Sobre o aumento dos preços
Declaração de Jorge Pires, da Comissão Política do PCP
03 de Janeiro de 2006

Na sua mensagem de Natal o primeiro-ministro, José Sócrates, procurou iludir a verdadeira situação do país, tentando transmitir a ideia de que 2005 foi «um ano em que o País começou finalmente a enfrentar e a resolver os seus problemas» e que há que ter esperança num futuro melhor.
Já na parte final da sua mensagem desejou que «o ano novo que aí vem seja mesmo novo e possa já trazer alguma coisa do futuro melhor que todos estamos a construir»

Não fosse a gravidade da situação e bem podíamos brincar, fazendo um trocadilho com o ditado popular, anunciando no ano novo, não uma vida nova, mas velhas soluções e velhos problemas.

Velhas soluções pré-anunciadas quando da discussão do Programa de Estabilidade e Crescimento e confirmadas com a aprovação do orçamento de Estado para 2006.

Dois documentos que deixaram claro que as opções políticas, económicas e sociais deste governo, não vão no sentido do combate: à injusta distribuição da riqueza; às desigualdades; à pobreza e à exclusão social. Antes pelo contrário são o fruto de uma opção ideológica, em que a pobreza e a exclusão social são apresentadas como uma fatalidade.

Dissemos, quando da discussão do orçamento de Estado para 2006, que a obsessão pelo défice, numa altura de grave crise económica, só poderia contribuir para prolongar a estagnação económica, mergulhar o País na recessão, aumentar ainda mais o desemprego, agravar as condições de vida dos portugueses com a redução do poder de compra dos trabalhadores, hipotecando desta forma o presente e o futuro dos portugueses.

É neste contexto, que interpretamos não só os recentes aumentos de preços de serviços públicos e bens essenciais, como a imposição por parte do governo, de um aumento salarial de 1,5% para os trabalhadores da Administração Pública, decisão que, nunca como desta vez ficou tão claro, é extensiva aos trabalhadores do sector privado.

Aumentos inaceitáveis porque profundamente injustos. Os aumentos anunciados, alguns já em vigor, justificados com o “combate ao défice”, ou com a conjuntura internacional, nomeadamente os preços do petróleo, apenas vêm agravar as condições de vida da esmagadora maioria dos portugueses, acentuar a perda do poder de compra dos salários, o endividamento das famílias portuguesas que já chegou aos 118% e aumentar os lucros dos grandes grupos económicos.

Estamos a falar de um conjunto de aumentos de bens essenciais e serviços públicos, como é o caso do pão 10%, da electricidade 2,3%, das portagens 2,8%, dos transportes com um aumento médio de 2,3%, das taxas moderadoras que podem, nas urgências dos hospitais, ir até 9%, dos medicamentos com o fim da majoração nos genéricos e da comparticipação a 100% para muitos doentes crónicos e muitos outros que se seguirão fruto do efeito “bola de neve”.

Aumentos de preços sobre produtos e serviços, que durante 2005 tinham sido alvo de outros aumentos, como foram o caso dos preços dos transportes, que só nos últimos oito meses foram alterados quatro vezes subindo 10%, do pão que sofreu um aumento de 10%, da electricidade 2,3%, das propinas 11,5%, do gás 8,3%, da gasolina 13%, não esquecendo o aumento do IVA de 19 para 21%.

Os números recentemente divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística, sobre a variação da taxa de inflação, não só confirmam a degradação das condições de vida dos portugueses, como a natureza das políticas seguidas pelos sucessivos governos de imposição do aperto do cinto, sempre aos mesmos.

Por exemplo ficámos a saber que entre 1999 e 2004 a variação do índice de preços no consumidor foi de 18,93 nos transportes, 14,55 na habitação, água, electricidade e gás, 12,18 nos produtos alimentares e bebidas não alcoólicas e que os preços dos serviços de educação aumentaram em 2004 em cerca de 10% e que entre 2000 e 2004 essa variação foi de 28%, com destaque para a variação no ensino superior de 16% só em 2004.

Nestes pouco mais de nove meses, o governo do PS prosseguiu no essencial e nas questões fundamentais e estruturantes (política salarial, política fiscal e política de preços) os mesmos eixos da política dos governos PSD, embora aqui e acolá disfarçada e embrulhada com uma retórica social. Pautou a sua política por uma iníqua distribuição do Rendimento Nacional em prejuízo do «rendimento do trabalho» e por uma estratégia de competitividade assente sobretudo na política de baixos salários.

Em resultado das políticas de moderação salarial em Portugal, a percentagem do PIB que reverte para os trabalhadores sob a forma de remunerações atingiu apenas 40%, enquanto a média na União Europeia a 25, rondou os 51%. No nosso País 73% da população activa recebe apenas 40% da riqueza criada o que revela um grau de desigualdade muito elevado.

Portugal é o país da U.E. a 15 com os mais baixos salário mínimo e médio, com as mais baixas reformas, com a mais alta taxa de pobreza e com o maior fosso entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres.

Um dos ataques aos salários são as previsões da inflação que os diferentes governos anunciam anualmente, que como a vida tem demonstrado são claramente abaixo daquela que efectivamente se verifica, atingindo entre 2000 e 2005 uma diferença acumulada de 5,25%.

É no mínimo escandalosa e profundamente injusta, a decisão do governo de impor um aumento salarial na Administração Pública de 1,5% para 2006, quando sabe que estes trabalhadores só de 2000 a 2005 perderam em termos médios cerca de 5% do seu poder de compra. Mesmo que a taxa de inflação que o Governo prevê para 2006 fosse efectivamente de 2,3%, entre 2000 e 2006 a variação da inflação seria de 21,2% e dos salários 15,45%, ou seja os trabalhadores veriam o seu salário perder em termos médios cerca de 5,75% do seu poder de compra que já é claramente insuficiente. Como ninguém acredita que se fique pelos 2,3%, a perda do poder de compra dos salários será maior que os 5,75% desde 2000.

O PCP chama mais uma vez a atenção para o facto de ao mesmo tempo que o governo pede à esmagadora maioria dos portugueses mais sacrifícios, os grandes grupos económicos obtêm, na maioria dos casos os melhores resultados líquidos de sempre. Só no primeiro semestre de 2005, os bancos tiveram de resultados líquidos 883 milhões de euros. Mas entre Janeiro e Setembro o TOTTA, BCP e BES tiveram de lucros 1.215 mil milhões de euros, ou seja 187.500 euros/hora.

Mas não foram só os bancos. Também empresas que prestam importantes serviços ás populações, como a EDP, BRISA, PT e GALP, viram em 2004 os seus lucros subirem acima dos 1.500 milhões de euros.

É cada vez mais claro, que estas políticas, condenam centenas de milhares de portugueses a uma pobreza extrema, facilitam a polarização da riqueza como nunca se viu, conduzem à destruição ou submissão do nosso aparelho produtivo.

Para o PCP as soluções para os graves problemas económicos e sociais do País, não passam pelo agravamento das desigualdades. É fundamental colocar o Desenvolvimento ao serviço da satisfação das necessidades básicas das populações como a alimentação, a habitação, os transportes, a educação, a saúde, e em simultâneo acentuar o carácter social destas necessidades, desenvolvendo o acesso a actividades suficientemente remuneradoras e promovendo a igualdade entre os cidadãos.