Declaração Política sobre a situação económica portuguesa
Intervenção do Deputado Lino de Carvalho
2 de Abril de 2003

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

“O défice público não me aflige. Aflige-me é que a recessão se agrave e acho isso demasiadamente provável...O bom investimento público é uma medida essencial à indução de um ambiente geral de recuperação económica”. Quem o disse, desta vez, não foi o PCP. Mas o insuspeito Dr. Miguel Cadilhe.

Será que a partir de agora o Governo e a Dra. Manuela Ferreira Leite irão ser mais sensíveis às opiniões, críticas e propostas do PCP ? Bom seria. Mas não parece. A Dra. Manuela Ferreira Leite e a maioria continuam apostadas numa estratégia claramente suicidária: a de trocarem a economia real e o desenvolvimento económico e social do país por uma quase mística dependência fetichista do défice.

É hoje já uma evidência que estamos em pleno processo recessivo. Que a desaceleração da economia mundial e portuguesa começou muito antes do 11 de Setembro e da guerra, dissemo-lo há muito. É, portanto, intelectualmente desonesto que alguém venha agora agitar a guerra de agressão ao Iraque como razão das dificuldades económicas do País e pretexto para serem exigidos mais sacrifícios ao povo português, em particular a quem vive dos rendimentos do seu trabalho e às pequenas empresas. Que a situação das economias pode – e seguramente vai – agravar-se porque afinal a “guerra rápida e cirúrgica” vai ser uma guerra prolongada e sangrenta é uma verdade. Mas, já agora, não venham aqueles que são responsáveis pelo desencadear de uma guerra unilateral e feita à margem do direito internacional entre os quais está, de corpo inteiro, o Governo português, desculparem-se com as consequências do conflito que eles próprios incendiaram. Haja pudor.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

O Produto quase estagnou em 2002 (crescimento anual de 0,5%) mas o 2.º semestre de 2002 foi marcado por uma efectiva diminuição do PIB em 0,7%, em resultado da diminuição acentuada do consumo interno, com particular destaque para o investimento (menos 11,5% entre Outubro e Dezembro de 2002); no último trimestre do ano o Produto acentuou a queda, menos 0,8% em relação ao trimestre anterior e menos 1,3% se comparado com o trimestre homólogo de 2001; aumento das falências, do encerramento e das deslocalizações de empresas; quebra de todos os indicadores chamados de confiança, aumento acelerado do desemprego: em Fevereiro passado tínhamos registados no Instituto de Emprego 412.000 desempregados (dados, como sabemos, sempre inferiores à realidade), mais 21,6% do que no mês homólogo do ano anterior, o valor mais elevado dos últimos cinco anos. Já ultrapassámos seguramente os 8% da taxa de desemprego. E não se diga que é desemprego não qualificado. Os desempregados com curso superior já são cerca de 30.000 (mais 25% do que em relação a 2002); directores de empresas registados como desempregados somam os 4.500. Voltam em força os salários em atraso. Eis a radiografia da situação a que chegou a economia portuguesa e as consequências no plano social.

E, como também previmos, os valores irrealistas e “martelados” apresentados no Orçamento de Estado para 2003 a partir de projecções macro-económicas que a realidade já tinha posto em causa na altura do seu próprio debate, estão a ser fragorosamente desmentidos pela realidade.O IRS, de um crescimento previsto de 5,8% está nos 1,2%. O IVA baixa de uma previsão de aumento de 5,6% para menos 4,4%. O IRC está estagnado.

Desculpa-se o Governo com a conjuntura internacional. Mas a verdade é que a economia portuguesa é aquela que pior se comportou dos países da União Europeia, da EFTA (Noruega e Suiça) e mesmo se comparado com os países candidatos.

Só que o Governo foi cego e surdo quando no horizonte já eram mais que visíveis os efeitos de erradas políticas económicas e da própria conjuntura. Quando muitos países, e a própria Comissão Europeia, já questionavam os apertados critérios de Mastricht, em particular o valor irracional do défice, e clamavam pela necessidade da sua flexibilização e de não se amarrarem as economias, mais a mais em período de recessão, a orientações fruto de um errado fundamentalismo monetarista, o Governo português, e em particular a Ministra das Finanças, continuavam, como continuam hoje, a clamar alegremente no deserto pelo seu estrito cumprimento. A tradução deste comportamento na política orçamental significa que o País está a somar crise à crise por responsabilidade do Governo.

