Jantar de apresentação de candidatos e linhas de acção para o programa eleitoral da CDU
Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP (Extracto)
Marinha Grande, 25 de Junho de 2005

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Com esta iniciativa de apresentação de candidatos do concelho da Marinha Grande, os quais particularmente saúdo e faço votos de bom trabalho e de exposição das linhas de acção para o programa eleitoral, damos mais um passo na afirmação de uma candidatura que, estamos certos, vai contar não só com o empenhamento de todos os activistas da CDU, mas também com o apoio maioritário e a simpatia do povo do concelho da Marinha Grande.

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O tempo é muitas vezes um bom conselheiro. Estes últimos anos de maioria PS no concelho da Marinha Grande são tempo já suficiente para se verificar e reflectir, sobre as diferenças de projecto e de gestão, tendo como referência o trabalho realizado pela CDU e avaliar os resultados e reais vantagens para as populações e o concelho de uma gestão que, afinal, não resolveu os problemas que anunciou iria resolver nas mais diversas áreas da actividade municipal.

Muitos o compreenderam já nas últimas eleições quando deram o seu voto à CDU que esteve a muito poucos de conseguir a presidência da câmara e muitos mais o vão confirmar agora, à medida que a vida vem revelando quanto falsas eram as premissas em que assentava a brutal campanha que foi desencadeada contra o PCP e CDU e o conteúdo de uma política que no plano local e nacional vai contra os interesses dos trabalhadores, dos reformados e dos micro, pequenos e médios empresários.

Está hoje muito claro quanto descabida era a acusação do PS quando nos imputava a responsabilidade pelas dificuldades da economia do concelho da Marinha Grande, particularmente do sector da cristalaria.

Mas a verdade é que a situação é hoje mais grave e difícil.

Como também é verdade que foram as políticas neoliberais, na concretização das quais também os governos do PS têm muita responsabilidade que conduziram à crítica situação que atravessam os sectores da nossa indústria que não é já só a do sector cristaleiro, mas de todos os outros sectores.

Uma situação que nestes anos com as políticas dos governos do PSD/CDS e do PS e o silêncio cúmplice da câmara do PS se continuou a degradar com novos despedimentos e encerramentos de empresas e que se agravará se não houver uma urgente inflexão nas políticas económicas e não se disponibilizarem os apoios necessários para ultrapassar a grave crise.

Não deixa de ser preocupante, cem dias depois do governo do PS tomar posse, se mantenha um vazio de medidas concretas na resposta à imperiosa necessidade de defesa dos sectores produtivos nacionais e, particularmente, nada diga sobre orientações concretas em relação à superação da grave situação que enfrenta o sector vidreiro da cristalaria em crise aguda, de forma a garantir a defesa da indústria e do emprego.

Sector que há muito reclama um alívio da sua factura energética, um dos factores com maior peso na produção, mas que não encontra resposta nas políticas dos últimos governos.

Uma política marcada pelo abandono do planeamento energético, mas também pelo desmembramento do sector público e pela abdicação pelo Estado do controlo sobre as empresas do sector e dos objectivos de racionalização, mínimo custo, satisfação dos consumidores e desenvolvimento regional que deviam presidir a uma política ao serviço dos interesses do país.

Uma política que anunciava com a desregulamentação e a liberalização do sector energético mais eficiência e preços mais baixos, objectivos que nunca se concretizaram e que, apenas, tornou o país mais exposto ao capital monopolista estrangeiro sem qualquer vantagem para a nossa indústria a para os consumidores em geral.

É com inquietação que verificamos o enorme desprezo com que se trata a defesa da nossa capacidade de produção instalada e se passou apenas a dar relevo a essa coisa que se chama “choque tecnológico” que, cem dias após a tomada de posse do governo, ninguém sabe o que é, nem o governo explica.

E ao afirmarmos esta nossa inquietação não o fazemos porque pensemos que não se deva realizar um esforço na criação e desenvolvimento de novas empresas tecnologicamente mais evoluídas ou que não fosse necessário reforçar e muito o investimento em ciência e tecnologia, antes pelo contrário, o que isso não pode ser é um mero slogan de propaganda, tem que ter um conteúdo concreto de políticas e medidas que tardam, mas também e, essencialmente, porque pensamos que é um profundo erro que o país pagará caro o abandono à sua sorte do que hoje temos e que garante milhares e milhares de empregos, sectores da nossa economia que precisamos de defender e fazer evoluir no sentido da sua modernização.

