Comício do PCP integrado na campanha “Basta de sacrifícios e desemprego, nova política, mais produção nacional”
Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP (Extracto)
Braga, 8 de Julho de 2005

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Quando em princípios de Maio deste ano o Governo do PS de José Sócrates aqui esteve, no distrito de Braga, inaugurando aquilo a que chamava “Governo Presente”, e aqui anunciou nesse celebre primeiro Conselho de Ministros fora de portas, a chamada nova base da política económica, renovando promessas de ajuda e intervenção na defesa da economia país e desta região, muitos portugueses alimentavam ainda a esperança numa mudança de rumo da política nacional.

Mudança no sentido do prometido crescimento económico para retirar o país da estagnação e promover e defender o emprego.

Hoje essa esperança esfuma-se à medida que o tempo corre. Como se esfuma o cumprimento das promessas eleitorais.

Dois meses apenas nos separam e o distrito de Braga, não só não viu qualquer resultado do tal organismo de apoio que aqui foi anunciado criar para salvar as empresas em dificuldade, o tal projecto AGIIRE, como nestes dois meses que nos separam desse célebre Conselho de Ministros, o distrito de Braga, viu aumentar o desemprego que não tarda atingirá os 15% da população activa se não se impedir a avalanche de novos despedimentos e encerramentos de empresas que estão em curso.

Dois meses depois e perante a inactividade do novo governo aí estão os trabalhadores do distrito de Braga novamente confrontados com a dramática situação da Lear, com o despedimento dos seus 800 trabalhadores, em resultado da deslocalização da empresa para a Roménia, mas também com a dramática situação de outras empresas como os despedimentos na Vishay e a sua possibilidade de deslocalização de Famalicão para a Indía, ou do conjunto das empresas sub-contratadas pela Benetton na zona do Basto envolvendo 700 trabalhadores.

Dois meses depois de tão solenes juras, não se vê o governo a mexer uma palha, face à gravidade e aos perigos que pairam sobre o nosso sector têxtil e de vestuário, para garantir com medidas concretas a defesa e modernização deste decisivo sector da economia nacional e regional.

A mesma inactividade perante o drama da deslocalização das empresas. Este é um problema que se vem repetindo sem que o governo tome medidas no plano interno e assuma qualquer iniciativa no domínio comunitário de forma a pôr fim ao comportamento impune destes novos vampiros do século XXI que sugam fundos comunitários e nacionais à procura de mão-de-obra barata, após o que demandam deixando atrás de si um rasto de desemprego, depressão e crises sociais.

Este é um problema que exige outra resposta de quem governa impondo uma clara regulação e disciplina nos processos de deslocalização e reestruturação de empresas.

Que não lavem as mãos como Pilatos, como o faz Pina Moura em relação à Lear e agora também o Governo do PS.
Inaugurada em 1998 pelo então Ministro da Economia Pina Moura que a definiu como um grande investimento estratégico, não chegou a ficar cá dez anos. O grande investimento estratégico que deixa agora a segurança social com uma responsabilidade social de mais de 2 milhões de contos e centenas de trabalhadores com doenças profissionais.

Bem pode o governo vir com o discurso dos sacrifícios para garantir a sustentabilidade da Segurança Social quando se deixam estes comportamentos na impunidade. A mesma impunidade que gozaram enquanto cá estiveram e que transformou a Lear num espaço de trabalho desumano, com a imposição de grandes ritmos de trabalho e de repressão laboral e sindical e que na maior parte do tempo que aqui trabalhou, a grande maioria dos seus trabalhadores laborou numa situação de trabalho precário.

Demos no passado o nosso contributo, no âmbito de uma iniciativa legislativa na Assembleia da República, na definição de um conjunto de regras para um quadro nacional de intervenção nesta matéria e para a elaboração de medidas no âmbito comunitário, nomeadamente para a criação de um cadastro comunitário de empresas com comportamentos irregulares, que a anterior maioria recusou, continuamos hoje disponíveis para retomar a discussão, assim o queira também o PS e o seu governo para encontrar soluções para pôr travão aos graves problemas das deslocalizações de empresas.

O país não pode continuar atado de pés e mãos em relação a esta matéria.

O encerramento de empresas e os despedimentos colectivos por deslocalização ou a pretexto de reestruturações é uma parte significativa do aumento do desemprego que está prestes a atingir o meio milhão de desempregados.

