Declaração política verberando o Governo pelo que considera ser a instrumentalização do aparelho de Estado para fazer propaganda eleitoral
Intervenção de António Filipe
26 de Janeiro de 2005

 

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

 

Vamos voltar a uma questão que já foi aqui hoje abordada em outras intervenções, mas que também do nosso ponto de vista não pode passar em claro, e que tem a ver com a falta de pudor com que os partidos da ainda actual maioria (e, particularmente, o PSD) estão a instrumentalizar o aparelho de Estado para fazer propaganda eleitoral, pondo o Governo ao serviço dos respectivos partidos e a funcionar verdadeiramente como uma comissão de campanha eleitoral do PSD e do CDS-PP.

As acções que o Governo tem vindo a levar a cabo a este nível vão desde o muito sério e muito grave até ao muito ridículo. A corrida às inaugurações é conhecida. Reportando-nos a dados do passado domingo, que, como se sabe, são dados em permanente evolução, o Governo já tinha feito 63 inaugurações, o que equivale, desde a dissolução da Assembleia da República e a demissão do Governo, a uma média superior a uma inauguração por dia. Inaugurações que vão desde o mais irrelevante até obras, as quais obviamente têm a sua elevância, mas de entre as quais algumas nem sequer foram lançadas por este Governo e outras ainda não estão a funcionar.

Por outro lado, tudo indica que alguns municípios de maioria PSD estão já a antecipar ou a esgotar as inaugurações que tinham previsto para as eleições autárquicas.

A este propósito, também apetece dizer que a dissolução da Assembleia da República, se teve muitos méritos, inclusivamente democráticos, também acaba por ter este mérito: o de relançar a dinamização da actividade governativa, porque não acreditamos que estas inaugurações fossem feitas se o Governo estivesse em plenitude de funções.

O Sr. Deputado Luís Marques Guedes poderá dizer que sim, mas não vai fazê-lo, porque, se não, até ouvia uma gargalhada na sua própria bancada. Portanto, não vale a pena brindar-nos com esse momento de bom humor, ninguém acreditaria em si.

Obviamente, o que o Governo está a fazer é a delapidar dinheiros públicos e a utilizar cargos governativos para, de uma forma absolutamente despudorada, fazer campanha eleitoral.

Isto acontece com as inaugurações, mas também acontece com outros actos, absolutamente despudorados, praticados por membros do Governo. Desde logo, a apresentação de promessas eleitorais, feitas por um Governo de gestão, o que é algo de absolutamente insólito.

O PSD e o CDS-PP têm toda a legitimidade para fazer as promessas que quiserem — aliás, se quiserem, até podem prometer o mesmo que prometeram há três anos e não cumpriram…! Esse é um problema entre os senhores e os eleitores.

Os partidos têm legitimidade para fazer promessas; um governo de gestão não tem! Um Governo de gestão não tem qualquer legitimidade para fazer o anúncio de que, daqui a não sei quantos anos, vai mudar os ministérios de sítio e que os que estão agora no Terreiro do Paço vão passar para Chelas, como se o Governo, nessa altura, tivesse alguma coisa a ver com isto. Este Governo já cessou funções!

Anuncie aquilo que fez, mas não aquilo que outros vão fazer, se quiserem!

Um Governo de gestão não tem qualquer legitimidade para anunciar futuras travessias do rio Tejo, futuras deslocações de ministérios, para anunciar aquilo que manifestamente não lhe pode dizer respeito.

Os senhores prometem agora fazer aquilo que não fizeram quando puderam, quando tiveram essa possibilidade, quando governaram o País em plenitude de funções.

O senhores, agora, chegaram ao ridículo de pôr o Governo a enviar às juntas de freguesia uma fotografia do cabeça-de-lista do PSD às próximas eleições legislativas, que só é Primeiro- Ministro em funções de gestão, porque já foi demitido dessas funções.

Se o Sr. Deputado Jorge Nuno Sá tiver um pouco de calma e me deixar falar, agradeço.

O Sr. Honório Novo (PCP): — «Está a gastar os últimos cartuxos»!!

Há também outros aspectos particularmente graves, como a questão das nomeações. A única justificação que os senhores aqui dão para as nomeações que têm feito nos últimos dias é a de que o Partido Socialista também as fez quando foi governo de gestão. Devo dizer que essa justificação não serve ao País. Não é justificação para as ilegalidades cometidas por este Governo dizer que um governo anterior também já as cometeu.

Mas é também por isso que os portugueses estão confrontados nestas eleições com uma opção muito clara: a de saber se querem continuar a ser governados por governos que têm tido este tipo de atitudes e de orientações.

Os actos criticáveis, e que nós criticámos, praticados por outros governos, particularmente do Partido Socialista, não podem servir de justificação para ilegalidades e faltas de pudor cometidas pelo Governo do PSD e do CDS-PP.

O escândalo é tão grande que até o Presidente do CDS-PP se acha na obrigação de vir agora fazer uma promessa, visando impedir que outros governos, no futuro, façam exactamente aquilo que o CDS tem vindo a fazer no Governo, que é nomear as suas clientelas políticas para o aparelho de Estado.

