INTERVENÇÕES

Intervenção de António Salavessa no encerramentos dos trabalhos da
Conferência Nacional - O PCP e o Poder Local
11 de Maio de 2003

Camaradas e Amigos:
A qualidade do trabalho desenvolvido pelos comunistas, bem como os seus resultados na vida das populações respectivas, ganham contornos de maior nitidez quando são confrontados com os traços gerais da actuação das outras forças políticas, dominantes na maioria do território nacional.

Percorrendo, por exemplo, o Distrito de Aveiro, onde PS, PSD e PP, repartem as 19 presidências de Câmaras Municipais, damo-nos conta de um quadro de atrasos e assimetrias no desenvolvimento, de atentados contra o património, de desordem urbanística e de ataques à qualidade de vida. Um quadro semelhante ao de outras regiões, consequência da acção e das omissões de um poder autárquico incapaz de planear e de cooperar ao nível supra-municipal, incapaz de desenvolver políticas concertadas de desenvolvimento regional.

Sem resposta às questões de fundo, as autarquias do PS e da direita caracterizam-se – ressalvadas excepções pontuais – pela crescente submissão a interesses de agentes económicos privados, pelo abandono do serviço público, pela subserviência face ao poder central, pela opacidade da gestão, pelo défice de funcionamento democrático, por irregularidades, frequentemente continuadas, pelo endividamento crescente. Tudo isto sem benefício para a qualidade de vida das populações respectivas, cada vez mais sobrecarregadas com taxas e tarifas municipais.

Sem quererem perceber que são titulares de um poder que resulta do voto directo dos cidadãos, presidentes de câmara e de juntas de freguesia pouco ou nada fazem em defesa da autonomia das autarquias, preferindo os passos perdidos entre gabinetes de ministros, de secretários de estado e das CCRs, mendigando obras, fundos comunitários e outros apoios pontuais.

Nestas regiões onde, como se afirma no projecto de resolução da conferência, é a própria actuação das forças maioritárias que contribui “objectivamente para o enfraquecimento do prestígio do Poder Local e para o crescente alheamento da população...” a acção do Partido, das organizações e dos eleitos pode e deve defender os valores e características do Poder Local Democrático, ao mesmo tempo que combate as políticas antipopulares, as insuficiências, os erros de gestão e os comportamentos autoritários e antidemocráticos, venham eles de onde vierem.

A medida do êxito da nossa intervenção nas autarquias deverá ser encontrada na forma como o Partido responda a este duplo desafio.

Camaradas:
Nas regiões em que predomina o trabalho em minoria, não podemos invocar um património próprio baseado em obra feita, com a excepções de algumas juntas de freguesia ou da acção de um ou outro vereador com pelouro atribuído. Resta-nos, neste capítulo, poder citar os bons exemplos das autarquias CDU e confrontar os resultados da sua acção com a nossa realidade quotidiana. Mas a força deste exemplo acaba por ser prejudicado quando uma outra decisão tomada em autarquias da CDU, não conformes com a nossa orientação ou projecto, contraria as posições que em minoria defendemos e correspondem a opções contra as quais lutamos.

Não se julgue que, por falta de obra feita, não se tenha solidificado, também em minoria, uma presença distintiva do PCP nas autarquias. De facto ela existe, é reconhecida pelas populações e inclusive pelos adversários políticos.

Parte substancial dessa presença distintiva assenta nas características do estilo de trabalho e do exercício do poder pelos comunistas, as quais devem estar presentes em todo e qualquer mandato de que dispomos. Quer em maioria, quer em minoria, são igualmente exigíveis: “a honestidade, competência e transparência no desempenho das funções; a recusa de benefícios pessoais, expressões de ostentação e do uso indevido dos meios a que o poder faz apelo; a entrega e dedicação aos interesses das populações e desapego ao poder; o rigor na conduta e procedimentos na gestão e no exercício de cargos”.

Mas a presença distintiva do PCP no trabalho autárquico em minoria assenta também, de forma muito nítida, naquilo que julgo ser o principal elemento do nosso património, nesta área de trabalho e nestas regiões do país: o património que resulta da luta de décadas pela transparência e controlo democrático do Poder Local, desenvolvida muitas vezes em condições particularmente adversas.