Situação que tenderá a agravar-se com as recentes medidas do governo do PS.

Não foram precisos 100 dias de governo para que os trabalhadores e povo português compreendessem quanta hipocrisia se escondia naquela “surpresa” ensaiada do primeiro-ministro José Sócrates acerca do valor de défice das finanças públicas.

Não foram necessários cem dias para que os trabalhadores e povo português verificassem que, com o novo Governo do PS, em vez da prometida mudança, do prometido novo rumo para o país, se prosseguia no essencial a velha política de direita e as mesmas e repisadas soluções dos governos dos últimos anos com a imposição de novos e mais drásticos sacrifícios para os trabalhadores e o povo.

Sacrifícios impostos por medidas socialmente injustas e economicamente desastrosas, como são o aumento dos impostos indirectos, do IVA e dos combustíveis, o congelamento das carreiras dos trabalhadores da administração pública, a contenção salarial ou a alteração da idade da reforma, que vão juntar crise à crise, acentuam o pendor recessivo da economia portuguesa com a redução do mercado interno através do ataque ao poder de compra da população e agravam os custos das empresas.

Medidas que são socialmente injustas, porque agravam a injustiça do sistema fiscal português, ao aumentar o peso dos impostos indirectos – os que fazem pagar a mesma taxa de imposto ao rico e ao pobre.

Portugal é já dos países da União Europeia em que o desequilíbrio de impostos directos/impostos indirectos é maior.

São injustos ainda, porque atingem fundamentalmente os trabalhadores por conta de outrem e os reformados, e particularmente todos os assalariados do Estado.

Cem dias de governo do PS que são também já suficientes para constatar quanto justos e verdadeiros eram os nossos alertas em relação ao carácter negativo da existência de uma maioria absoluta em resultado das eleições de 20 de Fevereiro.

Um cenário mais preocupante do que aquele que se esperaria.

Com a maioria absoluta o PS não só confirma nestes cem dias, o prosseguimento da mesma política de direita, mas uma prática governativa que está marcada já também pela arrogância, pela chantagem numa postura de clara hostilização aos mais elementares direitos dos trabalhadores e das suas organizações.

Um cenário agravado por comportamentos e atitudes sem precedentes como os que aconteceram esta semana na área da educação. Com o governo a optar pelo inadmissível caminho da intimidação e da ameaça., mas também por um inqualificável procedimento inquisitório quando impõe se faça uma listagem dos grevistas e se ameaça sinalizar quem não o fizer.

Arrogância e prepotência, nalguns casos até de humilhação, que se expressa também numa inaceitável teorização, que faz da administração pública, não só o bode expiatório das dificuldades do país, mas uma “casta” especial de privilegiados que vivem à custa do sacrifício de um país em dificuldades.

O governo, certamente, confunde a “elite” dos super “boys”, gestores e administradores ao serviço do bloco central, do PSD e do PS no aparelho de Estado e nas empresas públicas, com a grande massa do “corpo” de funcionários da administração pública, em geral mal pagos e muito longe dos privilégios e mordomias desses senhores.

Senhores que todos os dias se vêm a defenderem medidas de austeridade para os trabalhadores. Aplaudem efusivamente a medida de aumento da idade da reforma, mas nada dizem acerca daquelas, que eles próprios definem para si, que nalguns casos lhes dão, como no Banco de Portugal, direito a uma reforma ao fim de cinco anos de trabalho. E não são reformas de miséria como aquelas que recebem os muitos milhares de trabalhadores portugueses com dezenas de anos de trabalho, são chorudas reformas.

Um regabofe escandaloso!

Ninguém os vê a levantar um dedo de indignação contra os Estatutos Remuneratórios e de Reforma ou Aposentação dos membros dos Conselhos de Administração das empresas em que o Estado tenha a totalidade ou a maioria do capital social, nem contra os privilégios especiais da banca, exigindo a eliminação a benefícios e privilégios fiscais, nem tão pouco se vêm a denunciar e exigir medidas contra os grandes accionistas dos grandes grupos e empresas nacionais que para fugirem às suas responsabilidades fiscais e que agora o governo do PS vem escandalosamente premiar com a oferta de uma amnistia baratinha, com o pagamento de apenas 5% de imposto em troca da sua legalização.

O que defendem, tal como o governo, é aplicação imediata de tudo o que é gravoso para os trabalhadores e o que é para o povo pagar, enquanto as medidas que poderiam afectar os grandes interesses estão sempre dependentes de novos estudos e aprofundamentos, são sempre para aplicar num futuro que nunca chega.

