais fontes. Milhares de milhões de contos oriundos do negócio da droga e de outras práticas ilícitas, 75 mil milhões de contos anuais, segundo alguns peritos, entram no circuito legal dos negócios e tendem a envolver uma parte importante da economia no mundo da criminalidade.

O branqueamento de capitais é um problema de amplitude mundial, envolvendo poderosíssimas organizações criminosas que, com as actividades e dinheiro ilícitos minam e se interligam com o sistema económico e financeiro e com o poder económico e político, fomentam a corrupção, põem em causa a soberania e independência dos Estados e comprometem a própria democracia.

O combate efectivo ao branqueamento de capitais é uma das formas mais eficazes de atacar o tráfico, uma vez que não se limita à apreensão desta ou daquela quantidade de droga, atinge os traficantes e todos aqueles que beneficiam do tráfico naquilo que mais lhes dói, nos seus lucros e patrimónios ilícitos, atinge o coração do tráfico e dos interesses que dele resultam, reduzindo e liquidando o poder económico dos indivíduos e das organizações criminosas.

A dimensão que atingiu o tráfico de droga e o branqueamento de capitais não acontece por acaso. A desregulamentação e liberalização da economia e das actividades financeiras, dominantes no mundo actual, os paraísos fiscais, a crescente sofisticação das técnicas e a mundialização do branqueamento, a falta de vontade política e a insuficiência da legislação em muitos países, têm facilitado estas práticas criminosas e dificultam a acção para a sua prevenção e combate.

É certo que o combate ao branqueamento de capitais, cuja criminalização foi consagrada na legislação de muitos países, incluindo na portuguesa, tem vindo a ganhar apoios, mas sem que se verifique uma alteração efectiva da situação.

Em Portugal a legislação foi aprovada há cinco anos e os resultados até agora são mínimos, poucos processos, 25 até agora, e ainda menos condenações, até Março deste ano havia apenas uma detenção e os valores confiscados são pouco significativos. Entretanto muitos elementos apontam para a existência de um grave problema de branqueamento no nosso país, existindo estimativas que apontam para um valor anual superior a 100 milhões de contos, e para a previsão do seu agravamento futuro, nomeadamente com a progressiva eliminação de fronteiras e a introdução do Euro.

Esta situação de prática impunidade não pode continuar! É preciso fazer mais alguma coisa.

No prosseguimento da intervenção do PCP, a iniciativa que hoje promovemos é mais um alerta para este problema e para a necessidade de dar eficácia ao seu combate.

Apresentamos hoje a Brochura que reúne as intervenções e contribuições, do Fórum "Droga, Branqueamento de capitais em questão", que o PCP realizou em Maio passado com uma importante participação nacional e internacional.

Esta Brochura, passa a ser uma das poucas edições sobre o branqueamento de capitais disponíveis no nosso país e integra abordagens e informações que permitem conhecer melhor este problema e são um elemento útil para aprofundar a reflexão sobre as formas de o enfrentar.

Queremos mais uma vez agradecer a disponibilidade manifestada por entidades, técnicos e especialistas que enriqueceram o Fórum com as suas intervenções e deram consentimento á publicação das respectivas contribuições.

O Fórum levantou um conjunto de pistas, que foram também abordadas em encontros que mantivemos com várias estruturas e entidades.

É assim, no seguimento deste trabalho e no momento em que está a decorrer a Semana Europeia de Prevenção das Drogas e da Toxicodependência, que o PCP entendeu oportuno apresentar algumas ideias para levar mais longe este combate.

Propomos a criação do Programa Nacional de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais. Há legislação embora insuficiente, existem responsabilidades atribuídas a várias entidades, mas não há uma abordagem global, integrada e avaliada nesta área. A proposta de criação do Programa que agora apresentamos, pode permitir uma visão de conjunto, articulada, na definição de objectivos, na coordenação, no acompanhamento e na avaliação dos resultados, pode criar condições para um novo patamar de maior coerência e eficácia na prevenção e combate ao branqueamento de capitais.

