Debate mensal do Primeiro-Ministro com o Parlamento, sobre simplificação administrativa e desenvolvimento da economia
Intervenção de Bernardino Soares
27 de Janeiro de 2006

 

 

 

 

 

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Quero falar exactamente de uma das questões que o Sr. Primeiro-Ministro referiu no final desta sua intervenção, isto é, da maioria absoluta e dos seus efeitos na questão da transparência da acção governativa, designadamente no que toca aos poderes de fiscalização da Assembleia da República.

Todos nos lembramos do que era a maioria anterior, quando tocava a investigar actos do governo, designadamente em comissões de inquérito. E também nos lembramos do que o Partido Socialista dizia — e bem! —, criticamente, em relação à atitude da maioria anterior. E lembramo-nos também do compromisso de diferença no exercício da maioria absoluta que o Sr. Primeiro-Ministro assumiu nesta Câmara, no debate do Programa do Governo.

Ora, o que vemos agora é que, afinal, essas palavras não têm correspondência com a realidade. Ontem, tivemos nesta Assembleia dois casos absolutamente inaceitáveis, do ponto de vista do esclarecimento de questões essenciais da acção governativa. Um deles tem a ver com a Comissão de Inquérito à Gestão do Processo Eurominas, relacionada com processos de um governo anterior do Partido Socialista, em que o PS e a sua maioria se recusam a ouvir relevantes depoentes e procura encerrar à pressa os trabalhos desta Comissão.

São 12 milhões de euros que podem ter sido indevidamente atribuídos, é um processo em que há passagem de governantes para «o outro lado», para intervir do lado das empresas que acabaram por beneficiar com estas indemnizações (aliás, com duvidosa legalidade), e os Srs. Deputados da maioria que sustenta o seu Governo impediram que, em determinada altura, aqueles que fundamentaram a posição do Estado, de poder recusar essa indemnização pudessem ser ouvidos nesta Comissão.

Também ontem, a mesma maioria absoluta do Partido Socialista «chumbou» um projecto de resolução, do PCP, em que propúnhamos a constituição de uma comissão de inquérito sobre a reestruturação do sector da energia, comissão esta que pretendia saber coisas como: quais são os compromissos com o Grupo Amorim? Por que é que o Ministro da Economia diz que «não há papéis» sobre todo este acordo? Que compensações foram dadas à ENI e à Iberdrola? Que possibilidades estão abertas, no futuro, para que tomem posições mais fortes, em prejuízo do interesse nacional e do controlo estratégico do interesse público na condução dos negócios destas áreas essenciais para o País?

Este esclarecimento é indispensável!! O Sr. Primeiro-Ministro falou hoje muito aqui de «bom ambiente» para os negócios. Esperemos que este não seja um bom ambiente para os negócios de promiscuidade entre o interesse público e o interesse privado.

Esperemos que esta maioria não continue a ser uma maioria de bloqueio ao apuramento da verdade e ao esclarecimento dos factos.

E, por favor, Sr. Primeiro-Ministro, não responda que este é um assunto do Grupo Parlamentar do PS. É do Grupo Parlamentar do PS e do Governo, porque se o Grupo Parlamentar do PS impede é porque o Governo não quer responder.

Diz o povo, Sr. Primeiro-Ministro, que «quem não deve não teme». Pelos vistos, nestes casos, o Governo teme a verdade e o esclarecimento e, por isso, quer «varrer o lixo para debaixo do tapete».