Revogação do Rendimento Mínimo Garantido e criação do Rendimento Social de Inserção
Intervenção do Deputado Lino de Carvalho
14 de Junho de 2002

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro,

Disse que esta proposta de lei era a concretização do Programa do Governo. Eu diria que, mais do que a concretização do Programa do Governo, esta proposta é a concretização do programa eleitoral do CDS-PP! Façamos-lhe justiça!

Esta concretização surge, no entanto, de uma forma muito mais suavizada, visto que hoje já o ouvi dizer que não põe em causa a bondade da prestação social e que reconhece que este é um aspecto positivo e, sobretudo, não o ouvi citar a célebre frase do presidente do PP, dizendo que o rendimento mínimo é um subsídio à preguiça!

Quer, portanto, o Sr. Ministro dizer-nos com o seu discurso que não concorda com a frase demagógica e populista que o presidente do PP tanto divulgou durante a campanha eleitoral?! O Sr. Ministro não concorda, portanto, com a frase do presidente do partido que o indicou para o Governo!

Em segundo lugar, queria referir-me à principal alteração levada a cabo pela sua proposta de lei, Sr. Ministro. Refiro-me, como sabe, à idade a partir da qual as pessoas poderão receber esta prestação social, que avança dos 18 para os 25 anos. Ao contrário do que o Sr. Ministro afirma, nós pensamos que é precisamente nesta faixa etária dos 18 aos 25 anos que os jovens excluídos mais necessitam de uma alavanca, de modo a terem capacidade para se inserirem na vida social e produtiva. Os outros mecanismos de que o Sr. Ministro fala, designadamente os mecanismos de política activa de emprego, nem sequer estão ao alcance desses jovens, que, antes disso, precisam de outros apoios. Refiro-me a apoios ao nível da alimentação e do vestuário e, portanto, a medidas que criem um mínimo de existência e condições de dignidade humana que lhes permitirão recorrer a essa segunda fase, composta por outros mecanismos de inserção na vida activa. Ao retirar esta prestação social aos jovens que têm mais de 18 e menos de 25 anos, num quadro de ataque permanente à juventude que tem caracterizado esta primeira fase da política do Governo, o que os senhores estão a fazer é atirá-los ainda mais rapidamente para os caminhos da marginalidade, da toxicodependência e da criminalidade, o que é grave, Sr. Ministro!

O Sr. Deputado Guilherme Silva veio aqui falar a favor do rendimento mínimo, mas o Sr. Deputado e o Governo deviam lembrar-se que é exactamente na ilha da Madeira, em zonas como Rabo de Peixe…

São, contudo, zonas das regiões autónomas aquelas em que mais se faz sentir a necessidade desta prestação social e aquelas em que os jovens são mais afectados pela sua retirada.

Por fim, Sr. Ministro, fala-se muito em ausência de fiscalização. Ora, Sr. Ministro, se há fraudes na atribuição desta prestação social, elas devem ser combatidas através da fiscalização e através do aumento dos recursos dos centros regionais da segurança social e das actuais comissões locais de acompanhamento, mas nunca através da restrição do acesso ao direito a esta prestação social.

Na verdade, não ouço o Governo dizer que se devem tomar medidas para combater ou restringir a acção das empresas que se eximem de prestar as suas contribuições para a segurança social. São estes dois pesos e estas duas medidas que, obviamente, condenamos seriamente!

(...)

Sr. Presidente,

Aexplicação dada pelo Deputado Telmo Correia foi, de facto, muito oportuna e clarificadora, porque recolocou o debate a que estamos a assistir atrás das palavras bem estruturadas do Sr. Ministro, nos seus verdadeiros contornos ideológicos, que são aqueles que estão no discurso do CDS-PP e na forma desconfiada e preconceituosa com que o CDS-PP e a direita vêem os mais pobres e os excluídos, que são os beneficiários das prestações sociais de solidariedade que todos temos o dever de prestar.

Este é o cerne da questão, Sr. Deputado!

A nossa posição é exactamente a contrária da vossa. Para nós, são os excluídos, os mais pobres e os que estão fora do acesso a níveis mínimos de subsistência e de inserção na sociedade em condições dignas os que mais precisam destes apoios, destas alavancas, exactamente para conseguirem dar um salto e terem a capacidade de ascender a mínimos de vida e dignidade humana. É esta a diferença entre nós, Sr. Deputado!

Além disso, quero dizer-lhe que não desconfiamos dos mais pobres e dos mais desprotegidos. Aquilo que pensamos é que é preciso dar-lhes oportunidades para, como seres humanos, se integrarem na vida activa.

Este é o caminho! Ao reduzir o âmbito de atribuição da prestação do rendimento social relativamente a quem tem menos de 25 anos, o Governo está a retirar essa oportunidade aos mais jovens, aos mais excluídos, aos mais pobres!

(...)

Senhor Presidente,
Senhores Membros do Governo
Senhores deputados,

A construção de instrumentos de combate à pobreza e à exclusão social através da criação de um novo tipo de prestação social que constituísse uma alavanca de inserção ou reinserção social para milhares de indivíduos e famílias, é um facto que surgiu na Europa comunitária há mais de quatro décadas. No nosso País entrou no debate político e na iniciativa legislativa pela mão do PCP quando, em 1993, apresentámos um Projecto de Lei visando criar um Rendimento Mínimo de Subsistência. Contudo, só em 1996 foi possível aprovar aquilo que constituiu uma das poucas bandeiras dos Governos do Partido Socialista, o Rendimento Mínimo Garantido, um novo direito social de que beneficiaram, em 2001, quase 425 000 portugueses (cerca de 145.000 famílias) dos quais 207 990 (48,9%) tinham menos de 25 anos de idade, aqueles exactamente que, com algumas excepções, esta proposta do Governo quer colocar de fora. Proposta para a qual o Governo não ouviu nem os parceiros sociais nem sequer a Comissão Nacional do Rendimento Mínimo.

