Conferência de Imprensa do PCP

Sobre a situação existente na área da saúde
e as propostas do PCP

18 de Janeiro de 1999



1. Na área da saúde, para além das promessas e dos propósitos políticos, é fundamental a opinião dos próprios utentes. E o maior ou menor grau de satisfação em relação à resposta que os serviços proporcionam para os problemas e para as necessidades com que cada um os demanda.

É por isso que o PCP tem vindo a alertar repetidas vezes para a gravidade da situação existente: atrasos no atendimento de utentes; enormes listas de espera – que só nas áreas clínicas consideradas prioritárias ascendem a um total estimado de cerca de oitenta e cinco mil doentes –; problemas com a qualidade e com a humanização da prestação de cuidados de saúde em muitas unidades e serviços.

Por outro lado, a carestia dos medicamentos, e o crescente e cada vez mais incomportável recurso aos privados para a obtenção de cuidados de saúde e de meios complementares de diagnóstico, conduziram à pouco invejável situação dos portugueses serem na União Europeia os que mais pagam directamente para a saúde, para além do que desembolsam através dos impostos.

2. O PCP tem insistentemente reclamado do actual governo uma verdadeira inversão da política neoliberal, de mercantilização da saúde e de destruição do Serviço Nacional de Saúde, que foi conduzida pelos governos do PSD ao longo de uma década.

É verdade que nos últimos anos foram apresentadas orientações para alcançar ganhos em saúde para os portugueses e para reafirmar o "papel estratégico essencial do sector prestador do Serviço Nacional de Saúde", que o PCP avaliou de forma positiva.

Mas apesar do dedicado empenho de muitos profissionais do sector e de melhorias pontuais, a situação no terreno e no seu conjunto não tem registado progressos.

Porque o Governo continua a ceder às pressões dos grandes interesses que disputam e absorvem o grosso dos recursos públicos disponibilizados para o sector: as multinacionais dos medicamentos e dos equipamentos, a área das convenções, os grandes grupos económicos empenhados na privatização da saúde. E porque, em vez de privilegiar os interesses dos utentes, tem deixado alastrar o autêntico cancro que é a promiscuidade entre o público e o privado no interior do Serviço Nacional de Saúde.

É um facto que está à vista de toda a gente, como ficou patente na chamada greve "self service" decretada pelo SIM, que existem fortes grupos de pressão de orientação neoliberal dentro do próprio PS e nos partidos da direita, que procuram explorar as dificuldades e os compromissos contraditórios assumidos pelo Ministério da Saúde, por forma a manterem intocadas as práticas de parasitagem da saúde pública por interesses privados. E que esses grupos de pressão não abandonaram o seu propósito de destruição do Serviço Nacional de Saúde e da sua transformação num sistema mínimo de carácter assistencialista para a população pobre.

A campanha populista em torno dos problemas da saúde desencadeada pelo PSD e pelo PP, não constitui apenas uma indecorosa tentativa dos partidos da direita alijarem responsabilidades em relação aos problemas do SNS provocados pelas políticas que levaram a cabo durante o período que tiveram responsabilidades governativas. Ela representa também uma operação que é dirigida contra o Serviço Nacional de Saúde e contra o direito à saúde que a sua existência visa assegurar.

3. O PCP tem apresentado propostas fundamentadas no domínio da política de saúde, cuja adopção já teria permitido há muito tempo travar a degradação do Serviço Nacional de Saúde, globalmente avaliada, e atingir uma efectiva melhoria da prestação de cuidados de saúde. E tem ligado essas propostas à indispensável concretização de uma profunda reforma democrática do SNS, cujas linhas fundamentais foram oportunamente apresentadas.

É neste quadro e com esta perspectiva que chamamos hoje a atenção do país e defendemos a urgente concretização das quatro seguintes propostas:

1ª - Implementação do Programa Especial para resolver o problema das listas de espera, de acordo com o projecto de lei apresentado pelo PCP na Assembleia da República. Este Programa prevê o recenseamento rigoroso e actualizado dos utentes em lista de espera; a avaliação da capacidade instalada do SNS em recursos humanos, infra-estruturas e equipamentos e sua mobilização para a resolução sustentada das listas de espera; o recurso a meios externos ao SNS apenas em situações de insuficiência ou esgotamento da capacidade instalada; e a atribuição de uma dotação orçamental adicional e própria.

2ª - Plano de separação do público e do privado, com a adopção de um conjunto de medidas tais como: alteração do sistema que permite o desenvolvimento de medicina privada no interior dos estabelecimentos públicos, em simultâneo com a introdução de modalidades remuneratórias que permitam fixar no SNS técnicos de elevada competência; estabelecimento de um código de conduta que torne ilícito aos médicos do SNS o desvio de doentes para consultórios privados; gestão pública dos estabelecimentos públicos.

3ª - Programa de redução dos gastos com medicamentos, prevendo nomeadamente que: a prescrição médica em todas as unidades do Serviço Nacional de Saúde seja feita pela substância activa; a implantação de um Formulário Nacional de Medicamentos; o desenvolvimento do mercado de genéricos e da função farmácia no âmbito do SNS; a dispensa gratuita aos utentes, após prescrição num estabelecimento do Serviço Nacional de Saúde dos medicamentos cuja comparticipação pelo Estado seja mais dispendiosa do que a sua dispensa gratuita.

4ª - Plano de aproveitamento integral da capacidade do SNS, de acordo com os princípios de que a prestação de cuidados de saúde assenta no aproveitamento integral da capacidade instalada na rede de serviços do SNS e de que o recurso a meios externos ao SNS só deve ter lugar em situações de insuficiência ou de esgotamento da capacidade instalada.

É nossa convicção profunda que a adopção destas medidas, inteiramente viáveis e cuja concretização poderia ser iniciada a curto prazo, representaria uma rápida inversão no panorama actualmente existente no Serviço Nacional de Saúde. E que ela criaria, ao mesmo tempo, condições muito favoráveis para as reformas de fundo que se impõem para a construção de um futuro com mais saúde para todos os portugueses.