Intervenção do
deputado Agostinho Lopes

Programa do XIV Governo

3 de Novembro 1999


Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Senhor Primeiro - Ministro
Senhores Membros do Governo,

Se há um sinal em que se possam traduzir os resultados das últimas eleições – e há – ele é, sem dúvida, um sinal de maior preocupação com as políticas de direita do Partido Socialista. Se o eleitorado entendeu continuar a dar ao Partido Socialista uma maioria para governar simultaneamente recusou-lhe a maioria absoluta. E afirmou assim que esse voto de confiança reservada ia acompanhado de uma clara expressão de vontade de que as políticas para esta legislatura tivessem o sinal da justiça, da diminuição das desigualdades e do progresso social inerentes à necessidade de uma política de esquerda em Portugal.

Lendo o Programa do Governo não é esta a orientação que detectamos. Cuidadosamente polvilhado, aqui ou além, com alguns toques de preocupação social a verdade é que a espinha dorsal do Programa assenta numa visão liberal, traduzida em especial no chamado "novo perfil da política económica", continuação dos privilégios aos grandes grupos económicos; continuação da prioridade ao capital financeiro; submissão do social ao mercado todo poderoso. Definição de "um programa plurianual de privatizações" onde nem a Bolsa escapa e onde um curioso etc. deixa lugar para todas as hipóteses. A propósito, é necessário que o Governo esclareça neste debate se neste "etc." também vai incluído o que resta do sector público do sistema financeiro com a privatização do apetecido grupo da Caixa Geral de Depósitos, aliás conforme o inadmissível conselho da OCDE! O recuo das políticas públicas e do papel do Estado remetido a um mero agente regulador dos interesses privados é a trave mestra da nova-velha concepção de política económica do Governo. E não vale a pena escrever um sob capítulo sobre "o Papel Regulador do Estado" se simultaneamente se propõe continuar e despojar o Estado de instrumentos fundamentais para a possível intervenção reguladora. A fusão dos Ministérios da Economia e das Finanças vai neste sentido. A constituição do Ministério e das Secretarias de Estado confirmam-no. E , ao que se diz, o alegado reforço dos poderes do Ministro responde aos insistentes elogios e propostas da Confederação dos grandes senhores da economia portuguesa.

Mas noutras áreas também é fácil detectar esta fúria liberalizadora do Governo. Se percorrermos o capítulo da política de emprego e procurarmos ver para além do manto diáfano das palavras verificamos que o centro da política laboral está assente na procura de "novos modelos de trabalho flexivel" ao serviço de uma maior "competitividade" das empresas. Verificamos que o Governo quer retomar o Pacote Laboral através da sua proposta de "Reanalisar globalmente a legislação de trabalho existente (...)". Por sua vez, as políticas de educação e de saúde também não escapam a este modelo em que o Estado é remetido a um mero papel de financiador, em que o recuo das políticas públicas é notório, Em que a desresponsabilização do Estado, escondida atrás de palavras como "parcerias", "escolha entre diversas alternativas", "promoção do mutualismo" é uma orientação notória.

Não é esta a posição do PCP. É evidente, para evitar despropositadas e defeituosas interpretações, que o PCP entende e defende um lugar estratégico para as empresas e, em geral, para a "iniciativa privada" na economia portuguesa. É evidente que o PCP não despreza, pelo contrário estimula a intervenção dos cidadãos e das diversas organizações de solidariedade social na definição e participação nas políticas sociais. Mas - sublinhamo-lo - no quadro de uma economia onde o Estado não se demita de intervir e onde ao sector público e social seja reservado uma função importante nos sectores estratégicos fundamentais da nossa vida colectiva. O nosso Programa eleitoral é claro na assumpção desta visão: "ao modelo neoliberal (sacralização do mercado e o domínio e papel estruturante dos grupos monopolistas) o PCP contrapõe como alternativa um projecto democrático, social e participado que tem como objectivo a concretização da coesão e convergência real no espaço económico onde nos inserimos. Um projecto que permita aos trabalhadores e a outras camadas laboriosas da população beneficiar dos avanços da ciência, da técnica e da cultura, associando a modernização e a utilização das novas tecnologias como elemento de combate ao desemprego e à desigualdades e exclusão sociais".

