INTERVENÇÕES

Intervenção de José Soeiro no encerramentos dos trabalhos da
Conferência Nacional - O PCP e o Poder Local
11 de Maio de 2003

Pela 2ª Secção, subordinada ao tema "O PCP nas Autarquias – O conteúdo político da acção dos comunistas nas autarquias, o exercício do poder e o papel de Direcção do Partido", passaram largas centenas de participantes dos quais 34 pediram e usaram da palavra.

Os oradores e restantes participantes, operários, empregados, quadros técnicos e intelectuais, pequenos ou médios empresários, homens e mulheres, eleitos e não eleitos no poder local, sindicalistas, jovens e menos jovens, oriundos das mais diversas organizações regionais, contribuíram para a reflexão colectiva de forma construtiva, serena, crítica e autocrítica, como é prática deste grande colectivo que é o Partido Comunista Português.

Pena é que nem todos os intervenientes tenham deixado por escrito as ideias que expressaram nas suas intervenções pois elas constituiriam um importante material de reflexão e um importante contributo para o enriquecimento dos trabalhos da nossa Conferência. Aqui fica o apelo para que o façam em futuras iniciativas. Pela nossa parte e a partir dos nossos apontamentos aqui fica o registo de algumas das ideias essenciais expressas na 2ª secção.

Desde logo uma questão de elevado significado político: a concordância expressa pela generalidade dos intervenientes quanto às ideias fundamentais contidas no projecto de Resolução Política em discussão, sem prejuízo de uma ou outra reflexão quanto à necessidade de aprofundamento de algumas delas.

Por outro lado, quatro questões centrais mereceram particular atenção por parte dos intervenientes: A validade e actualidade do nosso projecto autárquico, a nossa forma de estar e de exercer o poder, a ligação aos trabalhadores e às populações e o papel de direcção do Partido nesta importantíssima frente de trabalho.

No que diz respeito ao projecto autárquico foi afirmada a sua actualidade e validade tendo presente a sua natureza profundamente democrática, representativa, colegial e aberta à participação dos trabalhadores e populações.

Um projecto autárquico inseparável do Poder Local Democrático resultante da revolução de Abril e da acção revolucionária do nosso Partido.

Um projecto autárquico indissociável da natureza de classe do Partido e do seu ideal comunista onde a acção desenvolvida, a par da resolução dos problemas concretos e imediatos das populações, deve ter como objectivo estratégico o desenvolvimento da consciência social e política dos trabalhadores e das populações, o reforço das estruturas do movimento operário e popular e a mobilização para a luta em defesa dos seus interesses e aspirações.

Um projecto autárquico pautado pela isenção, o trabalho, a honestidade e a competência e assente numa prática de unidade em torno dos problemas concretos e da sua resolução.

Um projecto autárquico que, como foi fortemente sublinhado, deve ter sempre por base uma profunda ligação aos trabalhadores e às populações e uma política de verdade para com estes. Uma política de verdade que nos permita olhar sempre de cabeça erguida e olhos nos olhos o povo que queremos servir. Uma política de verdade que tenha sempre presente que é junto dos trabalhadores e do povo que nós poderemos encontrar as forças necessárias para enfrentar e vencer os múltiplos obstáculos que temos pela frente.

Em resumo podemos afirmar que, pela sua natureza e objectivos, o projecto autárquico do PCP não é passível de se confundir com os projectos autárquicos do PS, PSD ou PP cuja ofensiva contra o Poder Local Democrático emergente da Revolução de Abril é por si só testemunho dessa diferença.

Importa por isso clarificar, quando hoje alguns camaradas afirmam que não nos diferenciamos dos outros partidos e que o nosso projecto autárquico está ultrapassado e precisa ser revisto, se é ao projecto autárquico ou se é à gestão autárquica e às prioridades da mesma que se estão a referir pois trata-se de questões bem distintas e que em situação alguma devemos confundir.

Sendo à gestão autárquica que se referem dois aspectos devem merecer reflexão.

