O aumento de preços de bens e serviços essenciais
Declaração de Fernanda Mateus, da Comissão Política do PCP em Conferência de Imprensa
6 de Janeiro de 2004

 

Com este Governo são sempre os mesmos a apertar o cinto

1 - Em chocante contraste com os discursos de “sol e mel” que animaram as mensagens governamentais de final do ano, a verdade “nua e crua” é um generalizado aumento de preços de um vasto conjunto de bens e serviços essenciais que tornarão mais difícil e mais sombrio o dia a dia de milhares de trabalhadores(as) e suas famílias e de milhares de reformados e pensionistas.

A passagem de discursos catastrofistas para discursos de “optimismo e esperança” constituem um atentado à inteligência dos portugueses e portuguesas. A realidade é que o povo português se encontra cada vez mais “cercado” pelas consequências da política do actual Governo PSD/CDS-PP que assenta no agravamento das desigualdades sociais e no nível de vida, com sucessivos aumentos dos preços de bens e serviços essenciais e com a degradação do valor dos salários, das pensões e das reformas, como é patente no anúncio de um aumento de 2,5% para 2004 no salário mínimo nacional.

A verdade é que estes aumentos de preços para 2004 se inserem numa política que aposta numa verdadeira “cruzada” contra as condições de vida da grande maioria da população portuguesa e que se traduz num crescente empobrecimento de importantes segmentos da população e conduz ao aumento da pobreza e da exclusão social. Em resultado da política do actual Governo são sempre os mesmos a apertar o cinto, enquanto uma minoria vai conquistando privilégios e benesses e vai-se apropriando da riqueza produzida.

2 - Recorda-se que tem vindo a verificar-se a generalização dos aumentos dos preços de bens e serviços essenciais: alimentação, habitação, ensino (mensalidades de creches e infantários, aumentos de manuais escolares, aumentos de propinas); das taxas moderadoras e dos medicamentos; da energia (electricidade, combustíveis); das comunicações; dos transportes; da água; das taxas de justiça e do notariado, etc., etc.

Estes aumentos são particularmente chocantes pois são os que maior peso têm nos orçamentos familiares mais modestos. É sabido que quanto menor é o rendimento familiar maior é a percentagem dos gastos com os bens de primeira necessidade.

Os significativos aumentos do preço do pão (10 a 30%) sem correspondência com os custos efectivos dos cereais, são inaceitáveis e assumem proporções escandalosas, num quadro em que o pão é o último recurso alimentar para muitos idosos e famílias que se encontram numa situação de pobreza ou de drástica redução de capacidade de aquisição de importantes bens alimentares.

É, aliás, interessante notar que esta subida do preço do pão, justificada pelos industriais do sector devido ao aumento dos preços dos cereais (trigo e milho) nos mercados mundiais, confronta-se, mais uma vez com a reiterada mentira, sempre usada como argumento para sucessivas reformas da PAC, que pretensamente se destinariam a aliviar os custos dos consumidores em bens alimentares e em particular do pão.

É também incompreensível que, tendo vindo a ser anunciado há largas semanas o aumento do pão de forma a preparar a opinião pública, o Governo nada tenha feito para evitar esses aumentos e só agora – sacudindo a água do capote – se dirija à “Autoridade da Concorrência” para investigar se houve concertação no aumento desmesurado deste bem de primeira necessidade.

Também o aumento dos combustíveis se insere num quadro em que os seus preços passam a ser fixados “livremente”. Recorda-se que estes aumentos são anunciados no primeiro dia de liberalização dos combustíveis e que tiveram a antecedê-los aumentos nas portagens na ordem dos 2,8%.

É espantoso que o Governo que liberaliza sectores como os combustíveis, surja depois, com ar cândido, a dizer que não há razões para aumentos e que exercerá a sua função fiscalizadora. Isto, ao mesmo tempo que aumenta, e muito, os valores de serviços que são da sua responsabilidade directa e de que são exemplo as taxas moderadoras (que sofreram aumentos no passado mês de Setembro, na ordem dos 33% nas consultas e urgências dos centros de saúde, entre outros).