É por isso que faz sentido estar hoje aqui no âmbito da nossa acção nacional para afirmar a consigna desta nossa campanha nacional “Basta de sacrifícios e desemprego. Nova política, mais produção” que é também uma resposta à mistificadora campanha que faz do défice público o problema central dos portugueses e do país e que tem sido pretexto para uma nova escalada contra os interesses e os direitos dos trabalhadores, dos reformados, dos pequenos e médios empresários.

Uma acção nacional que reafirma não só a possibilidade, mas também a necessidade de se encetar outro caminho, com uma nova política que aposte no crescimento e no desenvolvimento económico e na defesa da produção e aparelho produtivo nacional, na criação de emprego, no combate às deslocalizações, na valorização dos salários e das pensões, não só por um imperativo de justiça social, mas como factor dinamizador da actividade económica.

Uma acção nacional também de esclarecimento e mobilização dos trabalhadores e do povo português que apela à necessidade da luta e do protesto contra uma política injusta no plano social e que é incapaz de dar resposta aos grandes problemas e necessidades dos portugueses.

Hoje está muito claro quanto justos e verdadeiros eram os nossos alertas em relação ao perigo da existência de uma maioria absoluta do PS em resultado das eleições de 20 de Fevereiro.

Em cada dia que passa e em cada decisão do novo governo do PS/Sócrates se confirma esta sua deliberada opção de um governo continuador no essencial das políticas de direita.

Com a maioria absoluta, o PS revelou uma prática governativa que está marcada já também pela arrogância, pela chantagem numa postura de clara hostilização aos mais elementares direitos dos trabalhadores e das suas organizações.

Foi assim, desde a primeira hora com a decisão de aumento dos impostos, do IVA, dos combustíveis e do tabaco e com a nova e brutal ofensiva que desencadeou contra os direitos dos trabalhadores da Administração Pública que completou com uma inaceitável campanha que os transforma em bode expiatório das dificuldades do país.
Uma campanha que é alimentada por um conjunto de falsidades no que diz respeita aos salários e às reformas dos funcionários públicos e de enviesadas e abusivas comparações com a realidade do sector privado.
As mesmas falsidades e a mesma lógica com que os anteriores governos justificavam e fundamentavam o novo Código Trabalho para retirar direitos aos trabalhadores do sector privado.
Foi assim, com a proposta de Programa de Estabilidade e Crescimento, que melhor seria ser chamado de desestabilização e estagnação, que a maioria PS e o seu governo aprovaram e que vai determinar no fundamental o conteúdo das políticas do governo para os próximos quatro anos.

Foi assim, com a proposta de Orçamento Rectificativo, contra o qual votámos, que dando corpo ao Programa dito de Estabilidade e ao estrito cumprimento das metas de défice orçamental, mata a possibilidade de promoção de uma política virada para o crescimento económico.

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Entretanto, contraditoriamente, ao mesmo tempo que aprova medidas orçamentais restritivas, com cortes no investimento no Orçamento Rectificativo e reafirma a sua fidelidade às metas do PEC de consolidação das finanças públicas, o governo vem anunciar um pacote de investimento de infra-estruturas para relançar a economia.

Um pacote de infra-estruturas que se apresenta por atacado, num único bolo o investimento previsto para 4 anos, isto é até 2009, para impressionar os portugueses desiludidos.


O mesmo pacote de 30 mil milhões de euros que desde o Conselho de Ministros de Amares de há dois meses, o Ministro da Economia vinha anunciando, juntamente com os PIN, os tais projectos de Potencial Interesse Nacional que eram também para dinamizar a economia nacional, mas de que nunca mais ninguém ouviu falar.

Um Programa que mais não é que uma operação de marketing para fazer esquecer as gravosas medidas que decretou contra os portugueses que vivem do seu trabalho e desviar a vista dos reais propósitos de contenção expressos no Programa de Estabilidade e Crescimento. O que se anuncia para os próximos anos não é a mobilização de um esforço suplementar de investimento público que tenha um efeito multiplicador na dinamização do aparelho produtivo, mas a estagnação do investimento.

Programa que deixa muitas reservas acerca do seu real contributo para ultrapassar o central e decisivo problema que é o da dinamização da estrutura produtiva nacional, em particular da nossa indústria.

Um Programa que na sua concretização apela mais à mobilização de uma forte componente de produtos importados que a um esforço da iniciativa e produção nacionais.

