Declaração Política
Declaração de Bernardino Soares na Assembleia da República
30 de Junho de 2004

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

O abandono de Durão Barroso das funções de Primeiro-ministro para presidir à Comissão Europeia lançou o país numa profunda crise política que vem completar o cenário de crise económica e social da responsabilidade do Governo PSD/CDS-PP e do mesmo Durão Barroso.

Mas por mais esforços que a maioria e mais empenhadamente o PSD, façam para desligar a decisão de Durão Barroso e as suas consequências, da situação política do país, em especial depois das últimas eleições para o Parlamento Europeu, a verdade é que as duas são indissociáveis.

Ou alguém acredita que o ainda primeiro-ministro teria tomado com a mesma facilidade a decisão de ir para a Comissão Europeia se a coligação de direita tivesse ganho as eleições? Evidentemente que não. Durão Barroso optou pela airosa saída para a Europa, em vez da maçada de fazer uma remodelação sempre adiada, de aturar as reivindicações das distritais do PSD e do parceiro de coligação ou de gerir as putativas candidaturas presidenciais, porque o seu governo está politicamente desgastado e a sua política fortemente condenada pelos portugueses.

Este Governo e o ainda primeiro-ministro estão social e politicamente derrotados. Os portugueses expressaram o seu descontentamento com a sua política quando deram aos partidos da oposição 60% dos votos expressos no último acto eleitoral. E não vale a pena desvalorizar o significado político nacional destas eleições, quando até o primeiro-ministro disse na noite eleitoral ter percebido o recado dos portugueses.

Não são por isso razões altruístas e patrióticas que estão na base da decisão do ainda primeiro-ministro mas sim, para além da conveniência dos poderes dominantes na União Europeia, que adiante veremos como condicionam o Presidente da Comissão agora indigitado, a situação política nacional, o desgaste do Governo e os desastrosos resultados eleitorais da maioria.

Durão Barroso deixa atrás de si um país com a mais profunda e prolongada recessão dos 30 países da OCDE, com mais de meio milhão de desempregados, com os mais baixos salários e reformas da União Europeia, com perspectivas de divergência em relação à média europeia de crescimento durante os próximos anos.

Por isso a situação política que vivemos exige decisões corajosas, transparentes e de respeito pelos cidadãos.

É sem dúvida ao Presidente da República, no quadro das suas competências, que devem ser respeitadas, que cabe tomar a decisão de convocar ou não eleições antecipadas.

Mas pela nossa parte julgamos haver sérias razões para que elas sejam convocadas.

Consideramos que, no actual quadro político, qualquer substituição do ainda primeiro-ministro por outra figura do PSD, seja ela qual for, será uma solução artificial e desprovida de legitimidade política.

Ao contrário do que argumenta a maioria e especialmente o PSD, dizendo que a sucessão por indicação do seu conselho nacional garante a estabilidade do país, pela nossa parte afirmamos que é precisamente ao contrário. Foi este governo que agudizou a instabilidade no país e na vida da esmagadora maioria dos portugueses e a decisão de lhe renovar o mandato sem legitimação popular seria um aprofundamento dessa crise e instabilidade, agora também no plano institucional.

As eleições, tão receadas pela coligação de direita, não são sinónimo de instabilidade, mas sim a legítima expressão de uma vontade popular que não pode ser excluída num momento de grave crise política como o que vivemos.

Durão Barroso tomou a decisão individual de aceitar presidir à comissão europeia. Mas a decisão sobre a condução dos destinos do país nos próximos anos não deve ser baseada nem na vontade do primeiro-ministro demissionário nem na de algumas dezenas de conselheiros nacionais do PSD.

É de um descaramento extraordinário que o PSD e certos comentadores de serviço, venham agora invocar como argumento o facto de as eleições legislativas se destinarem a eleger os 230 Deputados da Assembleia da República e não o primeiro-ministro, como forma de justificar a sucessão por indicação partidária. É que os que o dizem agora são os mesmos que nas eleições legislativas, para favorecer uma artificial bipolarização, só falaram no “candidato a primeiro-ministro”. Foi o que fez Durão Barroso nas eleições de 2002, contando sempre com o protesto do PCP contra esta autêntica mistificação eleitoral. Não pode agora vir invocar o contrário.

Por isso reafirmamos a nossa firme convicção de que a convocação de eleições antecipadas é a solução politicamente acertada para a resolução desta crise, com a acrescida legitimidade de, em contraste até com outras forças da oposição, termos sempre defendido, e em especial após os resultados das eleições europeias, ser preciso interromper o curso desta política e a acção deste governo o mais rapidamente possível. A vida veio provar que era justa a nossa determinação de não nos resignarmos a aceitar o decurso da legislatura até 2006.

É preciso lembrar que este é o governo do pacote laboral, da privatização dos sectores sociais, da crise económica, do apoio à guerra, do aumento da pobreza. Este é o governo que degradou a vida de milhões de portugueses e que comprometeu com a sua política o futuro do país.

Entretanto queremos hoje e aqui chamar a atenção para o facto de este governo, politicamente demissionário, estar mesmo assim, através de alguns dos seus ministros a tomar apressadamente decisões de enormes consequências para o país, procurando dar rapidamente por consumadas matérias que devem ser decididas apenas com um quadro político estável e institucionalmente definido.

É um escândalo que ontem mesmo e certamente com o conhecimento dos membros do Governo envolvidos neste processo, tenha sido assinado o contrato-promessa que entrega um terço do capital da GALP a um dos concorrentes ao negócio da privatização. Subitamente tudo se decidiu sem o parecer da comissão de sábios nomeada pelo Governo para avaliar esta operação. Pode o Governo refugiar-se nas muito convenientes interpretações de que a formalidade jurídica está a ser cumprida. Mas o facto é que é inaceitável uma decisão desta importância e desta natureza tomada apressadamente antes que a demissão formal do primeiro-ministro seja apresentada.

Não é possível imaginar que o compromisso assumido pela Parpública não tenha tido a cobertura política do Governo. Por isso exige-se que esta decisão seja imediatamente suspensa em nome da transparência e do respeito pelas mais rudimentares regras democráticas e institucionais e que o mesmo critério se aplique a outros processos de privatização como o do handling da TAP ou o das OGMA.

O país precisa de outra política. Os portugueses já expressaram a sua condenação desta política e deste Governo. O primeiro-ministro abriu uma grave crise institucional e de governo.

Agora só a devolução do poder de decisão aos portugueses poderá resolver de forma clarificadora e democraticamente estável a crise política em que nos encontramos. Pela nossa parte expressaremos de todas as formas esta nossa profunda convicção, que certamente corresponde à vontade do povo português.

O que é preciso é devolver o poder ao povo no comando, porque é sua a legitimidade para decidir os destinos do país.
Disse.