Pacote do PSD sobre Municípios
Intervenção do deputado João Amaral
21 de Outubro de 1998

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

O PSD acabou, ainda agora, de fazer um grande alarido contra a suspensão por meia dúzia de sessões dos trabalhos do Plenário, alegando designadamente os muitos afazeres que impendem sobre a Assembleia. Mas, logo a seguir, veja-se: como é que o PSD ocupa o tempo desta Assembleia, esta Quarta-feira inteira? Pois como num mero passe de magia, um bocado simplória, para tentar esconder que "o não do PSD às regiões é um sim ao centralismo". Isto não é um debate parlamentar, é um truque político.

O que aqui estamos a assistir não é a trabalho sério da Assembleia. Nem o PSD quer que pareça sério. Se quisesse, não fazia este chouriço de nove projectos, misturando alhos com bugalhos e tornando este debate num perfeito caos. Basta ver os projectos, que metem de tudo, desde áreas metropolitanas, negócios bancários, governadores civis, distritos, até serviços públicos em viagem pelo país.

Esta marcação e este debate parlamentar não passam de uma cena de fantasia delirante em que o PSD nos obriga a participar.

Começa por ser fantasia este frenesim descentralizador do PSD. Nos 22 anos decorridos desde as primeiras eleições autárquicas, o PSD esteve 16 anos no Governo, dos quais 14 anos o Primeiro Ministro foi o chefe do PSD. Então os senhores andaram distraídos nestes 14 anos e agora a 15 dias do referendo sobre as regiões, é que têm o pacote? Deu-lhes o "AMOK"? Mas, não andaram distraídos. Todos os municípios conhecem os Governos do PSD e a sua história: os sucessivos incumprimentos da Lei das Finanças Locais; as ingerências indevidas na vida municipal, tanto do Governo como dos serviços da administração central; a retenção de verbas do FEF à revelia das decisões municipais; a oposição ao fortalecimento das áreas metropolitanas; a oposição à definição de uma esfera de competência própria das freguesias; ao regime de tempo inteiro para eleitos das juntas, e à constituição da ANAFRE; o gigantismo das CCR's e os crescentes poderes que assumiram contra os municípios; a burocracia de autorizações. e tutelas a que os actos municipais são sujeitos; os actos abusivos da tutela administrativa. Há mais. Mas acho que já chega, se não os senhores Deputados do PSD ficam muito acabrunhados...

Mas, se alguém esperava que o PSD entrasse aqui de baraço ao pescoço e a pedir perdão está enganado. O chourição que o PSD aqui apresenta é tudo menos municipalista.

O que o PSD quer é combater as regiões, as verdadeiras, substituindo-as por falsas regiões, sejam elas quais forem. Para o PSD neste pacote, há as regiões - CCR, que já eram as regiões que mais gostava; há as regiões - áreas metropolitanas, curiosamente em número de oito, todas no litoral, nem uma no Alentejo, em Trás-os-Montes ou na Beira Interior; há as regiões - associações de municípios, onde o PSD admite que sejam expropriadas aos municípios competências que hoje detêm, já que prevê que sejam competências próprias das associações, não exclusivamente competências que hoje sejam da administração central, mas competências que hoje são do município. Em vez da transferência da administração central para as associações, o que o PSD pretende é a transferência do município para as associações.

Para cúmulo, o PSD ainda recorre a outra falsa forma de região, que é o velho e caduco distrito e a sua assembleia distrital. Uma espécie em vias de irremediável extinção, caducada pela constituição e por toda a experiência histórica, até ao distrito o PSD recorre contra as verdadeiras regiões!

Na panóplia das falsas regiões possíveis, deve dizer-se (sem ofensa) que só faltam as colónias!

Sabem qual é o problema de fundo que leva a este debate, que poderia chamar surrealista, não se desse o caso de os surrealistas ficarem legitimamente ofendidos?

O problema de fundo está posto mesmo dentro do PSD e divide-vos, senhores deputados do PSD. Ouvi-o há poucos dias, na sexta feira passada, da boca do Presidente da Câmara da Maia, Professor Vieira da Carvalho.

A frase é lapidar: "quem diz que vai propor o reforço dos Municípios como alternativa à criação das regiões, não sabe o que são as regiões e não conhece os municípios portugueses".

Falar do reforço do municipalismo contrapondo-o à criação das regiões é, como está dito, ou ignorância ou má fé.

As competências que as regiões poderão exercer são tiradas à administração Central e são competências que por definição não poderão ser exercidas pelo Poder Local, pela sua dimensão escassa. São competências que exigem um território mais vasto. O reforço dos municípios não é alternativa a nada. Deve ser sempre feito, já devia estar feito mesmo antes de haver regiões, porque é feito com competências que os municípios podem assumir e que por isso não devem em nenhum caso ir para as regiões.

É por isso que esta cangalhada de projectos que o PSD aqui tem, e que pôs a discussão da Assembleia à pressa, mesmo sem o parecer da Associação Nacional de Municípios e da ANAFRE, está inquinada à partida. Porque o Poder Local não é alternativa às regiões. É, com as regiões, alternativa ao centralismo e à concentração.

Fazendo dos municípios a alternativa às regiões que elas não podem ser, o PSD defende o centralismo. Diz sim ao centralismo.

Dizer alguma coisa sobre o conteúdo dos projectos neste contexto? Para quê? Para mostrar que mais uma vez o PSD procura atirar competências para os Municípios sem garantir os adequados meios financeiros? Que o PSD apoia as áreas ricas e do litoral com as suas oito regiões metropolitanas e despreza o resto do País? Para dizer que ataca direitos dos trabalhadores? Que quer legitimar o poder das CCRs com a chancela municipal? Que admite restringir as competências próprias municipais?

Há de facto uma discussão a fazer, sobre o reforço das competências e meios financeiros dos municípios. Uma discussão com os municípios, e não pondo-os de lado.

Mas a discussão a fazer não é este "hapening" que a direcção do PSD quis proporcionar ao Deputados e jornalistas parlamentares. Este debate não vale nada, para o PSD. A estas horas já o Professor Marcelo tem o discurso pronto. Ele que, em evolução permanente de pensamento, agora, segundo disse, é pela "regionalização sem regiões"! Pela omolete sem ovos. Vamos ouvi-lo hoje, queixoso, a dizer que PCP e PS, teimosos, não aceitam a sua luminosa descoberta, e continuam a defender essa coisa que ele acha um disparate, que é fazer-se a regionalização com regiões. Veja-se, que falta de imaginação a nossa: regionalização com regiões! O que nos havíamos de lembrar!

Disse.