Declaração política sobre as trapalhadas do Governo e da maioria
Intervenção de Bernardino Soares
6 de Janeiro de 2005

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

 

Nem neste tempo pré-eleitoral cessam as trapalhadas do Governo e da maioria. Já não falo de cartazes, de listas, de indicações e suas retiradas mas, sim, de nomeações apressadas para garantir o futuro a alguns «boys laranja» e das privati-zações, que continuam imparáveis. O Governo, neste período de gestão, continua, com toda a serenidade, a privatizar as OGMA, a privatizar mais uma tranche da EDP, a anunciar lançamentos de concursos de novos hospitais privados, para os entregar, durante 25 ou 30 anos, a grupos económicos privados, como se o Governo, que está de saída e está derrotado na sociedade, tivesse legitimidade para condicionar o futuro do País em algumas destas importantes decisões.

Refiro-me também à trapalhada que temos estado a assistir, ontem e hoje aqui, com a Assembleia da República que termina, num dos momentos finais desta Legislatura, ao estilo do que foi o relacionamento deste Governo e desta maioria com a Assembleia.

Os Srs. Deputados, ou o Governo, podem vir dizer que o governo se faz representar por quem quiser, que sempre foi assim! O problema é que nenhum dos senhores, nem o Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, na Conferência de Líderes de ontem, se referiu a outra representação que não aquela que estava pedida, expressamente pedida, na carta que o PCP enviou ao Sr. Presidente da Assembleia da República, onde se pedia a presença da Sr.ª Ministra da Educação na reunião da Comissão Permanente. Não era do Governo, era da Sr.ª Ministra da Educação, como todos perceberam na reunião da Conferência de Líderes.

Portanto, se houve aqui um incidente, ele foi criado pelo Governo, porque, se o Governo tivesse dito, como disse noutras alturas, «aceitamos o debate, mas logo veremos quem vem», a questão teria sido discutida na Conferência de Líderes e teríamos, enfim, tomado as decisões que houvesse para tomar. Mas isto nunca foi dito!

E, portanto, daquilo que os senhores têm receio é de que a Sr.ª Ministra da Educação venha aqui esclarecer algo que é de uma enorme gravidade: a trapalhada da colocação dos professores, que é uma marca da vossa política e do vosso Governo e que os portugueses não esquecem.

Nestes últimos dias tem havido muita discussão pública, e justa, sobre o rigor das Contas do Estado, das contas públicas, tentando sempre, e mais uma vez, confundir o que é o rigor e a boa gestão dos dinheiros públicos com a contenção orçamental cega que caracterizou a política deste Governo, com um dramático resultado para o País. A política orçamental seguida foi contra os interesses do País e não cumpriu, nem formalmente nem em termos reais, os critérios do défice que estrangulam a nossa econo-mia. O problema das contas públicas resolve-se com uma boa gestão dos dinheiros públicos mas, sobre-tudo, com uma política que incentive o crescimento económico e que aposte no aumento da receita, designadamente através do combate à fraude e evasão fiscais, e da diminuição dos privilégios que certos sectores, como o financeiro, continuam a beneficiar e que são, na realidade, fortes constrangimentos à receita fiscal, que poderia ser muito maior.

É uma política duplamente fracassada: aumentou o défice real, criou, através da sua política de corte cego no Orçamento, sérias dificuldades à economia do País, ao seu desenvolvimento, agravou a recessão que já era uma realidade e comprometeu a recuperação que continua a não estar à vista, diga o Governo o que disser, anuncie o que anunciar nos próximos dias.

Nestes últimos dias, também fomos confrontados com os discursos e os problemas relacionados com os pactos de regime — uma matéria recorrente. Mas, mais do que os discursos dos pactos, importa conhe-cer o conteúdo dos pactos, isto é que interessa avaliar. E podemos dizer que tivemos alguns pactos nos últimos tempos, apesar de não parecer. Tivemos, por exemplo, os pactos em sede de revisão constitucio-nal, visando subordinar a nossa Constituição à Constituição Europeia; tivemos os pactos da reforma dos serviços de informações, em sentido profundamente negativo; e tivemos o pacto de continuar a submeter o País a uma política de estrangulamento financeiro, como é a da aceitação do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

Porém, o que precisamos é de pactos com os portugueses; pactos que possam combater esta política que criou mais 150 000 desempregados nestes últimos anos, que possam combater a destruição do nosso aparelho produtivo e o facto de, cada vez mais, a nossa economia ser subcontratada e depender de países estrangeiros, que possam pôr fim às privatizações de empresas públicas em sectores estratégicos e tam-bém de serviços públicos, que possam combater uma política que é negativa para os portugueses e des-graçada para o País.

Não contem connosco, portanto, para pactos contra os interesses do País.

É altura de todos assumirmos compromissos com os eleitores. Nós assumimos compromissos com Portugal, não assumimos compromissos com o compromisso de Portugal, como outros partidos preten-dem fazer, porque o nosso compromisso é com o desenvolvimento do País, é com uma melhor vida para todos os portugueses. Este é o único compromisso que nos deve e vai motivar nesta campanha eleitoral que se segue, na esperança de que, com estas eleições, podemos ter um virar de página e uma inflexão decisiva numa política que, ao longo de vários anos, muitos anos, tem condicionado o futuro dos portu-gueses, tem comprometido o desenvolvimento do País e cujos resultados estão bem à vista com a desgra-çada política da maioria PSD/CDS-PP que agravou a vida de todos nos últimos tempos.