Segurança Social Pública Que futuro?
Conferência de Imprensa com Fernanda Mateus, da Comissão Política do PCP
Lisboa, 8 de Maio de 2006


1. O PCP alerta para o facto da «reforma estrutural da segurança social», anunciada pelo primeiro-ministro no debate mensal do passado dia 27 de Abril e fundamentada nas chamadas «Linhas Estratégicas da Reforma da Segurança Social», representar:
- um novo passo na imposição de retrocessos nos direitos dos trabalhadores decorrentes das suas contribuições para a Segurança Social, designadamente através da imposição do aumento da idade de reforma e da perpetuação de baixos valores das pensões pagas pelo Sistema Público de Segurança Social.

- visar igualmente a adequação do direito constitucional da «protecção básica de cidadania» ao objectivo de redução da despesa pública através da limitação de acesso aos direitos por parte de quem se encontra em situação de pobreza e incentivo à transferência de importantes responsabilidades sociais para instituições de solidariedade e para o sector privado.

Ao contrário da afirmação do primeiro-ministro na Assembleia da República, o diagnóstico apresentado sobre a evolução da Segurança Social está longe de ser claro e de ser devidamente fundamentado.

É um diagnóstico feito à medida das intenções do Governo na perspectiva de reduzir as obrigações do Estado em matéria de despesas sociais e de satisfazer as exigências do grande patronato e do capital financeiro de aumentar ainda mais a concentração da sua riqueza.

2. A visão alarmista do Governo PS sobre o futuro da Segurança Social não é inédita. Tem sido largamente utilizada pelos partidos de direita e forças neoliberais desde a década de 80, com vista à sua descredibilização junto dos seus beneficiários e à privatização das suas partes mais rentáveis.

Contrariando este prognóstico, o sistema público de Segurança Social tem mostrado a sua enorme capacidade e potencialidades, mantendo saldos positivos do regime contributivo, importantes verbas do seu Fundo de Estabilização Financeira. E tudo isto, não obstante as permanentes perdas de contribuições em resultado do fecho de empresas, despedimentos, da fraude e das dívidas à Segurança Social, acrescidas do aumento considerável das despesas com o subsídio de desemprego e dos prejuízos resultantes da multiplicidade de taxas contributivas, etc.

3. Neste processo de enfraquecimento do Sistema Público de Segurança Social, é sempre avançado o argumento de que as medidas são «por uma boa razão». Só que é sempre na óptica da redução dos direitos de quem vive do seu trabalho, da sua reforma ou de quem se encontra em situação de pobreza.

Aliás, em matéria de «reforma da segurança social», a postura assumida pelo primeiro-ministro e pelo Governo do PS vem na senda do Governo anterior do PSD/CDS-PP e do Ministro Bagão Félix, cujas «boas razões» expressam-se na aprovação de uma nova Lei de Bases de Segurança Social (Lei 32/2002), que veio introduzir profundas alterações com a criação de três sistemas: Sistema Público, Sistema de Acção Social e Sistema Complementar.

Recorda-se que esta lei, congeminada pelos partidos de direita continua em vigor, por decisão do actual Governo e da sua maioria parlamentar. Com a «reforma estrutural da Segurança Social» que o Governo pretende levar a cabo, se os portugueses o permitirem, são dados novos e perigosos passos na concretização dos aspectos mais negativos desta lei e das orientações neoliberais em matéria de segurança social.

Aumento da idade de reforma é uma injustiça!

4. Quando o Governo do PS decidiu, a propósito da convergência de sistemas de Segurança Social, o aumento da idade de reforma dos 60 para os 65 anos na Administração Pública justificou-o por razões de justiça entre trabalhadores do sector público e privado. Agora, no anúncio das medidas para os trabalhadores inseridos no sector privado da economia, pretende impor o aumento da idade de reforma para os 67, 68 anos, justificando-o por razões de sustentabilidade financeira da Segurança Social.

Trata-se, afinal, não de razões de justiça social entre trabalhadores do sector público e privado, mas tão só de fazer retroceder direitos de uns e de outros.

Reduzir ainda mais o valor das pensões públicas é inaceitável!

5. Num quadro marcado pela persistência de baixas reformas e baixas pensões, o que explica não só o grande número de idosos e reformados que se encontram na pobreza mas igualmente o amplo número dos que vivem em condições económicas e sociais difíceis privados de uma autonomia económica que lhes garanta uma vida condigna, o Governo pretende alterar os critérios de actualização dos aumentos anuais das reformas e das pensões ligando-os ao desempenho da economia, como se os investimentos deixassem de ser controlados pelo capital e passassem a ser determinados pelo factor trabalho.

Reduzir direitos não é o caminho!