Mas, além da criação do Programa, propomos também como contributo do PCP para este programa, num processo de elaboração que pensamos deve ter uma participação alargada, um conjunto de medidas integradas em quatro linhas de orientação visando:

Do vasto conjunto de propostas queremos destacar as seguintes que se destinam a:

Defender a participação activa do Estado Português nos esforços das Nações Unidas para alargar ao conjunto dos países, a aplicação da criminalização do branqueamento de capitais, oriundo do tráfico de droga e de outras actividades ilícitas;

Reforçar a cooperação entre as magistraturas, dos vários países, designadamente com a criação de mecanismos que permitam a ligação directa entre magistrados;

Regulamentar, controlar e promover a transparência e a fiscalização das actividades financeiras, em particular: o controlo e taxação de todos os movimentos de capitais, nomeadamente no que respeita às operações financeiras de curto prazo; o desmantelamento dos paraísos fiscais/"off-shore"; a adopção de medidas especiais de controlo, fiscalização e taxação enquanto não for possível o seu desmantelamento; a proibição das empresas, serviços e institutos públicos ou de capitais públicos, de actuarem a partir dos paraísos fiscais e proibição de contratos ou negócios com o Estado ou outras entidades públicas por parte das entidades sediadas ou com escritórios nos paraísos fiscais; eliminação do acesso a subsídios, benefícios fiscais ou qualquer outro tipo de incentivos públicos a empresas que realizem operações em "off-shore";

Aprovar legislação de controlo dos bancos on-line, bem como de outras formas de armazenamento, processamento, transacção ou emissão de valores em suportes electrónicos, incluindo os cartões inteligentes, que tendem a processar dinheiro ou unidades recuperáveis de valor, fora do sistema financeiro tradicional;

Criar mecanismos de registo eficaz e verificável de bens, nomeadamente a integração dos títulos ao portador no sistema escritural, com a obrigação do registo ou depósito das acções, de modo a tornar transparente e detectável a sua posse, e a permitir a respectiva tributação;

Reforçar o combate ás fraudes fiscais, designadamente com a criminalização da fraude fiscal nos casos em que esta atinja um montante significativo de impostos, com práticas ou omissões fraudulentas, prevendo a aplicação de penas de prisão e multas até ao décuplo dos impostos iludidos e o levantamento do segredo bancário também em matéria fiscal;

Aperfeiçoar a legislação, particularmente a destinada á detecção, congelamento, arresto e confiscação dos patrimónios ilegais (bens mobiliários e imobiliários), nomeadamente prevendo a perda a favor do Estado, dos bens de membros de associações criminosas ligadas ao tráfico de droga e/ou ao branqueamento de capitais, sobre os quais haja, fundada suspeita de resultarem de actividade criminosa e de que não seja provada a origem lícita.

Alargar ao branqueamento de capitais a moldura penal agravada, já prevista para membros de associações criminosas que se dedicam ao tráfico de droga.

Melhorar a definição do que é branqueamento de capitais e alargar o elenco dos crimes primários enunciados no Dec. Lei Nº 325/95 de 2/12, designadamente ao tráfico de pessoas, tráfico de órgãos e tecidos humanos, pornografia envolvendo menores, tráfico de espécies protegidas e do tráfico de produtos nucleares;

Alargar a outras entidades, designadamente às que intervenham como intermediárias de negócios envolvendo montantes elevados (casas de câmbio, advogados, conservadores, etc), os deveres de comunicação ou notificação na base da adopção de disposições legislativas, administrativas e de autoregulação adequadas a que essa abrangência seja inequívoca; Alargar o prazo de duração da suspensão de operações bancárias suspeitas, previsto no Artigo 11º do Dec. Lei 313/93 de 15/9;

Consagrar a possibilidade de o recurso sobre a decisão do juiz de primeira instância, relativa ao levantamento do segredo bancário, não ter efeito suspensivo dessa decisão;

Criar uma estrutura de coordenação e avaliação da prevenção e combate do branqueamento de capitais envolvendo as entidades de supervisão e controlo e as estruturas da área da investigação e da justiça (Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários-CMVM-, Instituto dos Seguros de Portugal, Inspecção Geral de Jogos, Inspecção Geral das Actividades Económicas, Administração Fiscal, Procuradoria Geral da República, Polícia Judiciária).