Outro significativo exemplo é o aumento das rendas de casa em 3,7%, sendo que as rendas anteriores a 1970 e entre 1970/72, fora dos municípios de Lisboa e Porto, sofreram um aumento de 5,5%. Medida tanto mais condenável porque resulta igualmente de uma decisão da exclusiva responsabilidade do Governo, que assim o estabeleceu em Portaria no passado mês de Outubro. Aumentos que ultrapassam largamente o valor médio da taxa de inflação prevista pelo Governo em 2004. É caso para dizer que se a hipocrisia pagasse imposto os problemas financeiros do País ficariam resolvidos!

No que se refere à electricidade prevêem-se aumentos de 2,1%, num quadro em que os consumidores domésticos continuam a pagar as tarifas mais elevadas da Europa. Prevêem-se ainda aumentos nos taxis (5%); nos seguros automóveis (entre 5 e 7%).

O conjunto destes aumentos repercutir-se-á de novo e fortemente em todos os aspectos do dia a dia da grande maioria dos trabalhadores e suas famílias, com consequências particularmente penosas em segmentos da população em situação de pobreza ou em situação de maior vulnerabilidade económica e social com custos dramáticos designadamente nas crianças, nos jovens e idosos.

3 - Sublinha-se, no entanto e mais uma vez, que a brutal contracção do poder de compra dos portugueses, resultante da redução da massa salarial (redução do valor dos salários e menos salários pagos em resultado do crescimento do desemprego) e as subidas de preços de bens e serviços essenciais não penalizam apenas aqueles sectores da população portuguesa. Tal contracção do poder de compra, repercutindo-se fortemente na capacidade do mercado interno, afecta inevitavelmente a saída da depressão em que se encontra a economia portuguesa, com particular incidência nas micro e pequenas empresas em geral e no comércio a retalho em particular.

Esta subida global dos preços é também o desmentido cabal da enorme fraude política que são os valores previstos pelo Governo no Orçamento de Estado para a taxa de inflação para o presente ano de 2004 – entre 1,5% a 2,5%.

Fraude continuada e repetida ao longo dos anos: em 2000 anunciaram 2,0%, o real foi de 2,9%; em 2001 anunciaram 2,8%, o real foi de 4,4%; em 2002 anunciaram 2,75%, o real foi de 3,6%; em 2003 anunciaram 2,5% e tudo indica que não ficará longe dos 3,3 ou 3,4%. Valores fraudulentos que depois servem de referencial para a fixação do valor anual dos salários e pensões, penalizando fortemente trabalhadores e pensionistas. E tudo isto fundamentado em função da pseudo e mistificada “objectividade dos números” e dos “cálculos da ciência económica”.

E isto num quadro em que o Governo PSD/CDS-PP desfere um profundo ataque aos direitos dos que se encontram em situação de doença, com a redução do valor do respectivo subsídio, dos que se encontram desempregados (com a perspectiva de limitação de acesso ao subsídio de desemprego), dos que se encontram numa situação de pobreza, com as restrições ao acesso ao rendimento de inserção social.

Na verdade, o Governo PSD/CDS-PP oferece como única perspectiva para o ano de 2004 o caminho de destruição de importantes direitos à protecção social, com forte incidência nos que resultam das contribuições pagas pelos trabalhadores à segurança social, bem como um acentuado agravamento das condições e qualidade de vida dos que vivem do seu trabalho.

O PCP responsabiliza o Governo por esta política e pelo agravamento das injustiças sociais e considera que é necessário que se desenvolva um forte movimento de opinião que trave os aumentos desmesurados dos bens de primeira necessidade, que exija compensações para os mais atingidos e que contribua para derrotar esta política errada, injusta e classista.

Assim, o ano de 2004 deverá ser marcado por uma forte oposição à política da maioria PSD/CDS-PP, cuja continuação ensombra o presente e o futuro. Este é o único caminho que afirma a perspectiva de um futuro melhor para os portugueses e para Portugal.