Declaração política sobre os tres primeiros meses de governação e a greve decidida pelas organizações representativas dos professores
Intervenção de Luísa Mesquita
23 de Junho de 2005

 

 

 

Senhor Presidente

Senhoras e Senhores Deputados

 

O Governo tomou posse há 3 meses e os muitos portugueses que acreditaram ter contribuído para a mudança, aguardavam os primeiros sinais que contrariassem a difícil vida a que os últimos governos os haviam submetido.

Os problemas eram muitos e as medidas tardavam.

O programa eleitoral fora ambíguo. A campanha pouco esclarecedora e o programa de governo limitava-se a repetir as promessas que haviam fixado os votos para a maioria absoluta.

O Governo precisava de mais algumas semanas.

Era necessário encenar o drama.

Era imprescindível seleccionar as vítimas, os figurantes e os disponíveis para os aplausos.

Era desejável patrocinar um determinado estilo que assegurasse as suficientes doses de arrogância, abusivamente confundidas com rigor e necessárias à publicidade enganosa das medidas gravosas que aí vinham.

E tudo isto leva o seu tempo.

Cenário concluído.

E colocados no sítio certo alguns escribas de serviço, sempre disponíveis para assumirem a pena de generalistas de tudo e especialistas de nada e que a troco do muito que ganham e do espaço assegurado que têm, debitam fel nas vítimas de sempre e lambuzam de mel as políticas neo-liberais dos diferentes governos.

Faltava mesmo só confirmar o que muitos já sabiam e outros adivinhavam.

As medidas. E elas aí estão. Para gláudio de poucos e sofrimento de muitos. Inaceitáveis politicamente, porque o Governo prometeu e não vai cumprir, gravosas socialmente porque o quotidiano dos mais desprotegidos, dos mais vulneráveis, dos mais pobres se vai agravar e muito, e inadequadas economicamente porque não apostam no desenvolvimento e no crescimento do país mas sim nas imposições absurdas de Bruxelas.

Mas se tudo isto não constituiu surpresa para os mais avisados, outros quedaram-se estupefactos.

Mas ainda não sabiam do mais que aí vinha.

E, cidadãos e cidadãs de um Portugal democrático que ajudaram a construir e muitos por ele lutaram em plena ditadura, fizeram seus os direitos e deveres que o texto constitucional lhes outorgou e manifestaram o seu descontentamento.

Estão convictos que o Governo ainda é o que ganhou a sua confiança em Fevereiro, o socialista, a quem deram o seu voto, não para ficar tudo na mesma, porque para pior já bastava assim.

Mas descobriram da forma mais dura e humilhante que o governo socialista não tem as melhores relações com o exercício dos direitos dos cidadãos, sobretudo quando esse exercício questiona o seu poder, diverge da sua actuação e não aceita o seu ponto de vista.

Que governo estranho este que se permite juízos tão distorcidos e procedimentos tão enviezados para calar a voz dos descontentes.

Que governo, tão estranhamente socialista, quer impedir que trabalhadores se manifestem, de acordo com direitos que a ditadura negou mas que a democracia consagra.

Que governo socialista é este que traduz direitos por privilégios, atropela estatutos profissionais e se propõe repor atentados à dignidade profissional definitivamente esquecidos após o fim da ditadura.

Que governo socialista é este que alimenta de forma inaceitável algumas mentes ignaras e caluniosas que não toleram que, para além delas, também os trabalhadores tenham conquistado duramente direitos e não estejam disponíveis para os alienar e muito menos em nome de interesses que não os do seu país.

Que Governo é este que não percebe, como dizia um professor socialista, que “tudo pode ser negociável, menos a honra e a dignidade da profissão”.

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados

De facto, os últimos dias têm evidenciado os tiques autoritários e arrogantes do Governo e mesmo a sua ausência de capacidade para gerir as consequências do conhecimento público das decisões tomadas em causa alheia mas por responsabilidade própria de quem governa e governou, decretou e aplicou as políticas causadoras dos estragos que agora todos reconhecem.

O governo confrontado com a greve decidida pelas organizações representativas dos professores, perdeu a pose de Estado e pensou que em democracia vale tudo, sobretudo a quem governa.

Mas mais cedo do que o Governo esperava, anunciam-se os fracassos das ameaças e caem as máscaras e os fantasmas que o próprio Governo criou nos últimos dias. O feitiço manifestou-se contra o feiticeiro.

Em 1º lugar o número de exames não realizados é diminuto.

Fiasco da greve correm a noticiar alguns escribas sempre de serviço.

Nada mais falso.

A greve abrangia o pré-escolar, os ensinos básico e secundário e atingiu diferentes espaços territoriais em diferentes dias, decisão fundamental para a diminuição e muito, do impacto na realização dos exames.

Os sindicatos disseram-no. Os professores confirmaram-no.

Mas o Governo optou por não ouvir.

