Debate sobre «O estado da Nação»
Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia da República
3 de Julho de 2003

 

Senhor Primeiro Ministro,

Vou falar-lhe de uma matéria com que o governo não gasta normalmente uma frase, muito menos toma qualquer medida. A falta de profissionais de saúde.

Bem sei que o problema não começou em Abril de 2002. Já vem dos governos anteriores do PSD e agravou-se por todos estes anos.

A forma como sucessivamente se manteve o numerus clausus na maioria dos cursos superiores da área da saúde, ao sabor dos interesses corporativos mais egoístas e da vontade de abrir caminho a investimentos privados, é um verdadeiro crime cometido contra os interesses do país.

Hoje faltam 20 mil enfermeiros em todo o país, são raros os especialistas - e o governo assiste.

40 % dos médicos que hoje temos no Serviço Nacional de Saúde estarão em 2007 em idade de aposentação; em 2012 serão 70 %- e o governo assiste.

A carência de médicos de família é cada vez mais aflitiva – o governo assiste.

Contam-se pelos às poucas dezenas? Os médicos nalgumas especialidades (por exemplo os anestesistas, essenciais para as cirurgias – o governo assiste

Oito mil trabalhadores com funções necessárias vão ser despedidos – o governo assiste

Sr. Primeiro Ministro,

Este não é um problema abstracto; nem menor. Tem consequências bem concretas. Praticamente todos os dias, pelo país encerram unidades de saúde, deixando populações inteiras desguarnecidas, milhares de pessoas deixam de ter médico de família, diminuem horários, fecham serviços de urgência, concentram-se serviços, outros funcionam com insuficientes profissionais, encerram maternidades, prolongam-se horários de forma desumana.

E a situação só vai piorar.

Este problema pode não estar na agenda mediática do governo; mas está na agenda diária das dificuldades de muitos milhares de pessoas e inúmeras localidades.

O governo e o Primeiro ministro assumem a responsabilidade da situação de catástrofe nacional para que caminhamos a passos largos e assistem sem pestanejar.

Pelo exemplo da saúde está bem visto o que o governo quer fazer quando fala numa reforma da administração pública sem dúvida necessária. Não se trata afinal de melhorar o funcionamento dos serviços, para que melhor assegurem o interesse público, ou de eliminar constrangimentos desnecessários, ou de aumentar a qualificação dos trabalhadores.

Trata-se apenas de uma cura de emagrecimento:
- emagrecer no orçamento
- emagrecer em número de trabalhadores e nos seus rendimentos
- emagrecer em áreas de actuação deixando mais campo livre para o sector privado

Assim é o país que o Governo quer deixar aos portugueses.

Um país onde o Serviço Nacional de Saúde está para venda a retalho e a saúde cada vez mais dependente do peso da bolsa de cada um.

Um país onde para que mais privados possam lucrar com o ensino, se desmantela a escola pública e com ela a garantia de ensino para todos.

Um país onde a política científica é uma vírgula na acção do governo porque para manter o mesmo modelo de baixos salários não precisa da investigação científica para nada.

Um país onde a riqueza que todos produzem se concentra cada vez mais nas mãos de cada vez menos

Um país onde se compromete o desenvolvimento, o progresso e futuro das actuais e das novas gerações.

Disse.