Política do Governo para o sector energético
Intervenção de Agostinho Lopes
21 de Dezembro de 2005

 

 

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro,
Sr. Secretário de Estado,

A nossa intervenção de hoje poderia limitar-se a perguntar ao Sr. Ministro da Economia e ao Governo o que respondem à crónica de domingo, intitulada «Cheira a petróleo», do insuspeito (pelo menos de ser comunista) António Barreto. Citar-lhe-ia, aliás, a parte final dessa crónica: « Mas, mais urgente do que tudo, que fará a Assembleia da República, que já deveria ter discutido e esclarecido este processo? Posso prever, com pouco risco de me enganar: nada!»

Ora, se há responsabilidade pela falta de esclarecimento do processo energético no nosso país, é do Governo e, em primeiro lugar, do Sr. Ministro da Economia.

Desde o dia 6 de Maio, altura em que aqui questionámos, pela primeira vez, o Sr. Secretário de Estado, que este problema se vem arrastando, apesar das sucessivas promessas do Sr. Ministro de vir cá debater este importante problema e apesar de termos apresentado sucessivos reque-rimentos na Comissão de Assuntos Económicos. Nem sequer durante o debate do Orçamento tivemos oportunidade de poder contar com a presença do Sr. Ministro!

Sr. Ministro, os problemas da energia, face ao fim anunciado do ciclo da civilização do petróleo como fonte primária, colocam aos Estados e aos povos os mais importantes desafios que pode-mos imaginar. O Sr. Ministro disse aqui que temos uma situação preocupante no sector energético. É um facto! As políticas de direita de sucessivos governos do PS e do PSD não têm tratado bem a energia em Portugal. Agravou-se a intensidade energética, agravou-se a intensidade carbónica, cresceu o peso e a dependência dos combustíveis fósseis e cresceu o peso dos transportes, sobretudo rodoviários, no que respeita aos consumos finais de energia. Contudo, esta situação tem responsáveis, que são a política de direita e os sucessivos governos que a têm levado a cabo.

Para esta situação contribuem também as três reestruturações, ou, melhor, desestruturações do sec-tor energético levadas a cabo pelos já referidos governos, duas da responsabilidade do PSD e uma do PS. Contudo, como o PS não quer ficar atrás, avança com uma nova reestruturação, repetindo as mes-mas receitas neoliberais: privatizações, liberalizações e abertura ao capital estrangeiro, sendo inevitável o resultado final, ou seja, o agravamento de todos os problemas da energia em Portugal. Tudo, aparen-temente, em nome da livre concorrência e, pretensamente, para favorecer consumidores e empresários. Não se percebe é por que é que, então, esse favorecimento não acontece.

O que se perfila são monopólios e mercados monopolistas mais ou menos sob o comando de grandes grupos transnacionais da energia.

Sr. Ministro, quanto custaram ao erário público essas sucessivas reestruturações? E faço-lhe esta pergunta em termos de publicidade, de consultoria, de indemnizações, de dividendos não recebidos e de receitas fiscais perdidas. E que dizer das mais-valias de mais 100 milhões de contos que a Petrocontrol meteu ao bolso ou dos 114 milhões de euros que a Eni levou de dividendos para Itália entre 2001 e 2004?

Quanto custaram ao sector e ao País, Sr. Ministro, as muitas rupturas nas estratégias de desenvolvimento das estruturas empresariais da Galp, da EDP e mesmo das empresas do gás? O que vai o Sr. Ministro fazer face aos previsíveis aumentos brutais das tarifas de energia eléctrica no pró-ximo ano? O que vai fazer para que essas subidas brutais não afectem aquilo que todos dizem querer, que é o aumento da competitividade das empresas portuguesas e das exportações? O que pensa o Governo da actual sustentabilidade financeira do sistema tarifário responsável por essas subidas que estão em curso? Como vai responder aos défices que esse sistema tarifário está a provocar nos preços da energia eléctrica? Que projectos tem o Governo para o integral aproveitamento do potencial hídrico no que respeita às médias e grandes barragens do País? É que, segundo julgo, continuamos a cerca de 50% do potencial possível. O avanço no projecto do Baixo Sabor é bom, assim se concretizem as ideias hoje referidas, mas não chega, deixando-nos ainda longe de atingir todo o potencial que está ao nosso alcance em termos de matéria hídrica. Finalmente, gostaria de saber por que não funcionam as agências de energia em que o Governo tem representantes e por que razão estão suspensas as candidaturas dos projectos de aproveitamento de biomassa e de construção de minihídricas.