São na nossa opinião outras as consequências das opções programáticas do Governo como é muito visível nalgumas políticas e medidas concretas.

Ao claro abandono do objectivo do pleno emprego correspondem políticas de emprego cada vez mais baseadas na precaridade, na instabilidade, nos baixos salários, na redução do emprego com direitos e dos direitos de quem trabalha. Nós defendemos um plano de combate à precarização e ao falso trabalho independente, o estabelecimento de um calendário de redução progressiva para as 35 horas, sem redução de salário nem perda de direitos, o aumento digno do Salário Mínimo Nacional, como primeiro passo da necessária revalorização salarial dos trabalhadores portugueses. A uma política social que condena mais de 70% dos nossos pensionistas e reformados a viverem com menos de 34.100$00 por mês, nós defendemos propostas que garantam uma melhoria significativa das pensões de reforma. Às muitas palavras sobre a promoção da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres nós contrapomos medidas concretas de efectiva garantia de igualdade no acesso ao emprego, de combate à discriminação, de reposição da idade da reforma para as mulheres aos 62 anos. A uma política de saúde que tem dificultado crescentemente o acesso dos cidadãos portugueses aos serviços de saúde, penalizando em particular os de menores recursos e onerado irracionalmente o Orçamento de Estado nós propomos medidas concretas visando o embaratecimento e a racionalização dos gastos com medicamentos e o aumento significativo da comparticipação pelo Estado de próteses, ortóteses e dispositivos de compensação. A uma estratégia de combate à droga que até em matéria de formulações se aproxima de muitas das usadas pelo PCP nós avançamos, sem hesitações, para uma proposta visando a despenalização do consumo da droga no quadro de uma política global. A uma política fiscal que tudo aponta continuará a ir no sentido de promover mais benesses para o grande capital nós contrapomos medidas de reforma fiscal que reduzam a tributação que incide sobre os rendimentos de trabalho, que promovam um combate efectivo à evasão contributiva, que reduzam substancialmente os benefícios fiscais, que preste uma particular atenção ás micro e às pequenas e médias empresas. A uma política agrícola que não pretende tocar na iníqua distribuição dos apoios à agricultura em que 3% a 5% das explorações absorvem 90% dos apoios nós contrapomos medidas visando a alteração dos critérios nas ajudas agrícolas da PAC, com uma modulação favorável às explorações familiares.

Medidas que já começámos a concretizar com a entrega das primeiras iniciativas legislativas e que são também um teste à postura do Governo. Medidas entre outras que corporizam toda uma política visando reduzir as desigualdades sociais e fiscais aumentando o rendimento dos portugueses mais desfavorecidos e, por essa via, dinamizar a economia e o mercado; e combatendo alguns dos problemas que mais afectam a sociedade portuguesa.

No quadro político mais exigente resultante das eleições, a acção e intervenção do Partido Comunista Português orientar-se-ão pela concretização dos compromissos que na campanha eleitoral assumiu perante os portugueses. As medidas que referi são pelo seu conteúdo e simbolismo, parte integrante desses compromissos. Parte integrante dos objectivos da uma política de esquerda que o Partido Comunista Português defende e que devem consubstanciar uma nova política para Portugal. Objectivos pelos quais intransigentemente nos bateremos. Em nome dos quais, também, contrariaremos políticas, medidas e práticas que visem prosseguir e aprofundar a política de direita levada a cabo nos últimos anos. Em nome dos quais, igualmente, acolheremos criticamente as propostas que objectivamente possam contribuir para a sua concretização.

Disse.