Declaração Política
Intervenção de Bernardino Soares
26 de Abril de 2006


Senhor Presidente,
Senhores Deputados,


O parlamento tem vivido dias difíceis, abalados pelas dificuldades de funcionamento das últimas semanas. Não desvalorizamos nenhum aspecto da grave e inaceitável situação criada com a falta de quórum de votação, nem menorizamos a imagem de deficiente funcionamento que deu, a questão da falha do sistema electrónico.

É evidente para o PCP, que a valorização do Parlamento se faz também pelo correcto exercício do mandato dos Deputados, da responsabilidade de cada um, mas também evidentemente dos partidos por que foram eleitos.

Mas não alinharemos nem por um segundo, quer em abusivas generalizações que pretendem esconder as diferenças de comportamento entre Deputados ou as diferenças de postura entre partidos, quer no populismo que transforma estes erros do Parlamento na principal causa da degradação da situação do país e da democracia.

Sabemos bem a quem convém esta situação. Ela é do agrado dos que ocupam o Governo há mais de três décadas e que são responsáveis pela situação do país, também no plano social, porque assim se eximem às suas responsabilidades. Ela é do agrado dos grandes grupos económicos que beneficiam das políticas de direita, porque diminuem a possibilidade de crítica e denuncia das vantagens que os governos lhes proporcionam. Ela é do agrado dos que querem uma Assembleia da República desprestigiada para que lhe seja mais difícil exercer as suas funções de fiscalização do poder executivo.

Pela nossa parte manteremos, como sempre, um rigoroso desempenho do mandato, sempre marcado pela disponibilidade para o contacto com os eleitores e os problemas do país, firmemente empenhado em fiscalizar o Governo e propor as políticas alternativas que constituem o nosso compromisso perante os portugueses.

Dito isto, importa também abordar uma outra questão. É a questão das pseudo-soluções legislativas eleitorais para a dignificação do Parlamento.

É que no meio do coro geral de críticas, logo apareceram os defensores das soluções do costume: a redução do número de Deputados e a criação de círculos uninominais. Logo vieram representantes destacados do PS e do PSD, secundados por toda a espécie de comentaristas, com o velho sonho da bipolarização forçada pela lei.

Numa atitude que se pode qualificar no mínimo de oportunismo demagógico, aproveitaram o clamor que se gerou com as recentes dificuldades do Parlamento, para semearem a falsa ideia de que só com aquelas medidas a situação se resolve.

Em linha com o que têm vindo a propor para as autarquias locais, no sentido do monolitismo dos órgãos executivos, querem uma Assembleia da República mais domesticada e concentrada nos dois partidos com maior representação.

Os argumentos são os do costume.

Dizem que só com os círculos uninominais se garantiria a proximidade eleito/eleitor. Mas o que impede os Deputados de praticá-la desde já? O que os impede e aos seus Grupos parlamentares de fazerem, tal como o PCP fez por exemplo na preparação da última interpelação ao governo, contactos mais frequentes com os eleitores, visitas às situações de dificuldades e crise? O que impede por exemplo os Deputados do PS e do PSD de estarem com os trabalhadores de empresas em crise quando lutam pelos seus direitos? Será a inexistência de círculos uninominais ou antes a responsabilidade dos seus partidos pela política que leva àquelas situações? Na verdade não há lei que possa garantir essa proximidade se a prática dos próprios não for nesse sentido.

Dizem que só com os círculos uninominais os Deputados se sentiriam responsáveis porque eleitos por uma determinada circunscrição. Isso seria aliás reconhecer que nos respectivos partidos os Deputados hoje não se sentem responsabilizados. E seria também abrir a porta à multiplicação de episódios “limianos” com toda a perversidade que isso traria à vida política. Esta é uma ideia assente na concepção que privilegia a responsabilização individual do Deputado em detrimento da força política que representa e pela qual concorre nas eleições. É certo que os factores individuais de candidatura têm importância. Mas será que alguém pode dizer com honestidade que esses são os factores determinantes em cada círculo eleitoral? É evidente que a maioria das opções de voto se determinam por questões e dinâmicas gerais e nacionais. Sobrevalorizar a relação entre eleitores e os deputados individualmente só serve de facto a quem quer disfarçar as severas responsabilidades dos partidos e dos governos que apoiam, nas políticas nacionais.

Outros propõem ainda a redução do número de Deputados, em nome da eficácia do Parlamento e procurando aproveitar a ideia de que os Deputados são uma espécie de gasto mais ou menos inútil que deve, se possível, ser reduzido. Tal redução, continuando um percurso anterior que já prejudicou a representatividade partidária, significaria obviamente uma maior concentração de representação nos dois partidos com maior representação.

Os que propõem círculos uninominais juram a pés juntos que será respeitada a proporcionalidade. Independentemente da dificuldade em não diminuir a proporcionalidade em tal sistema, o mais importante é que a criação de círculos uninominais criaria uma dupla bipolarização aos eleitores. À artificial concepção, sempre propagandeada pelo PS e pelo PSD de transformar as eleições para a Assembleia da República em eleições para o Primeiro-ministro, acrescentar-se-ia agora a bipolarização local de, em cada círculo uninominal, na esmagadora maioria dos casos, se poder apenas escolher entre os mesmos dois partidos.

E assim temos que as soluções que logo apresentam estes partidos em face de uma situação que descredibilizou a Assembleia da República, são no sentido de diminuir o pluralismo e a representatividade plural das diversas correntes políticas da sociedade portuguesa. Vão aliás no sentido de beneficiar aqueles que proporcionalmente são os maiores responsáveis pelas situações censuráveis que ocorreram nesta casa. Uma espécie de benefício do infractor.

Como se a solução para as dificuldades do Parlamento fosse amputá-lo da sua diversidade. Como se a saída para os problemas da democracia fosse empobrecê-la ainda mais.

Quem quer proximidade pratica-a; não a anuncia, nem precisa de eleição uninominal para o fazer. O que os proponentes destas alterações querem não é proximidade, é tranquilidade. Tranquilidade para poderem manter as políticas de sempre e não terem de contar com a oposição de parte significativa das restantes correntes políticas

Tais propostas conduziriam no fundamental a uma redução crescente do Parlamento ao PS e ao PSD, os dois partidos que acumulam as maiores responsabilidades pela situação a que o país chegou. Porque a principal causa do descrédito da política, não são os episódios do Parlamento. São as promessas não cumpridas, as políticas que agravam os problemas do país e prejudicam a vida das pessoas. São as restrições aos direitos, são as injustiças e as desigualdades.

Combateremos firmemente estas propostas. Desmentindo os seus falsos argumentos, revelando as suas verdadeiras intenções e contrapondo uma prática de sempre: a defesa intransigente dos interesses dos trabalhadores, do povo e do país; a defesa do pluralismo e de uma democracia que não pode ficar reduzida às duas faces de uma mesma política.


Disse.