Intervenção do Deputado
Bernardino Soares

Declaração Política sobre “O Caso Moderna”

18 de Setembro de 2002

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Até quando? É a pergunta que insistentemente surge na cabeça de muitos portugueses. Até quando o Ministro Paulo Portas vai recusar-se a prestar ao país os esclarecimentos que todos aguardam e que são indispensáveis para a clarificação política da sua situação pessoal ?

É cada vez mais difícil encontrar explicações para a ausência desse esclarecimento. Não esclarece por quê ?

- Porque não tem de estar sempre a esclarecer – dizem os seus correligionários; mas quando esclareceu os factos que sucessivamente vão sendo divulgados ?

- Porque as respostas já estão no processo, que é público, alvitram os mesmos defensores e o próprio; só que as explicações que se conhecem são manifestamente insuficientes, o que só reforça a necessidade de explicação de Paulo Portas.

- Porque se trata de uma cabala montada pelos interesses com que se confronta na Defesa; mas é também por dirigir um sector tão delicado e importante, que se exigem esclarecimentos que afastem qualquer suspeita e comprovem publicamente a sua idoneidade.

A não ser que não seja possível esclarecer ou que o esclarecimento seja pior do que a falta dele.

Escusa a maioria de nos relembrar pela enésima vez que o Dr. Paulo Portas não foi constituído arguido no caso “Moderna” e que é apenas testemunha. O processo judicial segue o seu curso e nele não nos devemos imiscuir. Já sabemos que o Ministro Portas não foi acusado; e também que o Ministério Público afirmou em comunicado que não foi ainda ordenada a extracção de certidão com vista à instauração de inquérito a Paulo Portas, dizendo também que o Ministério Público estará atento a factos que possam alterar o seu juízo.

Certamente que o julgamento em causa e os factos aí revelados estão a ser acompanhados com toda a atenção pelo Ministério Público e pela própria Polícia Judiciária, com vista a eventuais novas investigações. O contrário é que seria de estranhar.

A maioria apela agora a altas instâncias dizendo que quem exige legitimamente esclarecimentos está a tentar influenciar o poder judicial. Sobre isto dois comentários:

O primeiro para dizer que tais afirmações demonstram uma falta de confiança no poder judicial que não partilhamos de todo. Não cremos que o poder judicial se deixe influenciar pelas exigências de esclarecimentos políticos.
O segundo para afirmar que o que manifestamente é uma forma de pressão sobre as magistraturas e as polícias, é a referida afirmação peremptória de que tudo está encerrado em relação a Paulo Portas para o presente e para o futuro.

Mas na verdade do que se trata aqui não é da questão judicial, mas da política. Como política foi no passado a demissão de titulares de cargos públicos e até de membros do Governo, face a suspeitas por exemplo sobre a sua conduta perante o fisco.

É aliás essencial que se apure a situação fiscal das empresas dirigidas por Paulo Portas. Seria inaceitável que um Governo que se afirma empenhado em combater a fraude fiscal e em evitar a prescrição de situações irregulares ou de incumprimento de obrigações fiscais, não tivesse essa atitude neste caso.

Nesse sentido o PCP apresentará imediatamente um requerimento dirigido à Senhora Ministra das Finanças solicitando todos os esclarecimentos sobre a situação fiscal das empresas geridas por Paulo Portas.

Esperamos que ao contrário do que faz o Ministro da Defesa, a Ministra das Finanças nos responda com a urgência que o caso merece.

É política a questão, como é profundamente significativa em termos políticos a recusa de esclarecimentos dos sucessivos e graves factos revelados. Como também tem um significado político a reacção suave e ao retardador do Primeiro-Ministro, ao intenso debate que se tem travado. E nem sequer se diga que se está a proceder a uma condenação antecipada na praça pública. O que não se aceita é uma ilibação política automática de Paulo Portas, escudada num silêncio comprometedor. E se há direito ao bom nome ninguém mais que Paulo Portas estará interessado em pelo esclarecimento, preservar o seu.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Não é demais reafirmar a importância da independência das polícias e do aparelho judiciário perante o poder político, designadamente o Governo. Reafirmar este princípio é simultaneamente rejeitar quaisquer tentativas de instrumentalização destas instituições. Em qualquer Estado democrático e também no nosso, a vigilância permanente destas regras é indispensável.

Em Itália Berlusconi usa o poder político para se tentar eximir às suas responsabilidades judiciais. Não queremos que coisas semelhantes alguma vez se passem em Portugal.

No que se toca à Polícia Judiciária é particularmente importante preservar o prestígio e capacidade de acção desta instituição, decisiva no combate à criminalidade.

Mas ao contrário do que afirma candidamente o Senhor Primeiro-Ministro, não são os que legitimamente exigem explicações claras sobre os factos divulgados no “Caso Moderna” relativos ao Ministro Paulo Portas ou sobre as sucessivas demissões na Polícia Judiciária quem prejudica esta instituição.

O que verdadeiramente prejudica a imagem e o prestígio da Polícia Judiciária é a demissão de dois altos responsáveis três meses depois de terem sido nomeados.

Quem verdadeiramente prejudica a Polícia Judiciária é quem se mostra incapaz de alinhar uma explicação plausível para tais demissões.

Quem verdadeiramente prejudica a Polícia Judiciária é quem não esclarece a contradição entre o Director actual e antigos responsáveis, designadamente no que respeita a pressões políticas.

Não fomos nós, mas sim o Primeiro-Ministro e a maioria que, mesmo sabendo que decorria o julgamento da Moderna, em que Paulo Portas participa – ainda que na condição de testemunha – aceitaram que a pasta da justiça fosse entregue a alguém por ele nomeado. O prestígio da acção e das instituições exige a completa ausência de suspeição e o Governo não a acautelou.

Em todo este caso jogam-se importantes questões do regime democrático e do seu funcionamento. O país só pode aceitar a política da verdade e do esclarecimento total e não a política da fuga e da ocultação. Como quem não deve não teme, o país não compreende que não se esclareçam os graves factos revelados, nem compreenderá a continuação do seu silêncio.

Disse.