Declaração política em que a propósito da realização de um seminário sobre saúde sexual e reprodutiva e os compromissos com o desenvolvimento, inserido na iniciativa «A Lusofonia e os 10 anos da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento», se chama a atenção para a necessidade de desenvolvimento dos Objectivos do Cairo, com vista à superação das desigualdades, e se critica o Governo pela sua actuação na área da educação para a saúde sexual e reprodutiva
Intervenção de Odete Santos
19 de Maio de 2005

 

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

 

A Assembleia da República, através do Grupo Parlamentar Português sobre População e Desenvolvimento, acolheu ontem o seminário sobre saúde sexual e reprodutiva e os compromissos com o desenvolvimento, inserido na iniciativa «A Lusofonia e os 10 anos da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento». Uma das ideias mestras do seminário, que contou com representantes parlamentares do espaço lusófono e com representantes das associações congéneres da Associação para o Planeamento da Família (APF) portuguesa da zona dos PALOP, foi a da necessidade de reforço da cooperação portuguesa com os PALOP, de modo a poderem superar-se atrasos relativamente ao cumprimento da Conferência do Cairo sobre População e Desenvolvimento.

Nesta matéria, a Assembleia da República não tem sido chamada, como devia, a acompanhar iniciativas governamentais junto de instituições internacionais. O que aconteceu, nomeadamente com a apresentação perante as Nações Unidas do relatório elaborado pelo Instituto Português para o Desenvolvimento, do Ministério dos Negócios Estrangeiros, sobre o cumprimento dos Objectivos do Milénio, relatório que leva a data de Novembro de 2004? E o que consta desse relatório não coincide exactamente com a realidade que, por outras vias, nos é apresentada.

Em causa estão, no que toca a esse relatório, o cumprimento dos Objectivos do Milénio, declarados em 2000 pelas Nações Unidas, nos quais avulta uma meta para a erradicação da pobreza que se pode considerar ambiciosa, se tivermos em conta que as políticas neoliberais que triunfam no mundo nada mais fazem do que aprofundar a pobreza, atirando para os pobres a responsabilidade da sua pobreza.

Mas em causa estão também, face à Conferência do Cairo, os próprios Objectivos do Milénio, dada a sua indigência quanto à saúde sexual e reprodutiva.

Provada que está a interdependência entre a erradicação da pobreza e a promoção da saúde sexual, importa que, na cimeira que se realizará em Setembro, os serviços que garantam a saúde sexual e reprodutiva sejam claramente inscritos nos Objectivos do Milénio.

É claro que, por trás dos atrasos a nível mundial que o relatório do Fundo das Nações Unidas para Actividades de População (FNUAP), apresentado em 2004, regista quanto à plataforma de acção do Cairo, estão as famosas gag rules do inefável Presidente Bush, aquelas que deram origem a drásticos cortes nos apoios a organizações que nos países pobres lutam contra a pandemia do HIV, lutam pelo cumprimento dos direitos sexuais e reprodutivos. Em tão grande conta é tido pelo imperialismo norte-americano esse máximo objectivo do milénio: a erradicação da pobreza!

Mas também aí é possível terminar com a colonização «à la Bush». As gag rules acabaram de sofrer um sério revés no Senado norte-americano, com a introdução de uma emenda saudada pelas organizações não governamentais privadas dos apoios que vinham recebendo.

As trombetas desse exército de salvação «bushiano», de que são vítimas preferenciais as mulheres, ressoam mesmo entre nós numa campanha infame que se vem desenvolvendo de uma forma violenta contra a educação sexual nas escolas portuguesas, usando de calúnias, como aliás é hábito nestas matérias que têm uma estreita ligação com o flagelo do aborto clandestino, flagelo a que a 57.ª Assembleia Geral da Organização Mundial de Saúde declarou combate, inscrevendo pela primeira vez a eliminação do aborto não medicalizado nos seus objectivos.

Contra todas as posições internacionais relativamente à saúde reprodutiva, desencadeia-se entre nós, como íamos dizendo, uma campanha infame contra a educação sexual.

Perante a persistência do Partido Socialista em realizar um referendo sobre o aborto, pergunta-se: já se apercebeu a maioria absoluta do Partido Socialista do clima de violência que vem sendo desencadeado pelos que reprimem a sexualidade? A estratégia é hábil e conhecida. Eles não conhecem peias, copiando modelos made in América, nomeadamente quanto à educação sexual, e acolitando renegados e supostos especialistas norte-americanos.

O que conhecidos militantes antifeministas, usando as trombetas do pecado, vêm destilando na comunicação social — é convosco, Srs. Deputados do CDS-PP! — é um rol de aleivosias destinadas a virar a opinião pública contra a causa das mulheres, contra os objectivos da Conferência do Cairo e contra o direito à saúde sexual e reprodutiva.

Srs. Deputados,

Não há um programa de educação sexual nas escolas portuguesas, ao contrário do que mandam para os jornais, e muito menos com o conteúdo que ali descrevem. Há umas orientações para a educação sexual em meio escolar que nunca passaram a programa, precisamente com a obstrução que a direita lhes tem feito.

Confunde-se, propositadamente, livros e materiais ao dispor de professores, para os quais é quase inexistente a formação, com conteúdos destinados aos alunos. A «D. Moralidade e os seus vários maridos» — os bons costumes —, que conhecemos de antanho com todas as suas atitudes repressoras, querem perpetuar-se.

De resto, regista-se, por parte destes arautos, o saudosismo do passado. Um seminário que realizaram há não muito tempo tinha por título «50 anos de educação sexual». 50 anos?! Querem o que o fascismo quis: proibir a educação sexual e promover a repressão da sexualidade.

A educação sexual, apesar de um ou outro avanço, continua à espera. Continua à espera que se cumpra a lei, que seja inserida, num modo transversal, em várias disciplinas, como resulta da lei. Uma educação sexual compreensiva, abrangente, que, não afastando qualquer modalidade da mesma, não seja uma educação sexual impositiva do modelo de abstinência.

Para os que esta última advogam, talvez, como na Malásia, as famílias numerosas sejam o sinal de virilidade! Estão, desta feita, a contribuir para o aprofundamento da pobreza. E sobretudo da pobreza cultural.

Perante isto, pergunta-se ao Partido Socialista: querem continuar a abrir as nossas escolas a quem espalha valores retrógrados discriminatórios das mulheres? Pensam, ou não, dar cumprimento, ao modelo de educação sexual? Querem, ou não, pôr cobro à campanha de desinformação? Por que persistem em abrir largas avenidas por onde vão passear-se ódios recalcados, sacerdotes e sacerdotisas apregoando o pecado, a vozearia dos que continuam a condenar Eva? Por que persiste o Partido Socialista no referendo?