O primeiro é interrogarmo-nos sobre as causas que levam à não diferenciação da nossa gestão pois elas podem ser de natureza diametralmente opostas. Se a diferenciação deixa de existir porque os outros sentem a necessidade de seguir o nosso exemplo para não ficarem para trás, nós só temos que nos orgulhar da nossa gestão e sentir satisfação pelo facto de com o nosso exemplo estarmos a contribuir para uma gestão melhor, mais eficaz, mais democrática e com melhores resultados para as populações. Mas se a diferenciação deixa de existir porque, como foi sublinhado nalgumas intervenções, se verificam atitudes desviantes que nos aproximam confundem com os outros então algo está mal e aí é imperioso que quer os nossos eleitos quer as organizações do Partido intervenham rápidamente no sentido de apurar o que está errado e tomar as medidas adequadas para retomar o rumo certo.

Igualmente importante é não cedermos à pressão e às campanhas que contra nós vão sendo desenvolvidas pelos nossos adversários sobretudo em momentos de campanhas eleitorais no sentido de procurar fazer passar a ideia de que não fazemos mais ou melhor que os outros.

Vejam-se os indicadores no que concerne às atribuições e competências das autarquias e depressa veremos que não só tivemos como continuamos a ter razões de justificado orgulho pela obra realizada pelas autarquias onde fomos ou somos maioria. E não é apenas ao nível das infraestruturas básicas. Veja-se o investimento em cultura e desporto, atente-se nas medidas de ordenamento e planeamento e não será dificil concluir que nas autarquias de maioria CDU não só se faz mais como se faz obra melhor. E isto apesar dos favoritismos dos contratos programas, dos investimentos do PIDDAC e outras benesses que procuram favorecer em geral os municípios da cor do governo.

A gestão de hoje poderá ser bem mais complexa e exigente que no passado mas nem por isso ela deixará de ter na sua base formas, opções e prioridades de classe que não só ajudarão à diferencição com as outras forças políticas como contribuirão para reforçar a validade e actualidade do nosso projecto comunista para o Poder Local.

Quanto à forma de estar e exercer o poder, questão intrinseca ao nosso projecto autárquico, foi repetidamente sublinhada a importância de preservar os traços essenciais que devem caracterizar e diferenciar os comunistas dos eleitos das outras forças políticas.

Honestidade, competência e transparência no desempenho das funções; recusa de benefícios pessoais e de mordomias facilitadas pelo exercício do poder; desapego ao poder; entrega e dedicação aos interesses das populações; rigor na conduta e procedimentos na gestão e no exercício de cargos; foram aspectos particularmente sublinhados como diferenciadores.

Igualmente sublinhado foi o facto de haver uma maior expectativa em relação à atitude dos comunistas no exercício do poder e consequentemente uma maior exigência quanto à nossa postura.

A importância do cumprimento do princípio de não se ser beneficiado nem prejudicado no exercício de cargos públicos e a concepção de que o Partido é o primeiro e principal titular do mandato individualmente atribuído foram também referidos como questões essenciais a ter presentes.

Ligação permanente aos trabalhadores e às populações, participação efectiva destas e destes na gestão autárquica não apenas como um direito mas como dever de um poder democrático constituem traves mestras da acção dos comunistas no exercício do poder seja em situações de maioria ou de minoria. Como foi repetidamente afirmado a participação não pode ser uma mera questão de retórica para os comunistas mas uma forma bem real de envolver as populações na discussão e construção das principais orientações e opções de gestão e como um meio essencial para elevar a consciência política, social e cultural das populações bem como uma maior compreensão dos seus direitos face ao poder.

Igualmente importante é o constante aprofundamento da nossa relação com o movimento associativo popular e com outras instituições associativas locais.

Uma relação de proximidade e diálogo com os trabalhadores da autarquia, uma preocupação constante com o respeito dos seus direitos e a melhoria das suas condições de trabalho, a sua valorização profissional, são aspectos que devem estar na primeira linha das preocupações dos eleitos comunistas.

Uma outra questão que pode e deve diferenciar os eleitos comunistas dos eleitos do PS, do PSD e mais ainda do PP é o conteúdo da sua acção política. Não serão certamente os eleitos do PS, do PSD ou do PP que irão sair para a rua ao lado dos trabalhadores na luta contra o pacote laboral, contra a privatização da segurança social, em defesa do serviçi nacional de saúde ou de um ensino público de qualidade. Não serão certamente os eleitos do PS, do PSD e do PP que estarão na primeira linha de combate às privatizações das empresas e de importantes serviços públicos como a água ou o saneamento. Aí, ao lado dos trabalhadores e das populações, em defesa dos seus legítimos interesses e mais profundas aspirações, deverão estar sempre e sempre os comunistas.