Para dar a ideia que a crise toca a todos anunciam 2 ou 3 medidas de carácter temporário em relação às inúmeras benesses e privilégios que estes senhores auferem. Mas trata-se claramente de uma manobra de diversão.

O grosso dos privilégios mantêm-se inalterados e os que agora dizem que vão retirar dentro de dois anos serão retomados.

Depois da nossa denúncia vêm agora falar também da necessidade de estudar uma revisão dos Estatutos Remuneratórios dos Membros dos Conselhos de Administração das empresas públicas ou de maioria de capital público, mas vão logo adiantando como o fez o ontem o Secretário de Estado da Presidência que a revisão destes Estatutos têm que ter em conta as instituições congéneres e também as necessidades de garantir a competência. Claro, nem podia ser de outra maneira. Há sempre uma justificada fundamentação para manter os grandes privilégios! Em relação aos capitais criminosos que fogem ao fisco é a absolvição e a bênção em nome das necessidades do país, à elite que roda na roda do poder é a velha treta da garantia da competência.

Depois de todos estes últimos anos a pedir sacrifícios aos mesmos de sempre, com a promessa de mais adiante estar garantido um futuro radioso de desenvolvimento económico e de desafogo, afinal, depois de todos estes sacrifícios o que anunciam é que Portugal está pior do que estava antes e aí estão, outra vez, sem qualquer vergonha, a apresentar um novo e mais gravoso caderno de encargos para os portugueses, particularmente para o mundo do trabalho.

É por isso que é justo dizer-lhes: basta de sacrifícios sempre para os mesmos!

No que diz respeito ao problema central do crescimento económico, cem dias depois, a economia não dá qualquer sinal de melhoria e a perspectiva que o governo apresenta no seu Programa dito de Estabilidade e Crescimento até 2009 é mais de recessão, ou quando muito, de estagnação do que de crescimento.

Um novo programa, filho de um velho Pacto de Estabilidade “recauchutado” numa revisão minimalista com mesmas graves consequências do passado.

Ao contrário do prometido e do que todos os dias a propaganda governamental fala ou deixa transparecer o que se anuncia para os próximos anos não é a mobilização de um esforço suplementar de investimento público que tenha um efeito multiplicador na dinamização do aparelho produtivo, mas uma real diminuição do investimento que, combinado com o impacto das recentes medidas de aumento dos impostos e da programada redução do consumo interno, são a receita ideal para uma prolongada recessão com mais falências e encerramentos de empresas, mais desemprego, menos receitas fiscais, mais défice e mais dívida pública.

Mas enquanto a economia do país anda “aos trambolhões” o país pode contar com mais 400 novos milionários e as grandes empresas e o capital financeiro puderam continuar a ter, no primeiro trimestre deste ano, assinaláveis e memoráveis lucros, tal como já havia acontecido em 2004.

No que se refere ao desemprego, não só continua a aumentar o desemprego de longa duração, como no Programa de Estabilidade e Crescimento, agora aprovado pelo Governo, o que se perspectiva até ao fim dos quatro anos do seu mandato é um agravamento.
Em 2009 o desemprego vai ser superior ao existente em finais de 2004, pondo fim à ilusória promessa eleitoral de criação de 150 000 novos empregos.

No plano dos salários a opção que o governo avança é a da moderação salarial, isto é, a da redução dos salários reais, em nome da competitividade da economia e que se traduzirá na consolidação do modelo de desenvolvimento assente nos baixos salários.

Razões tinham aqueles que acusavam o PS de andar a vender gato por lebre na campanha eleitoral.

Com o novo Programa de Estabilidade e Crescimento o que ficamos a saber também é que o governo vai continuar o caminho das privatizações e de uma nova entrega de recursos nacionais e empresas aos grandes grupos nacionais e estrangeiros e cujos resultados estão bem patentes na difícil situação que económica que o país apresenta.


Este é balanço que torna cada vez mais evidente o carácter predador do grande capital económico e financeiro que nada arrisca e se limita apenas a aspirar as mais-valias de um aparelho produtivo cada vez mais debilitado e menos competitivo e que no plano social tem nestes cinco anos do novo século um impacto muito negativo na vida dos portugueses.

Impacto que um recente estudo bem ilustra que estima uma quebra de 15% do seu poder compra desde 2001com as famílias a ganharem menos, a pagarem mais impostos e terem menos benefícios sociais.

