A propósito de recentes declarações do Director-Geral dos Serviços Prisionais, abordou a problemática da introdução de droga nas prisões
Intervenção de António Filipe
21 de Outubro de 2004

 

 

Sr. Presidente e Srs. Deputados:

 

Pudemos ler na comunicação social que o Sr. Director-Geral dos Serviços Prisionais, participando numa conferência, se referiu ao problema de introdução de droga nas prisões e considerou que tal facto era devido, fundamentalmente, a dois aspectos: um deles tinha a ver com os funcionários — era introduzida pelos funcionários dos serviços prisionais — e a outro com os visitantes — era introduzida pelos familiares e amigos que visitam os reclusos.

 

Podemos compreender que o Director-Geral dos Serviços Prisionais esteja preocupado com o problema da introdução de droga nas prisões — ele está legitimamente preocupado e todos nós estamos — e compreendemos também a necessidade de tomar medidas que possam evitar essa introdução. Contudo, há duas coisas que o Director-Geral dos Serviços Prisionais fez e não pode fazer de maneira alguma: uma delas é lançar, indiscriminadamente, um anátema sobre os funcionários da guarda prisional, responsabilizando-os pela introdução de droga nas prisões; a outra é pretender limitar as visitas aos reclusos por parte de familiar e amigos, considerando essa limitação como uma medida destinada a evitar a introdução de droga nas prisões. Ora, essa foi uma medida claramente aventada pelo Director-Geral dos Serviços Prisionais, que disse, inclusivamente, que ela estava em estudo.

 

Sr. Presidente e Srs. Deputados:

 

Consideramos que uma medida dessas seria absolutamente inaceitável e deve ser liminarmente rejeitada, porque os milhares de pessoas que têm familiares e amigos nos estabelecimentos prisionais não podem ser tratados como se fossem traficantes de droga. Se o problema é a falta de funcionários, então que esse problema seja resolvido; mas não se faça os reclusos e os seus familiares e amigos pagarem pela falta de funcionários na guarda prisional.

 

O sistema prisional português carece de uma maior humanização e de ver dignificadas as suas condições — aliás, há um amplo consenso nesta Câmara acerca disso — e não é com a redução das visitas que se humaniza o sistema prisional.

 

Como se sabe, foi proposta uma profunda reforma do sistema prisional numa comissão presidida pelo Prof. Freitas do Amaral, aliás por incumbência do governo. Só que, como ontem mesmo foi afirmado pelo Prof. Freitas do Amaral, com a mudança de governo já se perdeu tempo e a reforma estará, neste momento, atrasada cerca de um ano.

 

Ora, importa recuperar esse atraso, importa tomar as medidas que estão previstas na reforma do sistema prisional e que o anterior governo assumiu — pensamos que o actual Governo deve, obviamente, honrar esses compromissos —, é preciso tomar medidas para, designadamente, dar cumprimento, o mais rapidamente possível, a uma resolução desta Assembleia que determinou a erradicação do balde higiénico do sistema prisional. Mas, seguramente, nenhuma dessas medidas deve passar pela redução do direito dos reclusos a receber a visita dos seus familiares e amigos e, obviamente, pela redução dos familiares e amigos que estejam em situação de reclusão.

 

Portanto, queremos aqui repudiar essas declarações e fazer votos para que a reforma do sistema prisional avance, o mais possível, nos prazos que estão previstos e se tomem, de factos, medidas reais para dignificar e humanizar o sistema prisional em Portugal

 

(...)

 

Sr. Presidente e Srs. Deputados Teresa Morais e Francisco Louçã:

 

Em primeiro lugar, muito obrigado pelas questões que colocaram. Começando por responder à Sr.ª Deputada Teresa Morais, creio que é justo reconhecer a preocupação que a Sr.ª Deputada tem manifestado relativamente ao sistema prisional português, inclusivamente dinamizando visitas da Subcomissão de Justiça aos diversos estabelecimentos prisionais. Saúdo-a por isso e pela preocupação que tem manifestado. Sr.ª Deputada, não considero que tenha feito aqui uma intervenção alarmista, na medida em que me limitei a citar a intervenção do Director-Geral dos Serviços Prisionais tal como ela vem referida em vários órgãos de comunicação social.

 

Não tive, naturalmente, o privilégio de assistir ao colóquio em que estas declarações foram feitas, obviamente reporto-me à informação que obtive acerca delas e, de facto, consideroas, no mínimo, infelizes.

 

Portanto, se o Sr. Director-Geral dos Serviços Prisionais entende que estas declarações estão descontextualizadas ou não correspondem ao que disse, devia tomar a iniciativa de corrigi-las publicamente, ou de contextualizá-las devidamente. Caso ele não o fizesse, devia ser o Governo a fazê-lo, porque, obviamente, o Governo não deixa de ser responsabilizável politicamente pelas declarações que são feitas por um alto responsável do Ministério da Justiça, concretamente o Director-Geral dos Serviços Prisionais. De facto, que o direito fundamental às visitas não deve ser posto em causa e não deve ser reduzido. Se há problemas com o número excessivo de visitas, que será determinado não pelo excesso de visitas mas pela dificuldade em meios humanos e em condições nos serviços prisionais para assegurá-las devidamente, é esse problema que deve ser resolvido e melhorada a situação. Isto é, devem ser encontradas melhores condições de pessoal, de instalações, de segurança, para que haja, de facto, um controlo adequado das visitas aos estabelecimentos prisionais. O que não se deve é optar pela solução aparentemente mais fácil mas obviamente lesiva de direitos fundamentais, a de reduzir o número de visitas.

 

Aliás, o Sr. Director-Geral – e reporto-me, mais uma vez, ao que é referido na comunicação social – dá um exemplo que, creio eu, não deve ser de seguir. Disse ele que visitou cadeias em Inglaterra onde as visitas se resumem a duas horas por mês.

 

Ora, creio que esse é um exemplo infelicíssimo e Portugal não devia, de maneira nenhuma, seguir por esse caminho. Devemos ir por um caminho diferente, que é o de respeitar os direitos fundamentais das pessoas que estão em situação de reclusão e os dos seus familiares e amigos, de forma a poderem visitá-los quando se encontram nessa situação. É esse o direito fundamental que importa salvaguardar e era importante que houvesse aqui um consenso sobre essa matéria, de modo a que não se venha a verificar no nosso país, em nome do combate à entrada de droga nas prisões — que é um combate legítimo, justo e indispensável —, uma redução das visitas nos estabelecimentos prisionais.

 

Sr. Deputado Francisco Louçã, a sua surpresa com as declarações do Sr. Primeiro-Ministro e com a medida por ele aventada é tão grande como a nossa, porque, de facto, tratar-se-ia de uma medida absolutamente surpreendente e obviamente absurda.

 

Contudo, Sr. Deputado, se pensarmos bem, como já vimos maqueiros a funcionar como técnicos de informática no Ministério da Educação, não sabemos o que é que o futuro ainda nos vai reservar.

 

Mas esperemos, Sr. Deputado, que o bom senso prevaleça e que medidas como esta não passem, de facto, de declarações sem consequências.