 

(…)

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro da Economia e da Inovação,

Nas suas respostas disse zero sobre as questões que lhe foram colocadas. Conforma-se com o aumento de 6% que vai afectar a competitividade da economia portuguesa, diz que o MIBEL é um percurso eterno e, relativamente ao aproveitamento do potencial hídrico, não lhe fiz a pergunta que referiu, perguntei-lhe, sim, qual o programa do Governo destinado ao aproveitamento de todo o potencial hídrico em empreen-dimentos de média e de grande dimensão.

Sr. Ministro, a reestruturação em curso coloca questões de ética do Estado e questões do interesse nacional.

Na crónica já referida, diz António Barreto que «este processo sofre da opaca promiscuidade da vida pública e da submissão da política aos negócios e ao dinheiro». Não tenho tempo de ler toda a crónica, mas aconselhava o Sr. Ministro a lê-la, porque termina da seguinte forma: «O Estado, os dirigentes polí-ticos e, infelizmente, a sociedade portuguesa vivem bem com estas águas turvas, com os segredos dos poderosos e com os percursos fulminantes de gente de sucesso». E pergunta: «Que fará o Tribunal de Contas com estas negociações? Que fará o Sr. Presidente da República com a legislação que irá sair?». E eu pergunto: o que é que vai fazer o Governo depois deste requisitório arrasador relativamente às negociações em curso?

Relativamente a quatro dos principais actores deste processo, deste «filme», colocava-lhe várias questões.

Que mais-valias traz o Grupo Amorim ao grupo accionista da Galp? Vai o Governo entregar-lhe ainda a parte da Rede Eléctrica Nacional (REN)? Quanto pagou o Grupo Amorim? Havia ou não propostas mais vantajosas? O que garante o Grupo Amorim para o futuro, para lá dos cinco anos, em matéria de estabilidade do grupo accionista? Quais os capitais que estão por trás do Grupo Amorim, por exemplo capitais espanhóis?

E, já agora, talvez valesse a pena fazer o balanço de quanto recebeu o Grupo Amorim desde 1986 em matéria de fundos comunitários. É que só no que respeita ao Programa RETEX recebeu 1,6 milhões de contos!

Sobre a Eni, o que vai fazer o Governo se ela exercer o seu direito de preferência até aos 47%? Ou pretende mantê-la no núcleo duro da Galp? Vai indemnizá-la ou entregar-lhe o gás?

Sobre a Iberdrola, vai, por troca com a sua cedência na Galp, entregar-lhe uma fatia maior e, sobre-tudo, um poder maior na EDP? Como vê o Governo o futuro da Iberdrola e de outros grupos espanhóis no contexto do sector energético português, em particular depois da OPA da Gás Natural sobre a Ende-sa, abençoada pela União Europeia?

Gostaria que me esclarecesse ainda, porque nunca foi esclarecido nesta Assembleia, os negócios da Iberdrola com os CTT!

Relativamente à nova iniciativa prevista para Sines, estão acautelados os interesses, os investimen-tos e a capacidade de crescimento das actuais estruturas energéticas?

Não pensa que a criação de 800 postos de trabalho é excessiva para uma iniciativa de tão alta tecnologia, como o Sr. Ministro aqui referiu? Que interesses estrangeiros se acobertam por detrás do Sr. Patrick Monteiro de Barros? Que meios prevê o Estado para apoiar este promotor?