Uma política que, por exemplo, na sensível área da saúde, nestes primeiros cem dias, está marcada por um conjunto de medidas que no essencial configuram uma aposta em políticas de continuidade, cujo pano de fundo é a transformação da saúde numa área de negócio.

Uma política que esqueceu todas as promessas eleitorais que substituiu por um profundo e preocupante desprezo de que a afirmação recente do ministro da saúde sobre os 224 mil doentes à espera de uma intervenção cirúrgica bem ilustra quando diz que tal número “até é um número positivo”.

O mesmo desprezo que revela a decisão de diminuir a comparticipação do Estado nos medicamentos para doentes crónicos.

A resposta à grave situação económica e social não pode prescindir do contributo dos trabalhadores, da sua intervenção e da sua luta.

A manifestação dos trabalhadores da Administração Pública e hoje dos elementos das forças de segurança, é um exemplo notável de que vale a pena lutar e continuar a acreditar.

Luta que é necessário prosseguir em convergência com a luta dos trabalhadores do sector privado, designadamente na Jornada convocada e organizada pela CGTP-IN para 28 próximo e que de certeza terá a presença maciça dos trabalhadores.

Convergência face aos direitos que são comuns e que estão ameaçados.

Na defesa do direito à contratação colectiva contra a caducidade dos contratos no sector privado, contra a imposição unilateral no sector da Administração Pública.

A mesma luta e mesmo combate pelo direito a salários mais valorizados.

A mesma luta e o mesmo combate na defesa do direito à aposentação e contra o aumento da idade de reforma que não é apenas uma questão só da Função Pública, mas de todos os trabalhadores.

A mesma luta e o mesmo combate contra a privatização de serviços e funções sociais do Estado.

Fugindo aos problemas de fundo da sociedade portuguesa o PS vem novamente relançar o debate sobre a reforma do sistema político, nomeadamente propor a alteração do sistema eleitoral com a introdução dos círculos uninominais como a grande solução para credibilizar a política e os políticos e aproximar os eleitos dos eleitores.

Como se o descrédito em que a política vai caindo aos olhos de muitos cidadãos fosse o resultado de qualquer repúdio popular em relação ao sistema de representação proporcional.

O divórcio, o descrédito e o afastamento das pessoas resulta acima de tudo de uma política que não responde aos seus anseios e aspirações e de uma prática de certos políticos que nunca cumprem o que prometem.

O mesmo divórcio e descrédito que leva à falência da recente Cimeira Europeia sobre o processo de ratificação do Tratado de “Constituição Europeia” e as perspectivas financeiras 2007/2013 que nada decidiu e tudo adiou.

Falência que é o resultado e expressão das contradições de uma política que os povos recusam e que tem levado ao agravamento do desemprego, ao ataque aos direitos dos trabalhadores e às funções sociais do Estado, na educação, na saúde e na segurança social.

Depois da vitória do “Não” no referendo ao Tratado Constitucional em França e na Holanda que é, sem dúvida, uma vitória dos povos e uma pesada derrota da União Europeia neoliberal, federalista e militarista, a por nós reclamada decisão de adiamento do processo de ratificação é um importante acontecimento que deita por terra um acto referendário que, nas condições em que se ia realizar no nosso país, estava condenado a transformar-se numa farsa e numa inadmissível fraude política.

É, por isso, que o adiamento do referendo é uma vitória de todos aqueles que, como o PCP e CDU, se bateram contra e denunciaram a inqualificável estratégia de manipulação que estava em curso e uma derrota de todos aqueles, PS, PSD e CDS que, ainda há três semanas impunham, num gesto de insensatez e irresponsabilidade, mas também de autoritarismo a aprovação de uma revisão constitucional para à viva força impor um referendo a um Tratado moribundo e que a luta dos povos vai enterrar em definitivo.

Da nossa parte continuaremos a defender que o povo português deve ter a oportunidade de se pronunciar sobre o processo de adesão à União Europeia.

Não sobre um Tratado que está praticamente “morto”, mas sobre o rumo da União Europeia.

Mas é preciso reafirmar com muita clareza também que não aceitamos e recusaremos qualquer Tratado Constitucional ou Constituição Europeia.

A Europa que defendemos de Estados soberanos e iguais não precisa de uma constituição e muito menos de “Tratado Constitucional” cujo objectivo central será sempre o de impor uma solução de cariz federalista que visará a inaceitável subordinação do direito nacional ao direito comunitário amputando ainda mais domínios essenciais da nossa soberania nacionais.