Debate do Programa do XVII Governo Constitucional
Intervenção de Bernardino Soares
21 de Março de 2005

 


Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos,

Quero fazer-lhe uma pergunta muito concreta sobre uma das questões que abordou na sua intervenção, que foi, de resto, já referida na intervenção de há pouco do líder parlamentar da sua bancada, Deputado Alberto Martins. Trata-se do problema do referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez.

Sabe a Sr.ª Deputada que temos defendido nesta bancada que deve ser a Assembleia da República a alterar esta lei iníqua, esta lei que é um traço de atraso civilizacional do nosso país e que continua a submeter a humilhações, à devassa da vida privada, a investigações inaceitáveis, ao julgamento e até à hipótese de condenação e de prisão, muitas mulheres portuguesas. Brevemente, teremos mais uma sessão de um julgamento pela prática deste «crime».

O Partido Socialista tem dito que tem de fazer um novo referendo por escrúpulo democrático. Esta é a expressão utilizada, mas pergunto-lhe, Sr.ª Deputada, se houve escrúpulo democrático quando, em 1998, depois de aprovado, na generalidade, um projecto de lei nesta Assembleia, os líderes do PS e do PSD foram a «correr», pela calada da noite, combinar um referendo para interromper esse processo legislativo. Onde esteve nessa altura o escrúpulo democrático?

É por isso que dizemos que argumentar com o escrúpulo democrático quando o que se fez foi desrespeitar a Assembleia da República e um processo legislativo em curso, não é um argumento aceitável. E se a interrupção desse processo foi um erro, não se colmata um erro com a sua duplicação, que é o que agora se preparam para fazer.

Na verdade, a saúde pública e o direito de optar, a Sr.ª Deputada sabe e eu também sei, não se referendam, são direitos que devem ser reconhecidos para que, com uma lei justa, não se imponham convicções a ninguém, não se penalizem as convicções de ninguém e para que cada um possa optar pelas suas convicções e pelo exercício delas sem que a lei penalize uns e não penalize outros.

Por isso, Sr.ª Deputada, pergunto-lhe: não seria melhor, tendo esta Assembleia uma maioria clara e inequívoca de partidos que defendem a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, atalhar caminho e resolver democraticamente este assunto já, onde ele deveria ter sido originariamente resolvido, ou seja, na Assembleia da República, sem mais delongas e não esperando por qualquer referendo de resultado incerto?