Terminaria, Sr. Presidente, com aquele que parece ser o último escândalo, hoje mesmo anunciado, que tem a ver com a passagem de infantários sob a dependência directa do Ministério da Segurança Social, da Família e da Criança para as mãos de entidades privadas…

Isto é: um processo que estava anunciado que seria feito até 2008, afinal, vai ser feito até às eleições de dia 20 de Fevereiro de 2005!!

E porquê? Porque personalidades ligadas ao PSD — e algumas delas ligadas ao próprio Ministério, ao próprio aparelho de Estado — estão a criar entidades privadas, designadamente fundações, para que o PSD lhes passe para as mãos a gestão de infantários que são da rede pública, são do Ministério da Segurança Social.

Estamos a assistir a operações que eu nem diria de privatização, mas de partidarização.

O PSD e o Governo estão a retirar da rede pública instituições para entregá-las claramente nas mãos de clientelas partidárias.

E para terminar fica aqui o desafio: um próximo governo não pode deixar de rectificar esta situação, porque este escândalo em democracia não pode ser permitido.

 (...)

  

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Guilherme Silva,

No fundo, o senhor vem aqui reivindicar o facto de o PSD ter aprovado uma lei que afinal não cumpre.

O PSD dá o pior exemplo de nomeações feitas por um governo de gestão e foram já dados aqui hoje não um mas vários exemplos.

Os senhores com a vossa gritaria não conseguem abafar o clamor que vai por este País, que já se apercebe de que o PSD está a fazer nos últimos dias o que pode…!

Mas, relativamente à questão das tais instituições que o Sr. Deputado Guilherme Silva invoca, queria dizer-lhe, Sr. Deputado, que não temos nada contra as IPSS…

De qualquer modo o que está em causa não são IPSS, são «IPSD», são instituições do PSD.

Por que razão é que o Ministério anuncia um processo previsto para ser realizado até 2008, isto é, nos próximos quatro anos, e afinal decide fazê-lo nas próximas quatro semanas?

A razão é simples: é que o PSD tinha esse processo combinado com as suas clientelas políticas e tem o justificado receio de que, saindo o PSD definitivamente do Governo, após as eleições do dia 20, esse escândalo já não fosse para a frente. É essa a única razão, porque os senhores através das vossas clientelas políticas…

Srs. Deputados, vou fazer-vos um desafio muito concreto: os senhores esclareçam publicamente quais são as ligações que a Fundação Silva Leal…

Srs. Deputados, querem um exemplo? Desafio os senhores a explicitarem claramente quais são as ligações existentes entre personalidades do PSD, inclusivamente ligadas ao actual Ministério da Segurança Social, e a Fundação que na região de Lisboa se prepara nos próximos dias para receber a gestão de instituições que estão na dependência directa do Ministério da Segurança Social, concretamente da Fundação Silva Leal.

Os senhores tenham a ombridade de esclarecer o País sobre quais são e quem são os corpos gerentes dessa Fundação e quais são as suas ligações ao actual Governo e ao PSD.

Porque assim o País fica claramente a saber os processos que os senhores seguem para poderem passar património público para a gestão de clientelas partidárias.

Fiz aqui uma acusação muito concreta e desafio os senhores a esclarecerem essa questão muito claramente.

 (...)

Sr. Presidente,

Já tenho pouco tempo, porque ainda precisamos de algum tempo para debater outras questões nomeadamente no debate que se vai seguir, mas, Sr. Secretário de Estado, gostaria de dizer-lhe o seguinte: o senhor finge ignorar a diferença que há entre um Governo em plenitude de funções e um Governo demitido.

O actual Governo apresentou a sua demissão…

Já lá vamos Sr. Deputado, tenha calma, se os Srs. Deputados do PSD me deixarem eu falo!

Não fujo, não!

O Sr. Secretário de Estado pretende ignorar que este Governo está demitido e que não pode estar em plenitude de funções.

Agora, a acusação que fiz é muito clara: a pessoa que preside à Fundação… Aliás, hoje a rádio creio que se referia a uma Fundação Silva Leal, mas creio que o nome correcto é Sousa Leal, mas a questão do nome é perfeitamente fácil de esclarecer, no entanto, a questão é esta: essa Fundação que vai receber a gestão de instituições que estão sob a dependência do Ministério da Segurança Social, particularmente na região de Lisboa, tem como Presidente uma personalidade que, para além de ser militante do PSD, está ligada ao próprio Ministério da Segurança Social.

Esta é uma acusação muito concreta e muito clara…

Eu não sei como é que o senhor se chama mas sei o cargo que desempenha, mas se isto não é verdade os senhores que o demonstrem e não demonstraram até agora.

E o Governo ainda nem sequer respondeu ao requerimento que já há algumas semanas fizemos sobre esta matéria.

Portanto, se o Governo quer estar em plenitude de funções então que responda a este requerimento. É tão simples como isso, porque os senhores para não responderem aos requerimentos da oposição aí já invocam o facto de não estarem em plenitude de funções, agora para as inaugurações já estão.