Criar um organismo independente encarregado de controlar, as actividades financeiras, nomeadamente as transferências entre instituições financeiras, as transferências electrónicas de e para off-shores e entre off-shores que passam pelo nosso país, com a possibilidade de acesso ás estruturas informáticas das instituições financeiras sempre que for necessário proceder a investigações;

Aprovar medidas especiais, relativas ao branqueamento de capitais, no âmbito da introdução do Euro;

Utilizar eficientemente os meios colocados á disposição do Ministério Público e da Polícia Judiciária optimizando estruturas, capacidades técnicas e humanas, e concretizar o seu anunciado reforço, de modo a garantir uma investigação eficaz dos grandes canais, processos e acções de branqueamento de capitais, aos quais deve ser dada uma atenção prioritária.

Concretizar as medidas de formação específica das magistraturas nesta área.

Estabelecer a obrigatoriedade de uma informação anual à Assembleia da República sobre a situação em matéria de branqueamento de capitais e as medidas tomadas para a prevenção e combate a este fenómeno da responsabilidade das entidades de fiscalização, supervisão, controlo, investigação e combate ao branqueamento nas várias áreas de intervenção.

No âmbito da sua acção política e em iniciativas legislativas o PCP formalizará estas orientações e propostas, com o objectivo de prevenir a criminalização da economia e do sistema financeiro, combater o narcotráfico, fazer recuar a toxicodependência e para defender a própria democracia.

A concretização da resposta política que a dimensão do problema do branqueamento de capitais e a perspectiva do seu agravamento impõem, exige orientações, iniciativas e medidas ajustadas, mas depende acima de tudo da vontade política.

No mundo de hoje o salto qualitativo que se impõe para combater o tráfico de droga e o branqueamento de capitais implica profundas alterações no sentido de uma nova e mais justa ordem internacional.

A promoção da actividade produtiva, o controlo, redução e reorientação socialmente útil do capital especulativo, o aprofundamento da democracia e da participação popular, o combate contra o pensamento único, são elementos essenciais nesta direcção.

O êxito na luta contra o tráfico de droga e o branqueamento de capitais depende igualmente da capacidade e vontade internacional, na promoção duma política de cooperação efectiva com os países menos desenvolvidos, que passe por uma economia de substituição e controlo da cultura de plantas base de produção de estupefacientes, pela implementação de planos de desenvolvimento sustentável, que lhes permita romper o ciclo da pobreza e subdesenvolvimento, e pela anulação da dívida externa, autêntico garrote ao seu progresso económico e social.

O PCP pioneiro na abordagem da prevenção do branqueamento de capitais no nosso país, tem intervido regularmente sobre esta questão, dessa intervenção destacamos, este ano, além do Fórum Droga: Branqueamento de capitais em questão e da iniciativa para a criação do Programa Nacional de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais agora divulgada, a proposta de uma Audição Parlamentar com entidades e especialistas sobre o branqueamento de capitais, que já foi aprovada pela Assembleia da República. Audição cuja rápida concretização é de grande importância para, passados cinco anos sobre a legislação relativa à criminalização do branqueamento de capitais, permitir um mais profundo conhecimento da situação e da resposta necessária.

Queremos aqui anunciar também a realização de uma reunião do Grupo Unitário da Esquerda Europeia/Esquerda Verde Nórdica, aberta à participação de outros deputados, consagrada à análise da situação, ao reforço da cooperação entre os vários países e à consideração de propostas a apresentar, para o combate ao branqueamento de capitais, em particular ás associações criminosas.

O PCP continuará a assumir as suas responsabilidades, contribuindo para um mais profundo conhecimento destes problemas, criticando, apontando caminhos e propondo medidas para prevenir e combater a droga e o branqueamento de capitais, no quadro da luta por uma nova e mais justa ordem internacional e por uma alternativa global de sociedade.