E para que sempre assim seja é da maior importância uma significativa melhoria, a todos os níveis, do trabalho de direcção do Partido.

Do bom funcionamento das células, designadamente das células dos trabalhadores das autarquias, do bom funcionamento das Comissões de Freguesia, das Comissões Concelhias, das Direcções Regionais, dos organismos e comissões específicas para o trabalho autárquico, da participação equilibrada de eleitos nos organismos de direcção, depende essencialmente a concretização e desenvolvimento, com sucesso, do projecto autárquico do PCP.

Como foi repetidamente afirmado a intervenção autárquica dos nossos eleitos será tanto mais eficaz e segura quanto na base das suas posições e propostas estiver um bom trabalho colectivo alicerçado num bom trabalho de direcção.

Foi igualmente afirmada a importância das organizações do Partido não delegarem exclusivamente nos eleitos o desenvolvimento da acção política e a representação do Partido junto das populações considerando-se muito importante que os organismos de direcção assegurem uma intervenção própria e constante em torno dos problemas concretos e promovam um diálogo regular com os diferentes agentes que intervêm na área da respectiva organização pois uma tal actividade em muito poderá contribuir para o próprio prestigio e reforço da acção dos eleitos comunistas que intervêm no plano institucional.

É essencial que, perante dificuldades e insuficiências, não se criem dicotomias entre eleitos e organismos de direcção do Partido, que não se procurem transferências mútuas de responsabilidades, pois mais do que apontar erros e insuficiências importa ter presente que eleitos e não eleitos todos somos comunistas, membros do mesmo Partido, que os erros ou insuficiências de um eleito ou de um organismo são erros nossos e que a nossa primeira preocupação deve ser refletir serenamente sobre eles e procurar no aprofundamento do trabalho colectivo os caminhos para os superar.

Ao ser eleito um comunista não pode deixar de ter presente que o primeiro passo para a sua eleição foi a confiança que nele depositaram os seus camaradas sendo seu dever procurar com estes as orientações mais ajustadas à sua acção nas instituições. Ser eleito e intervir em defesa dos interesses gerais das populações, não deve significar em nenhuma circunstância esquecer a sua condição de comunista e o facto de ser nessa condição política que foi eleito. De igual modo um organismo não pode deixar de ter presente, ao indicar um camarada para um cargo electivo, que isso não pode significar a desresponsabilização desse organismo cujo dever é dar todo o apoio à acção desse camarada, considerando a melhor forma de o inserir e envolver no trabalho de direcção e procurando através da melhoria e aprofundamento do trabalho colectivo contribuir para vencer dificuldades e insuficiências que o mesmo possa sentir no desenvolvimento das tarefas que lhe foram confiadas.

E quando dificuldades e insuficiências que temos nalgumas organizações não nos permitirem encontrar respostas no plano local é essencial que compreendamos, todos, que o Partido não se esgota na nossa própria organização e que podemos sempre recorrer ao grande colectivo partidário que somos e no quadro do qual encontraremos certamente resposta para enfrentar as dificuldades.

E se assumimos como justas as orientações contidas no projecto de Resolução Política que iremos votar, se estamos de acordo que o reforço da organização do Partido e a melhoria do trabalho de direcção a todos os níveis é essencial para o sucesso da nossa intervenção autárquica, então é da maior importância que cada um dos camaradas presentes, eleito ou não eleito, compreenda que tem um importantíssimo papel a desempenhar ao sair desta Conferência. É necessário que cada um se empenhe com determinação e contribua com a sua acção para o reforço das células, designadamente das células em autarquias e para o reforço e melhoria do trabalho de direcção, particularmente das Comissões de Freguesia e das Comissões Concelhias, concientes de que só com mais Partido e melhor Partido é possível um Poder Local mais democrático ao serviço do bem estar das populações.

Viva o Partido Comunista Português