Intervenção do
deputado Pimenta Dias

Alteração da Lei nº 3/99, de 31 de Janeiro,
(revogação do artº 118, que impõe aos municípios
a aquisição de terrenos para
os Tribunais Judiciais de 1ª instância)

24 de Fevereiro de 1999



Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

A Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais deixou os eleitos locais mais preocupados, relativamente às formas que estão a ser encontradas para impor aos municípios novos encargos e atribuições, sem as correspondentes contrapartidas financeiras.

Com efeito, o artigo 118º da referida lei estabelece que "constitui encargo dos municípios a aquisição, urbanização e cedência à administração central de terrenos destinados à construção de edifícios para a instalação de tribunais judiciais de 1º instância", salvaguardando - para que não reste qualquer dúvida - que "nos tribunais com jurisdição em mais de um município, os encargos referidos são suportados por cada um na proporção das respectivas receitas".

Mas o referido artigo vai mais longe passando para os municípios os encargos com as obras de conservação urgente nos mesmos tribunais. Dada a situação de degradação em que se encontra a maioria dos tribunais de 1ª instância, se tiver vencimento a passagem deste encargo para as Câmaras Municipais significará um aumento exponencial das suas despesas.

Convenhamos que não deixa de ter um carácter inovador a inclusão numa lei orgânica de normas relativas à delimitação de competências em matéria de investimentos públicos, mas é uma inovação que - em nossa opinião - não faz qualquer sentido. Desde logo porque já existe no nosso ordenamento jurídico um regime de delimitação e coordenação das actuações de administração central e local em matéria de investimentos públicos.

Mas também, porque a justiça e os investimentos públicos necessários para a sua administração e funcionamento não são nem atribuição nem competência dos municípios, de acordo com a legislação vigente.

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

Enquanto geradoras de novos encargos para os municípios, as normas em questão não estão isentos de iniquidade, tanto mais que podem contribuir para o agravamento da já debilitada situação financeira destas autarquias locais, que continuam a não receber as verbas a que indiscutivelmente têm direito, no quadro constitucional de distribuição equitativa dos dinheiros do Estado.

Sobretudo nos municípios marcadamente urbanos que, não possuindo bolsas de terrenos adequados para tal finalidade, terão que proceder à sua aquisição sujeitando-se às regras do mercado de solos - tantas vezes especulativas - ou recorrer à expropriação dos mesmos seguindo as condições impostas por uma lei (a Lei das Expropriações) fortemente restritiva para a intervenção dos municípios numa adequada política municipal de solos, o que, em qualquer dos casos, representa custos de largas dezenas (senão centenas) de milhares de contos, muitas vezes incomportáveis, devido aos seus parcos recursos financeiros.

Analisem-se os valores pagos por muitos municípios na aquisição de terrenos destinados à construção de escolas básicas do 2º e 3º ciclos e secundárias, de pavilhões gimno desportivos ou de centros de saúde - para apenas citar as situações mais correntes - e avalie-se o peso dos respectivos custos nos orçamentos municipais. Depois o Governo não se pode queixar do aumento do endividamento das Câmaras Municipais.

E não cometamos a ligeireza de julgar que as situações referidas legitimam - afinal de contas - que seja seguido o mesmo princípio para os tribunais de 1ª instância.

Em primeiro lugar porque os municípios e a sua Associação Nacional sempre discordaram e reclamaram contra a prática seguida por este e os anteriores Governos - também aqui não se diferenciam - de condicionarem a construção deste tipo de infra-estruturas à cedência pelos municípios dos terrenos necessários, numa postura que pouco diverge da chantagem.

Em segundo lugar, porque nas situações citadas a cedência dos terrenos acabou por ser feita nos termos de protocolos de colaboração assinados entre o Governo e as Câmaras Municipais envolvidas.

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

No respeito pelo princípio da autonomia administrativa e financeira das autarquias locais é desejável e adequado que a colaboração entre a administração central e local em matéria de investimentos públicos, que não sejam da competência dos municípios, respeite o quadro legal que está consignado no Decreto-Lei nº 77/84, que estabelece o regime de delimitação e coordenação das actuações da administração central e local em matéria de investimentos públicos.

Ou seja, tal colaboração deve obedecer a um processo negocial que vise assegurar a satisfação das necessidades dos cidadãos, mas também salvaguarde o princípio da justa repartição dos recursos financeiros do Estado e o equilíbrio financeiro dos municípios.

A aquisição de terrenos, tal como a construção dos tribunais judiciais, deve ser da responsabilidade do Governo.

Por isso julgamos que faz todo o sentido que seja revogado o artigo 118º da Lei nº 3/99, de 14 de Janeiro, tal como propomos no projecto de lei que estamos a discutir.

É, de resto, essa a posição da Associação nacional dos Municipios Portugueses, que em recente parecer considera que "as normas em causa contrariam o que se designou por desenho constitucional ", já que "contundem com a lógica que emerge da Lei Fundamental no que tange à repartição de responsabilidades entre o Estado e as autarquias locais, obrigando-as a desviar recursos pré-ordenados à satisfação de necessidades cuja superação lhes cumpre efectivamente promover".

Porque se trata de uma medida justa estamos convencidos que merecerá o apoio desta Câmara.