Proposta de Lei nº 44/VII, que altera a Lei Orgânica do Banco de Portugal, tendo em vista a sua integração no sistema Europeu de Bancos Centrais
Intervenção do deputado Lino de Carvalho
19 de Novembro de 1997

 

Senhor Presidente,
Senhor Ministro,
Senhores Deputados,

O acto a que a Assembleia da República é hoje chamada é, por si só, um significativo exemplo do que serão, no futuro, após a criação da moeda única, as enormes limitações ao exercício da soberania nacional.

Vamos, formalmente, votar a alteração dos estatutos do Banco de Portugal. Mas só formalmente. É que antes de nós já "votou" quem de facto, decide (e já decidiu), o Instituto Monetário Europeu, cujas "ordens" foram, aliás, prontamente acatadas e incorporadas no texto da proposta que nos é presente.

Poderia a Assembleia da República querer eventualmente introduzir alterações à proposta de lei mas esta nova "democracia do Euro" diz-nos que quem tem poderes para decidir dos estatutos do Banco Central não são os deputados nacionais eleitos com o voto popular mas os burocratas do Instituto Monetário Europeu submetidos às ordens do Deutsche Bundesbank.

Instituto Monetário Europeu que, no seu parecer sobre os novos estatutos do Banco de Portugal, saúda significativamente "a oportuna e correcta adaptação dos estatutos" e sublinha "com particular satisfação a maneira abrangente como a adaptação dos estatutos está sentida na proposta de lei nº 144/VII.

Ao contrário do que afirma a nota justificativa e o preâmbulo da proposta de lei não estamos perante alterações que consagrem um maior quadro de autonomia para o Banco de Portugal.

Bem, pelo contrário. O Banco de Portugal passa a ficar dependente, quanto às decisões fundamentais na orientação e fiscalização dos mercados monetário e cambial do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central como, aliás, está claramente, expresso no futuro artigo 3º que sujeita o Banco de Portugal "ao disposto nos Estatutos" daquelas entidades e "actuando em conformidade com as orientações e instruções que o Banco Central Europeu lhe dirija".

Toda a actuação futura do Banco de Portugal fica sujeita ao acordo e à orientação do BCE cuja Comissão Executiva será constituída por seis funcionários, delegados dos mercados financeiros, nomeados por oito anos, com poderes de execução da política monetária e de dar instruções aos bancos centrais nacionais.

É a total alienação da soberania de Portugal em matéria de definição da política económica e monetária. É a construção do edifício-sede do federalismo económico.

E até por essa razão maior importância assumem as propostas da Comissão de Trabalhadores do Banco de Portugal no sentido, que nos parece positivo, de consagrar uma maior transparência na actividade da instituição e de reforçar a intervenção dos trabalhadores do Banco e da sua organização representativa que, em sede de especialidade, deverão ser consideradas.

Senhores Deputados,

Como afirmam os mais insuspeitos analistas a criação do banco Central Europeu - de que a alteração dos estatutos do Banco de Portugal é parte integrante - "é um passo para a construção de um estado europeu", naturalmente com o apoio e o aplauso do PS, do PSD e agora, finalmente despida a máscara, do PP.

O PCP não aceita este passo decisivo para a perda de soberania monetária. Não por razões de um qualquer nacionalismo estreito e atávico, mas porque a total subordinação do Banco de Portugal e da nossa política monetária às ordens do futuro Banco Central Europeu não serve os interesses da economia portuguesa, não serve Portugal nem os portugueses.

Ao contrário do que nos pretendem fazer crer a moeda única não vai criar estabilidade, o que vai criar é uma moeda forte com uma taxa de câmbio elevada prejudicial ao emprego e às economias de menores produtividades como a portuguesa; A moeda única não vai fazer desaparecer a especulação monetária num universo onde o dólar não é suprimido, pelo contrário o desejo de competir com o dólar provocará não fenómenos de cooperação mas de choques dentro da própria União Europeia.

Em contrapartida a gestão da política monetária e da taxa de câmbio ou as margens de manobra necessárias a uma política orçamental que responda às necessidades de mais investimento, mais emprego e mais desenvolvimento, ficam coarctadas e sujeitas aos critérios restritivos do Banco Central Europeu que por sua vez são definidos em funções dos interesses da economia alemã e dos grandes grupos financeiros europeus.

Um exemplo imediato já aí está: em nome das restrições monetárias impostas pelo caminho para a moeda única a tão propagandeada Cimeira do Emprego não irá ter nenhuma decisão efectiva nem influência real na criação de emprego; não será mais do que uma caridosa declaração de intenções para acalmar espíritos inquietos e dar a ilusão de que moeda única também rima com emprego.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

É isto que está em jogo hoje e aqui, na alteração dos estatutos do Banco de Portugal com vista à sua total subordinação às orientações do Banco Central Europeu, como instrumentos necessários à construção do edifício que irá gerir a moeda única e toda a política monetária e cambial do nosso País.

No essencial o Banco de Portugal não será mais, no futuro, do que uma delegação em Portugal, do Banco Central Europeu.

E o que estamos aqui a fazer hoje não é mais do que darmos cenário a uma decisão que já foi tomada na sede do Instituto Monetário Europeu, a aprovação dos novos estatutos do Banco de Portugal.

A esta alienação da nossa soberania numa questão fundamental; a este caminho para o federalismo económico; a esta democracia virtual, o PCP diz não.

Disse.