Declaração política, tecendo considerações acerca das consequências da eleição de Cavaco Silva para Presidente da República e congratulando-se pelo resultado obtido nessas eleições pelo candidato Jerónimo de Sousa
Intervenção de Francisco Lopes
25 de Janeiro de 2006

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

As eleições presidenciais do passado domingo ficam marcadas por dois dados essenciais de sentido diferente: a eleição de Cavaco Silva e uma significativa e importante votação obtida pela candidatura de Jerónimo de Sousa.

A eleição de Cavaco Silva é um elemento negativo para os trabalhadores, o povo e o País.

Com a sua vitória reforça-se o suporte institucional de apoio a uma política de direita que, ao longo de várias décadas, tem empurrado o País para a difícil situação em que se encontra e acentua-se a linha de liquidação de direitos e ataque às condições de vida dos trabalhadores e da população.

Com a sua vitória alarga-se a defesa das desigualdades sociais, do agravamento da exploração, da acumulação da riqueza num núcleo reduzido de famílias e da ambição destas para tomar posse dos recursos e da riqueza nacional.

Com a sua vitória aumenta o risco de diminuição do espaço de intervenção democrática e de desvalorização da Constituição da República.

A vitória de Cavaco Silva significa, assim, mais instabilidade para a democracia e para o povo português.

A candidatura de Cavaco Silva, preparada ao longo de anos, apostando no apagamento da memória sobre a sua acção política no passado e na ocultação dos seus projectos futuros, com o apoio dos grupos económicos e financeiros e largo favorecimento mediático, teve como apoio de peso o descontentamento e a desilusão provocados pelo prosseguimento da política de direita do Governo do PS e pela multiplicação das suas decisões antipopulares, mesmo durante a própria campanha eleitoral.

Como se isso não bastasse, a hesitação, a falta de empenhamento, a apatia do PS e a síndroma da derrota antecipada que atingiu a sua direcção acrescentaram-se como factores decisivos favoráveis ao candidato da direita. É revelador que os candidatos situados na área do PS tenham recolhido apenas 35% dos votos quando há menos de um ano, nas eleições legislativas, o PS tinha alcançado 45% dos votos.

Cavaco Silva ganhou, mas não convenceu nem mobilizou o povo português. Foi eleito com a menor margem de sempre de um Presidente da República: 0,6% dos votos expressos, pouco mais de 30 000 votos em quase 9 milhões de eleitores.

A margem de votos obtida, muito longe da vitória esmagadora que as sondagens, analistas e comentadores foram anunciando, revela (como a candidatura de Jerónimo de Sousa sublinhou) que bastava apenas mais um pouco para que se pudesse impedir a sua vitória na primeira volta, abrindo caminho para sua derrota na segunda volta.

Para a história ficará a eleição de um candidato da direita como Presidente da República, no seguimento de o PS ter alcançado, pela primeira vez, uma maioria absoluta na Assembleia da República e após poucos meses de acção do seu Governo.

Mais que uma «derrota da esquerda», a eleição de Cavaco Silva traduz sobretudo uma derrota dos que, promovendo a política de direita, contribuíram para o desânimo, a frustração, a quebra da esperança de milhões de portugueses.

Uma derrota dos que, fazendo coro contra os partidos e endeusando a «cidadania» em abstracto, a invocam não como valor mas como arma de arremesso, fazendo-se esquecidos que a participação partidária é uma expressão plena de cidadania e uma das importantes conquistas da Revolução de Abril, e assim convergiram nesta abordagem com Cavaco Silva e branquearam a sua demagógica linha de desconfiança contra a política e os políticos. Uma derrota dos que mais que preocupados com o País e o candidato da direita se satisfizeram com projectos pessoais e se ocuparam com caricaturas e avivamento de preconceitos.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Em sentido diferente, esta eleição foi marcada positivamente pelo importante resultado obtido pela candidatura de Jerónimo de Sousa: 8,6%, 470 000 votos, um significativo aumento em relação à votação da CDU nas legislativas de 2005, com subida percentual em todos os distritos e regiões autónomas, a vitória no distrito de Beja e num importante número de concelhos.

A candidatura de Jerónimo de Sousa deu uma contribuição ímpar para a valorização da Constituição da República (e o projecto que comporta), para o esclarecimento dos objectivos do candidato de direita e para a possibilidade da sua derrota. Deu um contributo insubstituível para o debate dos problemas nacionais, para a mobilização dos eleitores, para a afirmação e exigência de uma ruptura democrática e de esquerda na política nacional.

O apoio recebido será honrado, prosseguindo o trabalho e a luta em defesa dos direitos sociais, dos salários, dos serviços públicos e funções sociais do Estado, em defesa da segurança social e contra o aumento da idade da reforma, pela defesa do aparelho produtivo e contra o desemprego e pela defesa do regime democrático e por um Portugal com futuro.

A candidatura de Jerónimo de Sousa, os seus valores e projecto, a sua campanha e os seus resultados afirmam uma força imensa, de luta, determinação e construção do futuro, que constitui um insubstituível factor de confiança e esperança para os trabalhadores e o povo português, nos tempos que se seguem.

Abre-se uma nova etapa. Com determinação e empenho vamos continuar e intensificar a acção pelos objectivos que nortearam a candidatura de Jerónimo de Sousa, na Assembleia da República, em todos os espaços de representação democrática e junto dos trabalhadores e do povo, estimulando a sua participação e luta, usando todos os direitos que a Constituição consagra, certos de que, por muito que alguns ambicionem fechar as instituições ao sentir e às aspirações populares, como a nossa história evidencia, é verdadeiramente a força do povo que acaba por decidir.