Em 2º lugar as organizações representativas dos pais e encarregados de educação afirmam respeitar a legítima decisão de adesão à greve por parte dos professores, atitude que o Governo não foi capaz de assumir e exigem que o Governo marque os exames, o mais cedo possível e não em Agosto.

E o Governo se não o fizer é porque não quer ou porque pretende transformar um direito constitucional dos trabalhadores docentes em arremesso e oportunismo político.

Mas o Governo já deu o dito pelo não dito.

E afinal os exames serão nos próximos dias.

Em 3º lugar o Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada ordenou a suspensão imediata dos efeitos do despacho do Senhor Secretário Regional da Educação e Ciência do Governo Regional dos Açores, datado de 20 de Junho de 2005, após a interposição de providência cautelar pelas associações representativas dos educadores e professores.

A Senhora Ministra da Educação perdeu a noção das palavras ou não sabe acatar as decisões de Um Estado de Direito Democrático.

A Senhora Ministra afirmou ontem que a decisão do Tribunal de Ponta Delgada sobre a convocação de professores para cumprir os serviços mínimos “não respeita a República Portuguesa.” E porquê? Porque não subscreve a opinião do Governo.

O Presidente da Associação Sindical de Juízes já afirmou que “não é admissível uma “gaffe” que demonstra uma cultura pouco democrática” e acrescenta “É inadmissível que um responsável do Governo como é uma Ministra da Educação se permita proferir declarações destas levianamente” e por isso já pediu a intervenção do Sr. Presidente da República.

O Secretário de Estado da Educação já veio emendar a Senhora Ministra, mas fora de prazo.

De facto o Governo não sabe acatar o descontentamento dos trabalhadores portugueses e agora, e também, as decisões dos Tribunais.

Por tudo isto Senhores Deputados do Partido Socialista o Governo precisa de parar e reflectir.

O caminho é outro.

O caminho da defesa da escola pública e para todos.

As greves não são uma aspiração dos trabalhadores, são antes um direito e aos trabalhadores compete “definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito.”

Estamos num Estado de direito democrático e não no Estado do vale tudo.

Mas vale a pena que o Governo leia o processo cautelar do Tribunal Administrativo de Ponta Delgada. Deixo aqui o convite à reflexão que bem lhe fica e falta lhe faz “… qualquer Estado pode optar por consagrar ou não consagrar o direito à greve dos seus cidadãos trabalhadores. Mas ou se consagra ou não se consagra. Não há consagrações do direito à greve mais ou menos técnicas ou vazias de conteúdo. Ou sim, ou não. E se um Estado ou uma comunidade optam por consagrar tal instituto têm de arcar com os respectivos inconvenientes. E as virtualidades deste direito vêm sempre acompanhadas dos inconvenientes. É um preço que a comunidade tem que pagar por ter feito a opção. Não há como fugir daí.” E acrescenta “… as limitações ao exercício do respectivo direito não podem pura e simplesmente esvaziá-lo. Repetimos: ou há, ou não há direito à greve, não pode é fazer-se de conta que há e não haver.”

Mas vale a pena que o Governo leia um parecer da Organização Internacional do Trabalho sobre liberdade sindical, negociação colectiva e relações profissionais que enuncia as áreas que devem ser objecto de definição de serviços mínimos – a saúde, a segurança e a vida.

Só quando estas áreas possam estar em risco deverão ser objecto de serviços mínimos.

Se assim não acontecer os Estados limitam um dos meios de pressão essenciais de que dispõem os trabalhadores para defender os seus interesses económicos e sociais.

É isso que o Governo socialista pretendeu fazer.

Disse.

(...)

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Cristina Granada,

Naturalmente entendo a sua desconfortável posição; como Deputada do Partido Socialista e como docente, entendo o seu desconforto.

Mas vamos aos factos, Sr.ª Deputada. O Partido Socialista conseguiu a maioria absoluta em Fevereiro de 2005. Esqueceu-se foi — tal como construiu programas ambíguos, quer eleitoral quer de Governo — de enunciar nesses programas algo indispensável, ou seja, que, depois de ser empossado, a primeira medida que ia tomar, em prol da educação pública, da defesa da escola pública, dos professores e da qualificação dos portugueses, era a de impedir os professores de terem direito à greve.

Foi deste facto, Sr.ª Deputada, que o seu Governo se esqueceu.

Mas entendo que a Sr.ª Deputada tenha de fazer esse «frete» ao seu Governo. Agora, os professores deste país não têm de fazer «fretes» ao seu Governo — nem mesmo os professores socialistas, Sr.ª Deputada! Os professores socialistas não vão admitir que qualquer ministra da Educação, seja ela de que partido for, ou qualquer governo, dito supostamente socialista ou não, destrua a escola pública, a qualificação dos portugueses, a educação.

Convença-se, Sr. Deputada, que isso não acontecerá, 30 anos depois de Abril!