Um programa que pouco contribuirá para dar resposta à difícil situação que atravessa a nossa indústria transformadora com os graves problemas do sector têxtil e do vestuário, da metalurgia, da cerâmica, da cablagem e de outros subsectores eléctricos e da electrónica.

Problemas que se somam às crises profundas da agricultura e das pescas nacionais aos quais não se dá resposta.


As respostas e medidas do Governo do PS/Sócrates são as mesmas e já gastas soluções de Guterres, Durão e Santana.

É por isso que a economia não dá qualquer sinal de melhoria e o pessimismo está de volta, reflectindo as consequências das medidas restritivas e recessivas, designadamente com o aumento dos impostos e o novo discurso de obsessão do défice, um sucedâneo da “tanga” de Durão Barroso.

Em vez de se privilegiar o crescimento económico e o fortalecimento do aparelho produtivo como meio de combater o défice, o combate ao défice passou a comandar toda a política económica, entravando o crescimento, numa concepção redutora, orçamentista e monetarista.

Por esta via, não haverá venda de ilusões que alterem a realidade, a realidade da estagnação económica, do desemprego e da concentração da riqueza.

Corremos o risco de chegar ao fim deste ciclo político – tal como aconteceu com Durão e Santana em que também foram pedidos sacrifícios para salvar o país – numa situação ainda mais frágil do que a que temos hoje.

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O governo anda numa roda-viva a tentar justificar que os sacrifícios são para todos. Mas não é verdade.

Fazem uns fogachos em torno do acessório para que os grandes interesses fiquem intocáveis. Propuseram-se eliminar alguns privilégios de titulares de cargos políticos.

Medida há muito por nós reclamada, mas para deixar ficar de pé o essencial dos privilégios e servir de cortina de fumo aos grandes interesses e os senhores do dinheiro continuam de fora.

Se estivessem empenhados em distribuir os sacrifícios, votavam a favor a não contra a proposta do PCP para extinguir as reformas principescas dos administradores e gestores de organismos públicos ou de empresas participadas pelo Estado, como são os casos do Banco de Portugal e da Caixa Geral de Depósitos.

Votavam a favor e não contra como o fizeram, em relação à nossa proposta no Orçamento Rectificativo que impunha à banca o pagamento de pelo menos 20% de IRS e não os 10%,11%, ou 12% no máximo que efectivamente pagam, enquanto que qualquer pequeno e médio empresário paga 25%.

Não. Os sacrifícios não são para todos! São para os mesmos de sempre!

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Diz o governo que o conjunto de medidas que o governo está a tomar são para salvar o Estado Social.
Mas como quer que se acredite, sendo o nosso Estado Social, menos protector e menos eficaz que os seus congéneres europeus, que o caminho escolhido seja o da retirada e diminuição de direitos, em vez do seu reforço?
Quem pode acreditar, sinceramente, que seja para salvar o Estado Social, que o governo resiste à suspensão das disposições no Código de Trabalho respeitantes à caducidade e sobrevivência da Convenções Colectivas de Trabalho?
Admitindo com tal posição a eliminação de importantes direitos dos trabalhadores de diversos sectores de actividade e a diminuição das suas remunerações.
O Estado Social não se salva desregulamentando as relações laborais, precarizando o emprego e fragilizando os direitos de quem trabalha.
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O que o país precisa e esta região exige é o empenhamento do governo na defesa da nossa capacidade produtiva e económica instalada com a criação de um programa específico para o sector têxtil e vestuário de apoio à modernização, à investigação, à inovação, à formação profissional e às PMEs. Apoios concretos e um plano de trabalho que ajude a romper o ciclo vicioso da subcontratação e da exclusiva dependência do sector das grandes cadeias e das grandes empresas internacionais.

O que o país precisa é de um governo que não vacile na defesa dos interesses nacionais. Que não faça vista grossa ao real significado do acordo do passado dia 10 de Junho negociado entre a União Europeia e a China no âmbito da liberalização os têxteis e vestuário. Um Acordo inaceitável na defesa dos interesses da indústria portuguesa, aplicável apenas a certas categorias de produtos e que, no fundamental, se concretizou para deixar cair a exigência da imediata implementação das reclamadas clausulas de salvaguarda. O governo português não pode com o seu silêncio ser conivente com uma Comissão que não está empenhada na defesa da indústria europeia e nacional e põe em risco a sobrevivência da indústria têxtil e de vestuário.
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