Intervenção do
deputado Lino de Carvalho

Pedido de esclarecimentos ao Ministro das Finanças e da Economia
no decorrer do debate do Programa do XIV Governo Constitucional

4 de Novembro 1999


Sr. Presidente,
Sr. Ministro

Neste debate, algumas bancadas têm acusado este Programa de estar cheio de generalidades, de figuras de retórica vazia. Se isso é verdade, também é verdade que em vários momentos, em vários capítulos deste Programa, essa retórica esconde orientações ideológicas muito claras que marcam o Programa do Governo. Isso está particularmente exemplificado na sua nova «NPE», no seu novo perfil da política económica, nos capítulos que estão a cargo do Ministro das Finanças e da Economia.

Penso que é esse capítulo que, definitivamente, marca a vitória das concepções liberais ou neo-liberais em economia que atravessam o Governo; é um capítulo que marca e que é orientado pelo primado dos interesses das empresas, pelo primado da competitividade das empresas, pelo primado do lucro; é um capítulo em que tudo, no essencial, subordina a essa orientação ideológica. E mais, Sr. Ministro!, mais do que está escrito no Programa do Governo do que o discurso do Sr. Ministro aqui hoje.

Vou dar-lhe alguns exemplo: é que o Governo remete o Estado para o papel regulador e financiador da economia e das empresas. Mas, mesmo nesse mitigado papel a que o Governo remete o Estado, o Programa do Governo demite desde logo o Estado mesmo desse papel, ao criar agências reguladoras independentes do Governo. Nem aí o Estado assume um papel interventivo directo.

Outra questão é a de que todos olhamos, por exemplo, para o capítulo específico da política de emprego — e até somos capazes de acompanhar formulações, que lá estão escritas, de aparente preocupação com o excesso de desregulação do mercado de trabalho...! Mas é no capítulo da política económica que vamos detectar as propostas quanto à necessidade de aumentar a flexibilidade e a desregulação do mercado de trabalho em nome da competitividade das empresas. Se olharmos para a política fiscal, o que verificamos é que — ao contrário do que se passa com as nossas necessidades, que é corrigir um sistema fiscal injusto do ponto de vida social, que é corrigir um sistema fiscal que dá azo a fortíssimas fraudes e evasões fiscais — as medidas de alteração do sistema fiscal são propostas em nome do incremento da competitividade fiscal das empresas. É, porventura, já o primeiro resultado da fusão dos Ministérios da Economia e das Finanças ao colocar a política fiscal ao serviço, exclusivamente, dos interesses das empresas!

Mas vamos agora, Sr. Ministro, concretizar um pouco mais: o Governo fala em combate à evasão e à fraude fiscais, muito bem! Acompanhamos o Governo nesse aspecto. Mas a questão que colocamos é a seguinte: o que é que se vai privilegiar nesse combate? É porque esta questão já estava no Programa e nas palavras do governo anterior, mas o que se verificou foi que, quando o governo passou à prática, essa orientação do combate à evasão e à fraude fiscais, a primeira preocupação foi pôr os serviços de tributação fiscal a inspeccionar as declarações modelo um do IRS, das declarações de rendimento dos trabalhadores por conta de outrem, quando, afinal, a questão central da evasão fiscal não se encontra nas declarações dos trabalhadores por conta de outrem mas em mais de metade das empresas portuguesas que, sistematicamente, não pagam impostos ao Estado!! É esta a concepção de combate à evasão fiscal? Se é essa não a acompanhamos, Sr. Ministro!

O Governo fala também em corrigir o perfil dos benefícios fiscais. O que é que isso significa no concreto? Quer dizer, Sr. Ministro, que, actualmente, o sistema financeiro que paga pouco mais de 20% do IRC vai passar a ser tributado, como muitos milhares de micro, de pequenas e médias empresas neste País, pelos verdadeiros valores do IRC que são 36%? É isso que o Sr. Ministro está a propor nessa sua formulação sobre o novo perfil de benefícios fiscais? Também sobre isto, gostávamos de ter clareza da orientação do Governo.

Mas outra área de preocupação, Sr. Ministro, tem a ver com a carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho. Aqui nada é dito ou, melhor, o que é dito é assim: o possível desagravamento da carga fiscal sobre o rendimento do trabalho é colocado na dependência das decisões da União Europeia e da OCDE. Porquê, Sr. Ministro? Porque é que isso é dito para a carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho e não é dito para outras componentes do sistema fiscal, designadamente em relação às empresas, quando sabemos como o Governo, aliás, tem reconhecido, nalguns momentos, que em Portugal incide um excesso de carga fiscal sobre o rendimento do trabalho.

Está o Governo de acordo em acompanhar-nos no desagravamento da carga fiscal do rendimento sobre o trabalho, designadamente nos escalões mais baixos e médios, como foi feito no último Orçamento por proposta do PCP?

Sr. Ministro, não temos tempo para mais, mas há uma coisa que lhe peço: surpreenda-nos na resposta, desminta o seu antigo colega, então Ministro das Finanças Sousa Franco, quando declarou a um jornal semanário, lamentando-se, que não percebia por que é que os capitalistas gostavam mais do Ministro da Economia do que gostavam dele. Surpreenda-nos e desminta o seu antigo colega Sousa Franco.