Balanço da acção governativa do XVI Governo Constitucional
Intervenção de Bernardino Soares
2 de Setembro de 2004

 

 

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares:

Foi sem dúvida útil a sua intervenção sobre política geral — ela foi mesmo sobre política geral – mas teria sido bom que V. Ex.ª pudesse ter encontrado algum tempo para falar de alguma política particular. Espero, então, que, no período de resposta, tenha oportunidade para isso.

O Sr. Ministro falou, com grande ênfase, do rumo que o Governo vai seguir, sabe qual é o rumo que vai seguir; mas nós, agora, mais em particular, tirando já esse rumo geral, o que queríamos saber é que rumo o Governo vai mandar seguir à corveta que está a bloquear a entrada de um barco que tem legitimi-dade para entrar nas águas portuguesas.

O Sr. Ministro acusou os partidos da oposição de não terem propostas alternativas; mas digo-lhe já, aqui, por exemplo, que temos uma proposta alternativa à lei que, hoje, vigora em relação à interrupção voluntária da gravidez e que condena as mulheres a irem para a prisão. O que pensa o Sr. Ministro sobre esta proposta alternativa relativamente a uma matéria tão importante?


Curiosamente, nesta sessão em particular, o Sr. Ministro falou de abertura ao diálogo e a consensos. Suponho que estava a desautorizar o Secretário de Estado para os Assuntos do Mar, o qual, em relação ao barco da organização holandesa que pretende fazer debates em Portugal sobre a despenali-zação da IVG, dizia que, para entrar, terá de «atropelar» uma corveta. É uma linguagem muito dada ao diálogo e ao consenso – e suponho ser essa a que o Sr. Ministro se referia!

Na verdade, Sr. Ministro, não quero deixar de aproveitar esta sua intervenção e a resposta que, certa-mente, dará a esta questão, para dizer-lhe que, hoje mesmo, entregámos na Mesa um requerimento em que, ponto por ponto, pretendemos saber o que é feito das medidas aprovadas na resolução que a maioria impôs nesta Assembleia para chumbar, depois, os projectos de lei que despenalizavam a interrupção voluntária da gravidez e que, como todos percebemos, serviu para esconder a vergonha que significou esse chumbo e para justificar uma opção que, mais uma vez, condena as mulheres a esta indignidade.

O Governo não pode escusar-se a esta resposta e tem de dizer-nos — espero que o Sr. Ministro garan-ta que o fará, com urgência — o que é feito dessas propostas, as quais foram apresentadas, na nossa opi-nião, e como a vida o tem demonstrado, não com a intenção de serem levadas à prática mas com a inten-ção de esconder a opção mais grave, que é opção pela continuada penalização e criminalização das mulheres que recorrem à interrupção da gravidez.

Já agora, e para terminar, Sr. Presidente, porque, embora não tenhamos relógio, penso que o tempo de que disponho não estará muito longe de acabar, o Sr. Ministro poderia dizer-nos o que vale, afinal, na vontade da maioria e do Governo: é a afirmação do Sr. Primeiro-Ministro de que os resultados de leis e referendos não são definitivos, ou é a afirmação do Sr. Deputado Guilherme Silva, no sentido de que debate pode haver mas, de resto, nada se altera? Explique-nos, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, qual é, afinal, a posição do Governo.