O PCP sempre considerou este novo direito social a partir de dois ângulos de observação: como apoio solidário que permitisse atribuir aos mais necessitados um mínimo de sobrevivência mas que simultaneamente permitisse abrir, às vitimas da exclusão social, uma porta de entrada na vida activa, no mercado de emprego, no trabalho social. E se criticámos o Governo do Partido Socialista por esta ter sido a vertente menos conseguida não deixamos de reconhecer que foi através do Rendimento Mínimo que muitas crianças voltaram à escola, que muitos homens e mulheres voltaram a ser cidadãos de primeira, que muitas famílias voltaram a sorrir. O balanço, pois, que fazemos deste novo direito social é largamente positivo, constituindo, sem dúvida, também uma expressão de uma nova consciência social e solidária, filha do Portugal de Abril.

A direita, em Portugal, sempre se opôs a esta nova prestação social. O PSD, envergonhado, ora não, ora sim, ora talvez. O CDS-PP, assumindo o discurso da extrema direita europeia pela voz do seu Presidente Paulo Portas, clamou, por feiras e mercados, contra este "subsídio á preguiça", fomentando e instrumentalizando sentimentos e emoções de milhares de portugueses de fracos recursos económicos, designadamente dos pensionistas e reformados, contra os mais pobres e os mais desprotegidos. É o mesmo discurso que leva hoje a direita portuguesa a procurar atirar o descontentamento dos desempregados, vítimas da sua política, contra os imigrantes que vieram procurar trabalho entre nós gerando perigosos fenómenos de racismo e xenofobia. A verdade é que o CDS-PP e Paulo Portas, tal como o PSD, nunca clamaram contra a cada vez maior concentração de riqueza num pólo de privilegiados, contra a volumosa fraude e evasão fiscal e fuga às contribuições para a segurança social promovidas pelos economicamente mais poderosos. A verdade é que a direita e a política de direita são responsáveis pelo desenvolvimento de modelos económicos que têm gerado milhões de desempregados, que geram cada vez mais pobres e excluídos, que gera violência e ruptura social. Procurando esconder tudo isto o discurso e a política da direita vira-se contra os que menos podem, os que mais sofrem, vira-se contra as vítimas da sua própria política. E é significativo que o CDS-PP que tanto enchia a boca com os reformados e pensionistas mais pobres, agora que chegou ao Governo tenha recusado uma proposta do PCP para aumentar as pensões de reforma mais degradadas e tenha feito desaparecer o tema dos "velhinhos" das suas preocupações e decisões.

É neste quadro que se insere e se deve avaliar a proposta do Governo. É certo que o Ministro Bagão Félix, por pudor não foi tão longe quanto Paulo Portas e não quis comer deste pão ázimo. Perguntada a sua opinião sobre as inqualificáveis expressões de Paulo Portas limitou-se, de forma pouco solidária diga-se, a responder "sou independente". Mas isso não foi suficiente para o impedir de nos apresentar aqui uma proposta que, para além de outras alterações graves, reduz a metade, pelo menos, os actuais beneficiários do RMG. Argumenta o Governo com a "proliferação de situações abusivas". Existindo devem ser combatidas pelo aumento da fiscalização e dos recursos materiais e humanos dos Centros Regionais de Segurança Social e das CLA's (Comissões Locais de Acompanhamento) como sempre o PCP reclamou. Não consta, aliás, que o Governo pretenda acabar ou reduzir o enorme volume financeiro de benefícios fiscais que atribui pelo facto da sua eficácia reprodutiva ser limitada e também registarem inúmeros casos de fraudes e utilizações abusivas. Aliás, para se ter uma ideia da falsa dimensão da tão propalada fraude é preciso dizer que o valor médio recebido por cada beneficiário foi, em 2001, de 8 488$00/mês !!! Só os mais de 420 milhões de contos de dívidas por contribuições à Segurança Social dariam para suportar esta prestação durante 14 anos !!!

Quanto ao aumento para os 25 anos da idade mínima de acesso à prestação o Governo afirma que "a integração e a autonomia destes jovens deverá ser feita noutro plano" através do "desenvolvimento de políticas activas de emprego". Ora é exactamente nesta faixa etária, de entrada na vida activa, que os jovens excluídos, excluídos muitas vezes, aliás, da própria comunidade familiar, mais necessitam de mínimos de sobrevivência e de apoios que lhes permitam procurar caminhos de inserção na vida social e produtiva. Os jovens excluídos, beneficiários desta prestação, nem sequer estão em condições de concorrer, por si só, aos instrumentos normais (independentemente da pouca eficácia destes) de criação de emprego. Antes disso precisam de meios mínimos de subsistência, de alimentação, de vestuário, que lhes dêem alento para procurar outras oportunidades e saídas. Retirar este direito ao grupo dos jovens dos 18 aos 25 anos, para além de representar mais uma linha de ataque à juventude em que este Governo se tem distinguido, significa criar ainda mais condições para atirar milhares de jovens para os braços da exclusão, da toxicodependência, da criminalidade. Como também pagar metade do agora proposto Rendimento Social de Inserção em vales sociais é o regresso da velha política caritativa, desresponsabilizadora, desconfiada sempre dos que mais necessitam. São, seguramente, políticas pouco cristãs.

Por tudo isto o nosso voto é obviamente contra.