Intervenção do
deputado Octávio Teixeira

Lei de financiamento dos Partidos Políticos

7 de Janeiro de 1998



Senhor Presidente,
Senhor Ministro,
Senhores Deputados

No entendimento do PCP, a abertura de um novo processo de revisão da lei de financiamento dos partidos políticos, após as alterações introduzidas em Agosto passado, só tem sentido e só se justifica para corrigir o que, no plano dos princípios e orientações de fundo, não foi resolvido com a Lei 56/98:

concretamente, a proibição do financiamento por empresas e uma mais substancial redução dos limites das despesas eleitorais!

E é isto que o PCP, mais uma vez, propõe.

Tudo o resto é procurar desviar o debate político destas questões centrais, é procurar escamotear o nó górdio do problema com a multiplicação de propostas de normativos administrativos para dar a falsa imagem de uma grande preocupação e rigor, mas que mais não são que a tentativa de criar um autêntico espartilho burocrático, que apela à multiplicação de "esquemas" e à tentação de soluções irregulares para contornar excessivas exigências administrativas impostas por lei.

Ou tratar-se-á, ainda, de normativos que partem do pressuposto que os partidos políticos são delinquentes irrecuperáveis e organizações sob permanente suspeita, a quem são reconhecidos menos direitos que às empresas, aos organismos do Estado e a outras organizações sociais e cívicas.

E fazemos estas afirmações com a autoridade moral e política de que o PCP se pode reclamar nesta matéria.

Por um lado, porque, como o Tribunal Constitucional o tem reconhecido em sucessivos acórdãos, somos o partido que tem apresentado contas consolidadas nacionais e globais e que mais cabal cumprimento tem dado às exigências da lei nos campos administrativo e contabilístico.

Por outro lado, exigimos que a lei trate os partidos como "pessoas de bem". Porque é esta, e só esta, a experiência que temos no PCP.

Pela nossa parte, não estamos disponíveis para fazer cedências a tentativas de mera demagogia junto de correntes de opinião pública e que apenas visam desviar as atenções da questão principal e de efeitos mais perversos, que é a da eventual promiscuidade de interesses entre poder político e poder económico.

O PCP sempre se opôs, de forma clara e inequívoca, ao financiamento de partidos políticos e de campanhas eleitorais por empresas, sejam elas públicas ou privadas.

Nas alterações à lei de financiamento dos partidos políticos, em 1993, em 1995 e em 1997, o PCP foi o único partido que nos seus projectos de lei incluiu a proibição do financiamento por empresas e, dos quatro maiores partidos com representação parlamentar, foi o único que votou contra a legalização do financiamento por empresas.

Essa legalização, votada favoravelmente por PS, PSD e CDS/PP, tem sido um grave erro para a credibilidade do regime democrático e para a promoção da confiança dos cidadãos nos partidos políticos. Têm agora mais uma oportunidade para repararem o erro que cometeram.

Mais vale tarde que nunca!

Pela parte do PCP, reafirmamos que o financiamento da vida política por empresas é inaceitável e deve ser inequivocamente proibido. Por razões que já noutras oportunidades tivemos ocasião de ressaltar.

"Desde logo, porque o financiamento privado dos partidos políticos tem como razão última a opção politico-partidária. E essa opção é de pessoas e não de empresas.

Por outro lado, porque não se vislumbram que razões altruístas possam levar empresas a financiarem um partido político, já que, por natureza, o objectivo essencial e a razão de existência de empresas privadas é a obtenção e maximização do lucro. Por detrás desses financiamentos sempre haverá, expressa ou implicitamente, a perspectiva de obtenção de uma contrapartida, em matéria de legislação, de adjudicações, de benefícios fiscais ou subsídios compensadores.

Isto é, esse financiamento tende a criar laços de reciprocidade entre financiadores e financiados e a implicar importantes riscos de corrupção.

E não colhe a estafada e sofística tese de que ou há financiamento empresarial legal ou há financiamento camuflado e ilegal. É uma falsa alternativa, que parte de um pressuposto errado que recusamos: o de que sempre terá de haver financiamento da vida política por empresas.

Precisamente o que está em causa é a inadmissibilidade do financiamento por empresas, quer ele seja legal ou ilegal."

E se é certo que nenhuma lei pode impedir eventuais comportamentos culposos, não é menos verdade que a responsabilidade incumbe aos que transgridem e não aos que legislaram regras moralizadoras, e que só existindo essas regras os transgressores podem ser devida e publicamente culpabilizados e punidos.

Mas mais. Se aceitássemos essa tese, inevitavelmente seriamos levados concluir que, apesar de hoje serem legalmente admissível os donativos por empresas, partidos políticos haveria (ou haverá) que continuam a receber financiamentos ilegais de empresas.

E isto porque os financiamentos declarados nas contas que submetem ao Tribunal Constitucional são pouco mais que ridículos no seu montante global.

O que suscita uma questão essencial, que não pode ser escamoteada: a de que, qualquer que seja o regime legal, o financiamento por empresas depende em última análise da vontade e da ética dos partidos políticos.

Pela parte do PCP, defendemos o princípio e recusamos a prática!

Por outro lado, só a demagogia pode querer colocar no mesmo plano o financiamento por empresas e donativos de cidadãos, ainda que eles sejam empresários (nas condições e limites estabelecidos na lei para as pessoas singulares).

Aos cidadãos, a qualquer cidadão, não é possível recusar o direito a uma filiação ou simpatia partidária.

Pegando num exemplo hoje ouvido na rádio, sempre direi que é completamente diferente um donativo do sr. Belmiro de Azevedo de donativos concedidos pelo Grupo SONAE. Pelas razões gerais que anteriormente aduzi. Mas também porque o sr. Belmiro é apenas um, e são de muitas dezenas as empresas do grupo Sonae!

Por tudo isto, a posição do PCP nesta matéria mantém-se inalterada: "o financiamento dos partidos e da actividade politico-partidária deve assentar nas contribuições dos seus militantes e simpatizantes, dos eleitos em sua representação e nas subvenções estatais que assegurem um mínimo de igualdade de oportunidades e de tratamento dos diversos partidos políticos e candidaturas."

Só assim será prosseguida a transparência da vida política.

Senhores Deputados,

Se a abertura deste novo processo de revisão da lei de financiamento for para pôr fim ao "patrocínio" financeiro de partidos por empresas, contem com o PCP para "levar a carta a Garcia".

Mas se alguém visar apenas lançar cortinas de fumo e poeira para os olhos da opinião pública, fazer muito barulho para que o essencial fique na mesma, por aí, por esse caminho, não iremos.