O Governo optou por desacelerar e desvalorizar o investimento público quando se exige exactamente o contrário como factor de animação da economia; continuou a apostar nas privatizações, na área económica e social, e agora já em sectores de manifesto interesse público (como a rede básica de telecomunicações, o sector energético, na área do turismo ou a anunciada venda da TAP) por meras razões de encaixe financeiro e de satisfação dos grupos económicos, alienando instrumentos decisivos de intervenção na economia, de soberania nacional e entregando-os, as mais das vezes, a grupos multinacionais com os centros de decisão situados em Madrid, em Roma ou noutro canto da Europa; apostou na redução enorme do poder de compra dos portugueses e da procura interna quando o que se necessita é de animar o consumo (mesmo com algum agravamento da balança de transacções) como elemento reanimador da oferta. Agora mesmo está em curso um decisivo debate no seio da Organização Mundial do Comércio com vista à aceleração da liberalização do comércio em áreas tão sensíveis para Portugal como a agricultura, os têxteis ou os serviços, que a consumar-se já em Setembro, em Cancum, injectará novas e graves dificuldades para a economia portuguesa. Mas o Governo nada diz sobre esta matéria, não discute com os parceiros, não informa a Assembleia da República e até suspeitamos que para além dos nossos representantes da Missão Permanente em Genéve pouco preocupado está, em particular os Ministros da Economia e da Agricultura.

No plano estrutural, a médio e longo prazo, o panorama também é desolador porque sucessivos Governos nunca apostaram efectivamente numa modificação sustentada do perfil da nossa economia. Por muito que no discurso se diga, aqui ou além, o contrário a verdade é que os baixos salários, a baixa qualificação, o fraco nível do nosso mundo empresarial, continua a ser aquilo que mais caracteriza o nosso tecido produtivo. E, no entanto, já lá vão 10 anos que um Governo, também do PSD, encomendou um importante estudo, que deu lugar ao tão celebrado “Relatório Porter” que apontava algumas medidas, largamente consensuais, para o tão sempre falado reforço da competitividade da economia portuguesa. Recordemos então o que já era proposto em 1993: “Portugal necessita de identificar os sectores que são estratégicos e direccionar os recursos para onde são mais necessários; Portugal necessita de desenvolver indústrias de alta tecnologia; a base industrial de Portugal é demasiado estreita; Portugal necessita de desenvolver economias de escala; os gestores portugueses apresentam deficiências em aptidões básicas, especialmente em marketing, com relevo para a ausência de marcas portuguesas; Portugal necessita de resolver os seus problemas de infraestruturas, abrangendo questões como a educação; é necessário um maior envolvimento do Governo que deve ser o principal impulsionador da mudança a operar no País”. Lendo este conjunto de desafios percebe-se porque é que o Governo de direita os quer esquecidos. Os nossos gurus do neo-liberalismo já nem com Porter se dão bem. Neste ponto desafiamos o Governo a apresentar ao País um balanço da aplicação do relatório Porter. Em alternativa daqui propomos à Comissão de Economia que desencadeie, ela própria, uma audição com este objectivo. É que alterar as condições de competitividade de uma economia não se faz no tempo de um simples estalar de dedos. Leva anos. E quando se perdem as oportunidades, como se perderam, então em momentos de dificuldades económicas globais, economias de baixo perfil, como continua a ser a nossa, são as que de imediato mais se ressentem. Não é por isso de estranhar que quando a economia europeia ou mundial se constipam Portugal apanhe uma pneumonia.

Deixamos um conselho ao Governo: se não querem seguir as propostas do PCP para combater a crise, então dêem atenção ao que diz o Dr. Miguel Cadilhe em matéria de investimento público. Mas, já agora, acrescentem, combate à “má” despesa; medidas de combate à fraude e evasão fiscal que permitam o aumento da receita fiscal sem agravamento dos impostos; estímulos à capacidade de consumo das famílias com o aumento do seu rendimento disponível para que não se agrave mais o nível de endividamento; aposta realista nas exportações mas orientadas para mercados onde mais facilmente a oferta disponível em Portugal pode penetrar. E, a médio prazo, aposte-se de uma vez por todas na alteração do perfil da nossa economia, na educação, formação e qualificação dos nossos recursos humanos, sem necessidade de se perder tempo com mais estudos.

Disse.