6. Reduzir direitos em matéria de reformas que resultam das contribuições dos trabalhadores insere-se numa linha de incentivo ao Fundos Privados de Pensões e de descredibilização do papel do sistema público como garante de protecção social.

É neste sentido que se inserem as alterações aos critérios de atribuição do abono de família, com a destruição da sua universalidade, para passar a ser uma prestação social em função dos rendimentos do agregado familiar, o que representa um retrocesso nas políticas familiares e de defesa dos direitos das crianças.

De igual modo, a diferenciação estabelecida no valor do subsídio de maternidade-paternidade, com redução desse valor aquando de uma licença de 150 dias, cria injustiças entre trabalhadoras, na medida em que aquelas com mais baixos salários não acederão à possibilidade de usufruir dos 150 dias.

7. Também a intenção de alteração da taxa contributiva dos trabalhadores em função do número de filhos é uma medida que cria injustiças entre trabalhadores, incorrecta do ponto de vista da natalidade, desajustada das medidas que devem dar corpo na segurança social à protecção da maternidade-paternidade e de apoio à família.

8. O diploma que criou o Complemento para os Idosos com reforma inferior a 300 euros, é bem exemplo duma concepção de «protecção básica de cidadania» que cria direitos sujeitos a condição de recurso, mas que, na prática, pelo grau de exigência imposto, leva a que a maioria dos seus destinatários seja excluída de a ele aceder.

9. Neste quadro, não é possível ao Governo do PS combater a pobreza, quando acentua as injustiças na redistribuição do rendimento nacional, desresponsabiliza o Estado das suas funções sociais, fomentando, em contrapartida, iniciativas de carácter assistencialista e caritativo por parte da sociedade.

O PCP em defesa do sistema público

10. Mais de 120 mil portugueses e portuguesas manifestaram ao Governo a sua recusa ao aumento da idade de reforma para os 67 ou 68 anos, respondendo positivamente à Campanha que o PCP desenvolveu entre Setembro e Dezembro de 2005. Contudo, o PS responde com a intenção de aumentar a idade de reforma.

O Grupo Parlamentar do PCP apresentou um conjunto de propostas que visava uma gestão eficaz das despesas da Segurança Social, o aumento das suas receitas através de um conjunto articulado de medidas, entre as quais a criação de uma nova contribuição para a Segurança Social por parte das empresas e em função do respectivo valor acrescentado bruto. Não só o Grupo Parlamentar do PS as recusou em sede de Assembleia da República, como ignorou, nas medidas agora anunciadas, o compromisso assumido em sede de concertação social, por um Governo do PS em 2001, de promover os estudos com vista ao «alargamento da base contributiva».

Contraditoriamente à postura alarmista relativamente ao esgotamento do Fundo de Estabilização da Segurança Social em 2015, assumido pelo primeiro-ministro, o Grupo Parlamentar do PS rejeitou a proposta do PCP visando a criação de um mecanismo de reforço das garantias deste Fundo, através da criação de um imposto extraordinário de 0,25% sobre todas as transacções na Bolsa que permitissem garantir as transferências em caso de eventual défice do regime previdencial.

O caminho é de combate às mistificações
E de luta em defesa do Sistema Público de Segurança Social

11. Os riscos, no presente e para o futuro, da sustentabilidade financeira da segurança social não só não resultam do aumento da longevidade e das despesas sociais mas da natureza das medidas que integram a «reforma estrutural da segurança social» do Governo do PS.

A reforma em curso contra o sistema público de segurança social (aliada à desregulamentação dos vínculos laborais, à generalização da precariedade de trabalho, elevadas taxas de desemprego e imposição de baixos salários) traduz novas e graves injustiças sociais e destruição da segurança social pública como instrumento de redistribuição do rendimento nacional.

12. Por tudo isto, o PCP considera que os trabalhadores portugueses, homens e mulheres, os reformados e pensionistas e os cidadãos que se encontram em situação de carência económica e social devem convergir esforços no combate às mistificações que visam destruir importantes direitos constitucionais – que são o carácter público, universal e solidário do Sistema Público de Segurança Social.

13. O caminho tem de ser o protesto e a luta contra o aumento da idade de reforma e a perpetuação de baixos valores de reformas e pensões pagas pelo Sistema Público de Segurança Social.

O caminho tem de ser a exigência ao Governo de medidas de sustentabilidade financeira da Segurança Social assentes numa mais justa repartição do rendimento nacional, numa mais justa repartição de responsabilidades pelo financiamento do Sistema Público de Segurança Social visando o aprofundamento de direitos e garantias de protecção social através de uma maior eficácia nas despesas, no alargamento das suas receitas, com a clara responsabilização do Estado e das empresas, tanto em função da sua massa salarial como em função do seu lucro.