Camaradas:
Ao falar em transparência e controlo democrático refira-se que ambos, não sendo garantidos, são contudo potenciados pelo enquadramento legal do nosso Poder Local, designadamente a composição plural e proporcional das Câmaras Municipais, que funcionam colegialmente e que respondem perante Assembleias igualmente resultantes do voto directo das populações.

A anunciada alteração do sistema eleitoral visando a criação de executivos municipais de uma só cor política e o fim da eleição directa das Câmaras Municipais representa, como se pode ler no projecto de resolução, não só o “empobrecimento da democraticidade do Poder Local” mas também a “limitação da colegialidade e pluralismo” nas autarquias, constituindo um “sério golpe nos mecanismos de fiscalização e controlo democrático”.

Não existe nenhuma razão nem qualquer argumento que possam negar que o actual sistema de eleição, composição e actividade das Câmaras Municipais funciona, comprovadamente, há 25 anos, e que possui virtualidades que podem ser desenvolvidas. Por isso tais projectos de alteração não podem merecer outra atitude que não seja a do mais firme e vigoroso combate, no sentido de impedir a sua aprovação.

Camaradas:
Pela observação feita no Distrito de Aveiro é legítimo concluir, que não é indiferente ao funcionamento dos órgãos autárquicos, nem aos resultados do seu trabalho, e muitos menos aos interesses das populações, a presença ou a ausência de eleitos da CDU e, em particular, de eleitos do PCP.

Mas mesmo com uma presença reduzida nas autarquias é possível observar diferenças, de concelho para concelho, na nossa intervenção autárquica. A qualidade e os resultados dessa intervenção variam na razão directa de duas questões, interligadas entre si: o trabalho colectivo do partido e a participação das populações.

Há muito a fazer no desenvolvimento do trabalho colectivo em torno da intervenção local. A começar pela assunção da tese de que o acompanhamento da acção das autarquias, dos problemas a que elas devem dar resposta e o estímulo à participação das populações na vida autárquica, são exigências que se colocam sempre às organizações locais do partido, existam ou não eleitos do PCP. Não aceitar esta tese significaria que uma boa parte das concelhias e a enorme maioria das organizações de freguesia estariam dispensadas – à falta de eleitos – de qualquer intervenção local.

Ora, em qualquer circunstância, é legítimo que se espere que os comunistas estejam na primeira linha da dinamização da luta e das reivindicações das populações e das suas organizações. Tal como é sempre possível levar as lutas e reivindicação às autarquias, seja na intervenção dos eleitos – quando existam – seja por outras formas: mobilização para a participação em reuniões; organização do uso da palavra nos períodos destinados à intervenção do público; exercício do direito de petição, designadamente da petição com iniciativa regulamentar; participação nos inquéritos públicos; reivindicação de referendos locais. E também outras formas de demonstração da vontade das populações as quais, não estando previstas na legislação autárquica, não deixam de ter natureza constitucional e profundamente democrática.

E como é diferente a atitude dos eleitos do PS, do PSD e do PP quando são confrontados como uma sala cheia de pessoas que se mobilizaram para colocar um problema ou para assistir a uma decisão que lhes diga directamente respeito. Várias vezes pudemos constatar que é muito difícil que tomem decisões que contrariem os interesses de populações quando as populações estão mobilizadas e presentes.

Também nos cabe a nós, comunistas que intervêm em condições de minoria, a luta pela elevação da participação das populações, a “condição primeira de uma administração democrática”, partindo da convicção, expressa no projecto de resolução, de que a “participação na gestão autárquica deve ser assumida não apenas como um direito das populações, mas sobretudo como dever de um poder local democrático”.

A demanda da participação popular, para além de objectivos pontuais de uma qualquer luta ou reivindicação, deve ter sempre presente o duplo objectivo identificado no documento que estamos a discutir, o seja, “contribuir para um envolvimento efectivo das populações na discussão e na construção das principais orientações e opções” de cada autarquia, devendo também “constituir-se como factor da elevação da consciência política, social e cultural das populações e dos seus direitos face ao poder.

Camaradas e Amigos:
Não temos, da participação, qualquer concepção que a torne num fim em si mesmo.
Queremos mais participação para termos, em maioria ou em minoria, melhores autarquias e melhor Poder Local.

Queremos mais participação para abrir, também por esta via, os caminhos para uma outra política, para abrir os caminhos de um futuro melhor para os trabalhadores e para o povo português.

Viva a Conferência Nacional.
Viva o PCP.